DINHEIRO ? O Banco Central acaba de anunciar mais uma redução do compulsório, de 55% para 45% dos depósitos bancários. A que percentual o sr. pretende chegar?
FRAGA ?
Nós reduzimos o compulsório dos depósitos a prazo para zero e o dos depósitos a vista caiu de 65%, lá atrás, para os 45% agora. O melhor é que desde que começamos este processo, em novembro de 1999, observamos uma queda no spread bancário. Ele caiu 52% para um número preliminar em maio abaixo de 40%. É bom lembrar que o spread chegou a um pico de 68%, dois anos atrás. A trajetória e boa, sabemos onde queremos chegar e temos aproveitado as oportunidades.

DINHEIRO ? Fala-se que o compulsório pode ficar entre 15% e 25% dos depósitos…
FRAGA ?
É isso.

DINHEIRO ? Quem garante que essa liberação do crédito vai chegar ao tomador final?
FRAGA ?
O que garante que esse desconto vai ser repassado ao consumidor é a competição. A lógica desse processo é dar mais margem e trabalhar com a concorrência, para que essa margem seja transferida ao consumidor. Até agora, todos os sinais que temos é de que isso está acontecendo.

DINHEIRO ? O sr. acredita que a economia vá crescer 4% do PIB este ano?
FRAGA ?
A minha expectativa quatro ou cinco meses atrás era de um crescimento superior a 4%. Em função do que tem acontecido no ambiente internacional ? taxa de juros subindo muito, o petróleo dobrou, problemas na América do Sul ? o que eu achava que era tranqüilamente superior a 4%, agora acho que está razoável em 4%. Apesar desse vento contra fortíssimo que estamos pegando, este cenário ainda é razoável.

DINHEIRO ? Onde o vento contra está nos pegando?
FRAGA ?
No caso do petróleo, é um problema de oferta. A elevação de preços traz custos para a sociedade, para o consumidor, reduzindo o nível de renda, aumentando custos. No caso do juros, afeta os canais financeiros tradicionais, exerce influência em nosso prêmio de risco. Também atinge o câmbio, que tem impacto na inflação. Enfim, é um conjunto. Apesar disso, as coisas, na minha avaliação, estão bem posicionadas. Pegamos essa turbulência toda, mas estamos investindo na direção certa. Nos preparamos para a festa, choveu um pouco no dia, mas é assim mesmo.

DINHEIRO ? Como o sr. vê o estudo do BIS divulgado esta semana sobre a vulnerabilidade dos países emergentes?
FRAGA ?
O BIS falou do déficit em conta corrente. O nosso está em torno de US$ 23 bilhões, mas chegou a US$ 34. Diminuiu bastante e hoje tem cobertura total do investimento direto. Claro que vai ter um ciclo, que isso vai diminuir, mas eu não creio que o Brasil hoje tenha, num horizonte de curto prazo, sequer de médio prazo, perspectiva de uma grande queda no investimento direto. Não vejo isso.

DINHEIRO ? Mas há o problema da fragilidade externa…
FRAGA ?
Que fragilidade?

DINHEIRO ? O passivo de US$ 23 bilhões e a necessidade…
FRAGA ?
Me desculpe, mas é aí que eu volto ao ponto anterior: por que estamos hoje no meio dessa tormenta, mas seguindo firme na direção desejada? Porque a questão fiscal foi corrigida. O maior fator de vulnerabilidade não é o fato de você estar absorvendo a poupança externa, é a forma como você absorve essa poupança externa. E a absorção no Brasil está sendo feita da maneira correta, que contribui para o desenvolvimento do País. Não é um dinheiro de curto prazo financiando consumo.

DINHEIRO ? Por que, então, nós ainda temos a maior taxa de juros do mundo? Não é por causa da vulnerabilidade à turbulência externa?
FRAGA ?
Você tem que ver de onde nós viemos. O Brasil saiu de uma taxa de juros real de vinte e tantos por cento e hoje está com uma taxa em torno de 10%. Você tem de olhar a trajetória. Não tenho a menor dúvida que temos o problema de credibilidade, que está diretamente ligado à nossa história recente. Isso é ponto pacífico. Mas se você pensar nas variáveis fundamentais que determinam este resultado, elas estão sendo corrigidas. Me parece que hoje é uma questão de persistirmos nesse caminho.

DINHEIRO ? Mas não é possível que se faça toda a lição de casa, que tenha indicadores perfeitos, mas aconteça alguma coisa com os juros americanos e todo esforço vá por água abaixo?
FRAGA ?
Isso já aconteceu. Já vivemos isso no início deste ano, de fevereiro para cá. ,Pode piorar? É claro, você sempre pode imaginar um cenário pior, mas este é bastante ruim. Estou tentando demonstrar com dados que a nossa economia continua seguindo numa trajetória positiva, de crescimento, emprego, investimento, exportações. Esse arcabouço econômico vai nos dar uma trajetória de juros real decrescente.

DINHEIRO ? Vários economistas acreditam que o juro não vai cair, por causa do modelo de financiamento externo.
FRAGA ?
Eu já fiz um exercício com analistas competentes, perguntando o seguinte: imagine você num país com as características que acabei de descrever. Qual é o prêmio de risco que esse país paga? Certamente é um prêmio de risco menor do que o nosso. A pergunta é por quê? Porque é um momento de transição, de se acumular credibilidade. É um processo gradual, mas que está acontecendo.

DINHEIRO ? Um dos fatores fundamentais da credibilidade é o superávit primário, e ele está custando um sacrifício bárbaro do ponto de vista do serviço público.
FRAGA ?
Comparado com o quê? Qual a alternativa?

DINHEIRO ? O próprio presidente disse na semana passada que esse esforço de ajuste não pode ser mantido indefinidamente.
FRAGA ?
Veja bem, acho que não podemos cair na ilusão de que dá para tirar coelho da cartola, recursos do nada. É aquela velha regra da finitude do PIB. A longo prazo, à medida em que o País adquira credibilidade, não será necessário esperar um superávit primário de 3% do PIB. É só fazer contas. Para manter a estrutura de dívida em dia, não é preciso manter um superávit primário do tamanho do nosso. De certa forma, pagamos os pecados daquilo que ocorreu na década de 80 e no início da década de 90. Não dá para apagar essa história com a borracha.

DINHEIRO ? O economista Guido Mantega escreveu outro dia que se a taxa de juros caísse para 15%, serim liberados US$ 10 bilhões para dar um desafogo na área social.
FRAGA ?
Veja bem, o nosso País é carente, isso é indiscutível. O que não podemos é cair na ilusão de que existe uma solução fácil. Não existe. Nós não estamos aqui para tomar um pilequinho e depois ficar amargando a ressaca que foi essa fase difícil da hiperinflação. Se nós achássemos que, de forma responsável, dava para reduzir o juro, nós já teríamos feito. E não hesitaremos em fazê-lo quando as circunstâncias permitirem. É o que acredito que vá acontecer.

DINHEIRO ? O sr. tem a percepção de quanto custa o conservadorismo do Copom?
FRAGA ?
Acho que não custa nada. Não acredito neste conceito. O que custa é fazer uma maluquice e voltar ao passado. Não chamaria de conservadorismo, chamaria de uma política responsável que olha dois palmos além do nariz.

DINHEIRO ? O sr. mesmo já disse que a questão macroeconômica está resolvida, que temos as bases e agora vamos ao segundo round. Vai durar até quando essa cautela?
FRAGA ?
É preciso ter consciência do momento que estamos vivendo. Eu não controlo o que está acontecendo com o preço do petróleo, o que está acontecendo com a taxa de juros americanos, o que está acontecendo na região, com as nossas exportações. E assim mesmo estamos conseguindo crescer, e mantendo a inflação onde a sociedade quer. Isso é unânime no Brasil, ninguém quer voltar à lambança.. Nós estamos sempre procurando acertar num ambiente de incerteza, olhando para as metas da inflação. Esse é o nosso mandato.

DINHEIRO ? O ex-secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, nos disse que a experiência dele no governo sugere que não há política monetária sem risco. Ele acha que está na hora de correr risco e baixar o juros.
FRAGA ?
Mas depois, na mesma entrevista, ele diz que nessa última reunião ele achava que não se deveria ter baixado os juros… Não tenho a menor dúvida que as decisões que tomamos aqui têm que nos expor a algum risco de reversão da trajetória de juros. Nessas últimas semanas, muitos economistas de peso defenderam a manutenção, ou até o aumento dos juros. E muitos defenderam uma redução. É assim mesmo.

DINHEIRO ? Quando se vai começar a sentir a concorrência dos bancos estrangeiros nas taxas de juros?
FRAGA ?
Desculpe, mas não sei como alguém ainda pode dizer isso. Há dois anos o spread bancário estava a 68%.

DINHEIRO ? Mas aí entram outras coisas. Os próprios bancos admitem que a concorrência ainda não chegou….
FRAGA ?
Depende um pouco do produto. No financiamento das compras de automóveis, vi outro dia, indo para casa, um cartaz dizendo: compre seu carro e pague 1,8% ao mês. A queda dos juros está acontecendo, mas não vai acontecer da noite para o dia. A reforma tributária é muito importante.

DINHEIRO ? Mas o governo não quer realmente fazer essa reforma.
FRAGA ?
Não é verdade. O presidente tem dado declarações límpidas sobre esse tema e, hoje, cinco de seus principais ministros deram uma entrevista coletiva em que deixavam muito claro que o governo quer a reforma tributária, quer um sistema mais eficiente, quer a desoneração da exportação, do investimento. É razoável.

DINHEIRO ? Mas o acordo com o FMI traz a necessidade do superávit primário, que necessita da receita tributária.
FRAGA ?
Esqueça essa história de acordo com o FMI. Esta foi uma decisão nossa. Nós estávamos afundando, o País estava na direção da bancarrota, decidimos antes da reeleição do presidente, antes do acordo com o FMI, virar e caminhar em direção à sobrevivência e pavimentando caminho para o crescimento. O acordo com o FMI foi um acordo que nos ajudou a superar a crise com o menor custo possível, porque nos deu apoio financeiro num momento em que não existia dinheiro no mercado.

DINHEIRO ? O País tem um Plano B caso a turbulência internacional aumente?
FRAGA ?
O plano é continuar com políticas lógicas, transparentes, creio que estamos preparados. A minha visão nessa área é a de se preparar para o pior e torcer pelo melhor. O que significa que se vier o pior nosso desempenho será melhor do que o esperado.

DINHEIRO ? Qual a sua intuição?
FRAGA ?
A minha intuição é que essa fase de turbulência não acabou ainda, mas que não estamos muito longe de uma definição. Eu trabalho com as médias das expectativas do mercado, a síntese de milhões de pessoas trabalhando. É o melhor que dá para fazer.

DINHEIRO ? A política de metas inflacionárias não foi abandonada em benefício do cenário externo? Se dependesse apenas da inflação os juros já deveriam estar mais baixos.
FRAGA ?
Você não pode olhar pelo espelho retrovisor. Temos de olhar para frente, sempre. As atas do Copom são muito claras: estamos preocupados com a trajetória futura da inflação. Se em algum momento surge uma preocupação, como surgiu nas últimas duas reuniões, isso tem que ser refletido nas nossas decisões. Pode ter certeza que estamos olhando para a inflação. Tire uma foto minha agora para o leitor ver a minha convicção.

DINHEIRO ? Não seria mais justo ter na mesa do Copom alguém da indústria e dos sindicatos?
FRAGA ?
Temos a preocupação de ouvir, de acompanhar. Temos feitos esforços no sentido de acompanhar vários setores da sociedade para ter as informações. Diria que a vantagem do Copom está justamente em despolitizar, tirar de setores uma discussão que tem que ser voltada para o bem-estar do País, no horizonte de médio e longo prazo.

DINHEIRO ? Mas por sua composição o Copom não é muito orientado para a lógica do mercado financeiro?
FRAGA ?
Não tem ninguém em outros setores, isso é verdade. Mas se você pensar, não se pode dar ao Copom o objetivo de proteger um certo setor.

DINHEIRO ? Sobre a questão do indiciamento do caso Marka e a prisão do Cacciola…
FRAGA ?
Não tenho o que comentar sobre isso. Não quero me precipitar. Creio que a Justiça saberá avaliar os fatos, a situação e tomar suas decisões.

DINHEIRO ? E a Tereza Grossi, que é de sua equipe e também foi indiciada?
FRAGA ?
Tereza Grossi é uma pessoa que merece a nossa confiança e tem mostrado no dia-a-dia por que brigamos tanto para ela vir para cá. Tenho certeza que vai sair disso muito bem. Tenho confiança que a Justiça saberá avaliar a situação. Ela tem minha total confiança.

DINHEIRO ? O sr. não tem medo de que lhe aconteça algo como aconteceu com o Chico Lopes? Ele ficou aqui duas semanas e vai passar muito tempo se arrependendo.
FRAGA ?
Há um momento de incerteza e dúvida com relação à lógica desse processo como um todo e acho que é parte da função se expor a esse tipo de crítica. Procuro trabalhar junto com a minha diretoria e equipe, sempre obedecendo a dois critérios fundamentais: da ética e da legalidade. É a única forma que temos de não ficar pensando nesse tipo de coisa. Pode acontecer um mal-entendido? Pode, mas se nós nos pautarmos pela ética e legalidade, qualquer mal-entendido será resolvido pela Justiça.