10/07/2025 - 7:26
Conservadores americanos criticam o que consideram versão “woke” do icônico super-herói. Crítico de Trump, diretor James Gunn afirma que filme foca na bondade humana.No aguardado novo filme Superman, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (10/07) e é estrelado por David Corenswet no papel-título, o “homem de aço” aparece logo de início ensanguentado e ferido, em um deserto ártico.
“Temos um Superman agredido no início. Esse é o nosso país”, disse o diretor americano James Gunn em um evento para a imprensa após o lançamento do primeiro trailer do filme. Ele explicou que este Superman simboliza que os Estados Unidos, mesmo em estado deplorável, ainda apoiam o bem.
O Superman é frequentemente considerado o arquétipo do super-herói americano, personificando ideais de verdade e justiça, bem como o sonho americano. No entanto, no novo filme, Gunn decidiu se concentrar na “moralidade universal” ao invés do excepcionalismo americano. Em vez de ser um herói nacional, o Superman visa proteger e salvar os fracos ao redor do mundo “mesmo que isso o coloque em apuros”, observou o diretor.
“Sim, é sobre política”, disse Gunn ao jornal britânico The Times, antes de acrescentar que também é “sobre a bondade humana”. “Obviamente, haverá idiotas por aí que simplesmente não são bondosos e considerarão isso ofensivo apenas porque é sobre a bondade”, disse ele. “Mas eles que se danem.”
Suas declarações deixaram comentaristas políticos de direita preocupados com a possibilidade de Gunn, que também dirigiu Guardiões da Galáxia, ter transformado o icônico super-herói em uma figura “woke”, ou seja, alguém com uma conscientização elevada sobre discriminação racista e sexista, desigualdade social e temas semelhantes. Eles até pediram um boicote ao filme.
Da mesma forma, a apresentadora da emissora conservadora Fox News, Kellyanne Conway, se queixou do filme no talk show The Five. “Não vamos ao cinema para ouvir sermões e para que alguém nos imponha sua ideologia. Me pergunto se [o filme] vai fazer sucesso.”
Marvel X DC e as guerras culturais
Filmes de super-heróis de grande sucesso geralmente evitam exibir abertamente qualquer coisa que os rotule como conservadores ou liberais. No entanto, uma teoria popular entre os fãs de super-heróis é que os universos cinematográficos das duas maiores editoras de quadrinhos americanas, a DC e a Marvel Comics, estão polarizados ao longo das linhas ideológicas que definem uma era de guerras culturais.
O universo DC – que inclui Superman e Batman – é considerado mais conservador e autoritário, com seus super-heróis retratados como os protetores supremos da ordem. Como extensões da lei, eles agem acima das pessoas comuns sem serem responsabilizados.
“Não há nenhum senso de participação democrática no mundo do Batman”, observou o crítico de cinema A.O. Scott no podcast de 2025 X Man: The Elon Musk Origin Story (“X-Man: A História da origem de Elon Musk”, em tradução livre).
Ao mesmo tempo, o mesmo podcast expõe a teoria de Scott de que os heróis dos filmes do Universo Marvel – Homem de Ferro, Capitão América, Homem-Formiga e os demais Vingadores – “são uma equipe de benfeitores: os filmes representam a visão de mundo de [Barack] Obama e [Joe] Biden”.
Gunn, um crítico ferrenho de Trump
Como roteirista e diretor dos filmes da franquia Guardiões da Galáxia, James Gunn costumava pertencer à equipe da Marvel. Ele também fez inimigos no movimento “Make America Great Again” (Maga) como um crítico ferrenho do presidente Donald Trump.
Em 2017, ele compartilhou suas opiniões em várias postagens na rede social X. “Nos meus anos de redes sociais, nunca me manifestei politicamente”, escreveu Gunn. “Mas estamos em uma crise nacional com um presidente incompetente forjando um ataque total aos fatos e ao jornalismo no estilo de [Adolf] Hitler e [Vladimir] Putin.”
O portal de notícias de extrema direita Daily Caller desenterrou postagens consideradas ofensivas de Gunn de quase uma década antes. Usuários das redes sociais pediram à Disney, dona da Marvel, que dispensasse o cineasta.
Gunn foi retirado do terceiro filme dos Guardiões da Galáxia, mas acabou sendo reintegrado após um pedido público de desculpas e de conversas com os chefes dos estúdios Disney.
Ele, porém, acabou migrando para o time rival no mundo dos quadrinhos, tornando-se copresidente da DC Studios em 2022. Gunn é o criador-chefe do Universo DC, que foi reiniciado em 2024 com uma série de filmes novos, incluindo Superman.
Um “alienígena não documentado”
O Superman apareceu pela primeira vez na primeira edição da revista Action Comics, publicada em 1938. A história original do homem de aço não foi criada por Gunn para provocar o público “anti-woke”, mas sim pelos imigrantes judeus de segunda geração, Jerry Siegel e Joe Shuster, que inventaram um super-herói que defendia os mais fracos em resposta à ascensão de do líder nazista Adolf Hitler e ao antissemitismo na Europa.
Nascido como Kal-El no planeta Kripton, os pais biológicos do bebê Superman conseguem enviá-lo para a Terra antes de morrerem em meio à destruição de seu planeta. A família que acolhe o órfão o registra fraudulentamente como seu filho biológico, Clark Kent, para encobrir o fato de que a criança é literalmente um alienígena não documentado.
Esse aspecto da biografia do super-herói foi reiterado em 2018, quando o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) publicou o livro Superman também foi um refugiado.
Um ano antes, Superman protegeu um grupo de imigrantes sem documentos de um supremacista branco armado na edição nº 987 da Action Comics, que foi lançada após Trump anunciar o fim da política de Ação Diferida para Chegadas na Infância (Daca, na sigla em inglês). O programa permitiu que centenas de milhares de imigrantes trazidos para os EUA ainda crianças vivessem e trabalhassem no país sem medo de deportação.
O atual governo Trump vem intensificando sua repressão à imigração, aumentando as preocupações sobre o estado da democracia dos EUA e aprofundando as divisões no país.