DINHEIRO ? Um mês atrás, o dólar batia em R$ 3,64 e o País parecia atordoado. Hoje, com o câmbio perto de R$ 3,10, é possível dizer que a crise foi superada?
MAILSON DA NÓBREGA ? Houve uma reversão notável, que começou com o acordo com o Fundo Monetário Internacional. Foi uma surpresa até para os otimistas, que não esperavam um valor tão alto, como os US$ 30 bilhões. Na verdade, o Brasil foi beneficiado pelas circunstâncias globais. Uma crise interna coincidiu com uma crise mundial e os Estados Unidos foram pressionados a nos socorrer rapidamente, pois o Brasil poderia arrastar a economia global. Mas a nossa crise era fruto, principalmente, da incerteza eleitoral. Dos dois candidatos que lideravam as pesquisas, um, o Lula, tinha um passado ambíguo, de defesa de posições como a moratória da dívida externa. O outro, o Ciro Gomes, adotava um discurso radical. Por isso, começou o processo de fuga de capitais. Tudo isso poderia levar o País a uma exaustão de reservas, que pioraria o clima político interno, criando uma espécie de profecia auto-realizável.

DINHEIRO ? Mas o acordo não acalmou totalmente o mercado…
MAILSON ? Muitos imaginavam que o acordo interromperia o processo de perda de confiança, com a restauração imediata das linhas de crédito, mas isso ainda não aconteceu. Os bancos internacionais estão muito expostos ao Brasil e não querem ser rebaixados pelas agências de risco. Mesmo acreditando que o Brasil não chegará ao calote, alguns investidores não tinham argumentos para convencer os superiores de que é hora de começar a retomar as linhas de crédito. Isso vai acontecer, embora mais lentamente.

DINHEIRO ? Com essas incertezas, para onde vão o câmbio e a economia?
MAILSON ? O cenário está muito condicionado às eleições. A aposta básica da Tendências é que o José Serra vai com o Lula para o segundo turno e vence. Assim, o Brasil caminha para a normalidade já a partir de outubro. O risco País pode voltar ao patamar de 800 a 900 pontos, em vez dos 1,6 mil pontos atuais, compatível com uma taxa de câmbio entre R$ 2,50 e R$ 2,60 até dezembro. Isso pode ter efeito sobre os juros e a economia real, com mais crescimento a partir de 2003.

DINHEIRO ? E se o Lula vier a vencer?
MAILSON ? Depende muito da sua atitude. O Lula ainda não conseguiu ser convincente para o mercado. Qual é o Lula que vale? No debate, ele reclamou da privatização. No passado, já disse que vai controlar preços. A hipótese otimista com o Lula é a seguinte: no começo do governo ele vem a público, diz que mudou e anuncia um time econômico constituído de pessoas de altíssima credibilidade. Assim, o seu cenário econômico pode ser parecido com o do Serra, mas a dose de incerteza é alta. Há também a hipótese pessimista: Lula assume com uma postura radical, uma equipe ruim, e o dólar vai a quatro reais.

DINHEIRO ? E com o Ciro?
MAILSON ? Com o Ciro, o mercado também tende a se acalmar, porque ele é esperto o suficiente. Ciro logo se tornaria um conservador, principalmente num segundo turno. Ele não está na idade de jogar pedra em avião. Sua equipe econômica estará muito mais para José Alexandre Scheinkman do que para Roberto Mangabeira Unger. Alguns no mercado diziam que, em função da imprevisibilidade, um governo Ciro seria mais arriscado. Mas o risco maior é o Lula.

DINHEIRO ? Quais são as probabilidades de vitória de cada candidato traçadas pela Tendências?
MAILSON ? O Serra vence o Lula e o Ciro também ganha do PT. Nós já estudamos várias eleições mundo afora e estamos convictos disso. Os partidos de esquerda que chegaram ao poder passaram por várias mudanças. Primeiro, caminharam para o centro. Depois, substituíram o candidato original. É inevitável que o PT chegue ao poder no Brasil, mas não será com o Lula.

DINHEIRO ? Vocês mantiveram a aposta em José Serra mesmo quando havia até aliados abandonando a candidatura do governo…
MAILSON ? Nosso modelo tem três componentes: os arranjos regionais, um ponto em que Ciro surpreendeu, o perfil conservador do eleitor brasileiro e o tempo de televisão. Nesta eleição, há ainda um dado novo, que é a popularidade do presidente Fernando Henrique, ainda elevada, considerando que ele já está há oito anos no poder. Diante de tudo isso, o Serra tem algumas vantagens. Além de 40% do tempo de tevê, ele foi eficiente ao atacar os pontos vulneráveis do Ciro, como a inconsistência com dados e números. Tem um outro ponto interessante: a participação da Patrícia Pillar nos programas de tevê não gerou efeito algum, nada do que era esperado pelos marqueteiros.

DINHEIRO ? O sr. ainda espera muitas surpresas nesta eleição?
MAILSON ? Vamos ter outro momento crucial nas duas últimas semanas, porque 20% dos eleitores decidem o voto nas duas últimas semanas. Além disso, há milhões de indecisos e, com dois novos debates, um com Sílvio Santos e outro na Globo, alguém poderá acabar escorregando.

DINHEIRO ? Como será a economia do próximo presidente?
MAILSON ? Nenhum candidato terá condições de cumprir suas promessas. Não teremos um presidente realizador. Ele só pode administrar 5% dos recursos da União. Os gastos com salários dos funcionários e aposentados estão amarrados. As despesas com juros, que representarão uns R$ 80 bilhões, são pouco flexíveis. Somando tudo, logo se chega à carga fiscal de 34% do PIB. O gasto público no Brasil é muito alto, mas é praticamente todo vinculado. Não é uma questão de ter ou não vontade política para inverter as prioridades.

DINHEIRO ? O sr. não está sendo conformista?
MAILSON ? Não. No ano que vem, é possível chegar a dezembro com os juros a 14% ou 15%. Deve haver um crescimento entre 3% e 3,5%. É possível crescer porque há forças que deram nova dinâmica à economia. Houve muita melhoria em transportes e telecomunicações. A indústria continua se modernizando. Essa força criadora surgiu no mundo empresarial, impulsionada pela abertura comercial e pela privatização.

DINHEIRO ? Mas muitas reformas, como a tributária e a previdenciária, não foram feitas. Eles não podem acelerar o crescimento?
MAILSON ? Nenhum dos candidatos fará a reforma tributária dos sonhos. Muito menos essa maluquice do Ciro de unificar todos os impostos em apenas cinco, concentrados na União, esquecendo-se dos Estados e municípios. A previdência, de fato, é um problema gravíssimo e o primeiro que despertou para isso foi o Lula. Mas os efeitos de uma reforma não aparecem logo. É equivocado o diagnóstico que aponta o fato de o Brasil não crescer como um erro de política econômica.

DINHEIRO ? Mas o Brasil cresceu apenas 0,15% no primeiro semestre. Não houve erros?
MAILSON ? Não adianta esperar que, resolvendo o problema do déficit externo, como todos os candidatos estão dizendo, o crescimento virá como num toque de mágica. O próximo presidente tem como principal tarefa mobilizar a sociedade para o grande esforço de resolver de vez o problema fiscal do Brasil. Esse problema foi subestimado nos primeiros anos do Plano Real, quando havia crédito externo abundante. Agora, com a escassez de dinheiro externo, a gravidade do problema fiscal voltou a aflorar.

DINHEIRO ? Alguns analistas falam até em risco de moratória da dívida interna…
MAILSON ? Esse é um risco muito pequeno. No Brasil, a dívida está em poder de investidores nacionais. Há um mercado cativo para os papéis do governo. O que se poderia dizer é que, se nada mais fosse feito, talvez isso viesse acontecer. Mas só em oito ou dez anos. O Brasil fez várias reformas institucionais importantes, que reforçaram a solidez da economia. Um exemplo é a Lei de Responsabilidade Fiscal. Outro é a autonomia operacional do Banco Central, que existe na prática, mas muitos ainda não percebem isso.

DINHEIRO ? Então a independência do BC já existe?
MAILSON ? Se houvesse uma lei, seria melhor. Mas o fato é que as decisões de política monetária já são tomadas de forma técnica e independente do arbítrio do Poder Executivo.

DINHEIRO ? Se as instituições já avançaram, por que se fala tanto em manter o Armínio Fraga à frente do BC, numa espécie de culto à personalidade?
MAILSON ? O Armínio Fraga foi um achado, mas seria possível encontrar outras pessoas também competentes. O fato é que sua permanência transmitiria mais segurança ao mercado, que ainda não percebe adequadamente como funciona, na prática, a autonomia do BC. Penso até que qualquer presidenciável só teria a ganhar se anunciasse logo que manteria o Armínio. O efeito seria simbólico. Vejam o caso dos Estados Unidos. O Alan Greenspan, o presidente do Federal Reserve, já serviu tanto aos democratas quanto aos republicanos. Ninguém questiona a sua competência e ele já está no seu quarto mandato.

DINHEIRO ? Muitos o acusam de traçar apenas cenários governistas. Por que isso acontece?
MAILSON ? Na verdade, sou um otimista em relação ao Brasil. Alguns amigos me perguntam se eu não seria apenas um pessimista mal informado. E eu digo que o processo de reconstrução do Brasil hoje é muito mais sólido do que foi no passado, porque vem de baixo para cima. Não é mais conduzido pelo Estado, mas sim pela sociedade. É mais lento, mas é também mais consistente.