06/02/2024 - 14:47
As escavações para a construção da Linha 6-Laranja do Metrô já encontraram milhares de itens arqueológicos da história de São Paulo. Alguns dos mais novos, encontrados no início deste mês, após a chegada do “tatuzão” à futura Estação PUC-Cardoso de Almeida, são de uma estrutura que pertenceria à primeira rede de esgoto e drenagem do bairro do Pacaembu, fundado em 1925 pela Cia. City, empresa que construiu diversos bairros de São Paulo.
Os achados estão em um relatório ao qual o Estadão teve acesso, de 2 de fevereiro, da A Lasca Arqueologia, empresa contratada pela concessionária da Linha 6, a Linha Uni, ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O bairro do Pacaembu é tombado pelo patrimônio histórico do Estado.
“A estrutura compreende um bueiro conectado à galeria de drenagem, exposto por ocasião de escavações no terreno que atingiram três metros de profundidade. Após a exposição, as atividades de obra no local foram suspensas para avaliação por parte da equipe de arqueologia”, diz o relatório.
“A tampa do bueiro contém a marca da Cia. City, empresa que foi responsável pelo loteamento do bairro Pacaembu. Trata-se, portanto, de estrutura relacionada à urbanização do bairro, que ocorreu na primeira metade do século XX”, continua o texto. No ano em que foi criado o bairro, ainda não existia a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), por isso a instalação de infraestrutura ficou a cargo da City.
O terreno fica na esquina entre as Ruas Itatiara e Armando A. Penteado, próximo ao Estádio do Pacaembu e a futura Estação FAAP-Pacaembu da Linha 6-Laranja.
Segundo a A Lasca Arqueologia, há água corrente na galeria de drenagem. A empresa diz, também no relatório, que realizou uma cobertura provisória do local, para protegê-lo de chuvas, e aguarda a análise da equipe do Iphan sobre os objetos arqueológicos.
Procurada pelo Estadão, a Linha Uni disse que “os estudos arqueológicos realizados nos canteiros de obra da Linha 6-Laranja seguem a orientação do IPHAN, órgão gestor do patrimônio arqueológico nacional. O conteúdo dessas pesquisas vem sendo compartilhado através do Programa de Educação Patrimonial, a fim de que a pesquisa cumpra a sua função social”.
A Linha 6-Laranja irá ligar a zona norte e o centro paulistano, da futura Estação Brasilândia até a São Joaquim, que hoje opera exclusivamente pela Linha 1-Azul. Após anos de obras paradas, os trabalhos arqueológicos foram retomados em 2021. Antes disso, em 2015 e 2016, já haviam sido identificados sítios na Freguesia do Ó, na zona norte, e Água Branca, oeste.
Ao menos 12 sítios arqueológicos foram identificados e registrados. Entre os principais, estão o Saracura Vai-Vai – com possíveis resquícios do antigo Quilombo Saracura – e o Lavapés, na Liberdade. Trilhos de bonde, louças, vidros e estruturas construtivas estão entre os itens que testemunham a industrialização e urbanização da capital paulista.
No final do ano passado, os relatórios da A Lasca Arqueologia documentaram, também, a descoberta de uma tubulação que possivelmente faz parte da galeria do córrego Saracura Grande, no Bixiga, onde está prevista a Estadão 14 Bis. O item arqueológico diz respeito ao processo de canalização do córrego.
Companhia City e a história do Pacaembu e de São Paulo
O bairro do Pacaembu fica na zona oeste de São Paulo, no Vale do Ribeirão Pacaembu, entre as altas encostas onde estão os vizinhos Higienópolis e Perdizes.
De acordo com o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), sua implantação se deu a partir de 1925, quando a Companhia City começou a urbanizar uma região de 998.130 m², fazendo o arruamento, traçando os lotes e colocando-os à venda.
Uma das empresas mais tradicionais do ramo imobiliário, a City foi responsável pela construção de vários bairros de São Paulo, como os bairros-jardins da zona norte e o Jardim América, na zona oeste.
Segundo uma publicação do Jornal da USP sobre o papel da empresa no projeto urbanístico da cidade, a City executou “difíceis projetos de transformação do solo e inaugurando conceitos urbanísticos até então inéditos no Brasil”. A Sabesp só foi criada, por exemplo, em 1975.
Na década de 1930, com a construção do Estádio do Pacaembu pela Prefeitura de São Paulo, o bairro do Pacaembu começou a atrair mais pessoas e, em 1941, a City adquiriu mais 400.000 m² da Santa Casa de Misericórdia.
“A primeira medida foi drenar os terrenos inundáveis e canalizar o ribeirão onde está assentada a larga e arborizada Avenida Pacaembu. Foram executados também trabalhos de terraplenagem com cortes e aterros para amenizar a declividade das encostas do vale”, diz o Condephaat.
Por conta da sua relação forte com a história da cidade, o bairro foi tombado em 1991. “O tombamento abrange o atual traçado urbano, a vegetação arbórea, o padrão de ocupação do lote e o belvedere público localizado na Rua Inocêncio Unhate”, informa o Condephaat./COLABOROU PRISCILA MENGUE