Com a aprovação do fim das coligações para 2020 e de cláusula de desempenho para limitar o acesso dos partidos ao Fundo Partidário e ao tempo de rádio e TV, o Congresso Nacional sacramenta nesta semana um marco na legislação eleitoral brasileira: o número de reformas políticas vai se igualar à quantidade de eleições realizadas no País em quase três décadas.

Enquanto o número de eleições diretas chegará a 15 em 2018, a quantidade de alterações na Lei Geral das Eleições, de 1997, e na Lei dos Partidos Políticos, de 1995, deve também chegar a 15 até o próximo dia 7, o que representa a média de uma lei diferente para cada eleição desde a promulgação da Constituição, em 1988.

Além do fim das coligações e a cláusula de desempenho, os parlamentares devem aprovar ainda um fundo público bilionário para financiamento de campanha. Até o dia 7, prazo limite para que as alterações sejam feitas a ponto de serem validadas para as próximas eleições presidenciais, as mudanças devem ser editadas em uma lei e enviadas para sanção do Palácio do Planalto.

Para o professor da Faculdade de Direito do Mackenzie Diogo Rais, especialista em Direito Eleitoral, o Brasil vive um “estado latente de reformas eleitorais”, em que mudanças são discutidas e realizadas constantemente, mas de forma fragmentada, sem existir necessariamente coesão entre as alterações feitas ao longo do tempo.

Pela Constituição, qualquer mudança nas regras deve ser feita até um ano antes do pleito, obedecendo ao chamado princípio da anualidade. “Isso criou, na verdade, uma espécie de limitador. O País discute por pouco tempo essa legislação nova e percebemos pouca continuidade desse trabalho de mudanças”, afirma o especialista.

O jurista aponta que o cenário acaba gerando insegurança jurídica para as eleições. “A cada momento as regras são modificadas e isso acaba dando um tom casuístico às reformas eleitorais”, diz.

Diogo Rais aponta que a reforma feita em 2015 foi uma das que mais transformou o jogo eleitoral nos últimos anos. Após o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir as doações de empresas a candidatos, estancando a principal fonte de recursos para as eleições, o Congresso fez uma reforma que diminuiu o tempo oficial de campanha de 90 para 45 dias, além da redução na duração dos programas eleitorais no rádio e na TV.

Período

Além do elevado número de alterações na lei feitas no Brasil, o aquecimento do debate sobre reforma política no ano anterior às eleições não é novidade, indicam especialistas. Conforme estudo do cientista político Bruno Speck feito na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como as votações no Brasil ocorrem a cada dois anos, o comportamento do Congresso tem sido dedicar os períodos em que não há eleição para discutir mudanças na regra do jogo, geralmente mirando os efeitos para o pleito imediatamente seguinte.

“Observando 25 anos de discussão sobre a reforma política, chegamos à conclusão de que o tempo hábil para discutir e aprovar as reformas ocorre nos primeiros semestres dos anos não eleitorais”, diz o especialista.

A articulação de “minirreformas eleitorais” no período entre eleições pode ser observada tanto nas últimas eleições como em períodos mais distantes. Em 2016, as eleições municipais ocorreram com duas reformas: uma lei aprovada em 2015 que reduziu o tempo de campanha e o prazo mínimo de filiação partidária, e outra feita pelo Congresso em 2013, alterando as datas do calendário eleitoral e mudando regras na lei dos partidos políticos. Além disso, a eleição foi o primeiro “teste” da proibição das doações privadas.

Outro exemplo de reforma feita em ano não eleitoral para ser executada na eleição seguinte foi a introdução da reeleição para cargos do Executivo no País, feita por meio de emenda apresenta em comissão especial, discutida e aprovada no período de seis meses, entre novembro 1996 e junho 1997.

A mudança permitiu a adoção do modelo na eleição presidencial de 1998, que reelegeu o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). De acordo com o professor Speck, a atenção dos legisladores ao longo do tempo, via de regra, é voltada mais para o futuro próximo e menos para problemas distantes. “Passada esta data de setembro do ano não eleitoral, os representantes se dedicam a outros assuntos mais prementes”, afirma.

Judicialização

O Judiciário também enveredou-se em promover mudanças eleitorais ao longo desse período. Algumas das reformas políticas feitas pelos parlamentares foram anuladas pelo STF, fazendo com que nem todas as mudanças legislativas chagassem a ser aplicadas.

Um dos casos mais emblemáticos é a decisão do Supremo que impediu a adoção de uma cláusula de barreira em 2006. Instituída por lei em 1995 para valer a partir de 2007, a regra estabelecia o mínimo de 5% dos votos válidos para deputado federal no País e 2% em pelo menos nove estados para os partidos terem acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de propaganda no rádio e na TV.

O patamar era mais alto do que a proposta aprovada nesta semana no Congresso Nacional, que determina o mínimo de 1,5% dos votos válidos em 2018 e 3% a partir de 2030.

Diante do número elevado de reformas eleitorais ao longo do tempo, o professor Diogo Rais afirma que seria necessário os parlamentares eleitos em 2018 começarem a discutir uma reforma mais ampla e menos imediatista. “Precisamos pensar em uma reforma inteira com propósito democráticos, não em tão pouco tempo. A alternativa seria a próxima legislativa passar a discutir com mais cuidado e pensar em outra reforma político-eleitoral com uma ideia de perenidade”, afirmou.