05/03/2010 - 1:46
O ano de 2009 representa um marco na história centenária da Fiat. Pela primeira vez em 111 anos, uma operação estrangeira superou o desempenho da matriz italiana. A responsável pela façanha foi a Fiat do Brasil, que vendeu no ano passado 740 mil carros no País, ante os 722 mil automóveis emplacados na Itália. Além do ineditismo, o feito está carregado de simbolismos.
Apesar do aumento da importância do mercado brasileiro no cenário global, até agora nenhuma outra montadora do mundo dependia tanto do desempenho do Brasil para alavancar sua performance planeta afora. A filial brasileira da Volkswagen é menor do que as unidades da Alemanha e da China. Na General Motors, os números da sede americana são quatro vezes maiores que os da subsidiária da GM baseada em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. No caso da Fiat, há também o peso financeiro em jogo.
Em 2009, o Grupo Fiat teve no mundo prejuízo de 849 milhões de euros e suas dívidas totalizaram 4,4 bilhões de euros. No Brasil, o cenário é oposto. De acordo com dados divulgados pela Fiat na quinta-feira 4, a divisão de automóveis da empresa lucrou no País, em 2009, R$ 1,6 bilhão ? é o quinto ano consecutivo de balanço fechado no azul. Melhor ainda: a Fiat não tem dívidas no País e, ao contrário do que acontece na Itália, o Grupo pretende reforçar o ritmo de investimentos.
“Hoje o Brasil é um dos lugares mais seguros para se investir” Sergio Marchionne, CEO global do grupo FIAT
?O Brasil consolidou uma posição de relevância no cenário global?, disse à DINHEIRO Cledorvino Belini, presidente da Fiat no Brasil. ?Hoje, o País é um dos poucos mercados do mundo, ao lado da China, que mantêm um crescimento vigoroso.? Em visita ao Brasil na semana passada, o presidente mundial da Fiat, Sergio Marchionne, foi só elogios. ?O Brasil é atualmente um dos lugares mais seguros para se investir?, afirmou.
Instalada no Brasil desde 1976, a divisão de automóveis da Fiat é líder do mercado brasileiro há seis anos. Em 2009, sua participação nas vendas de automóveis e comerciais leves (segmento que inclui picapes e furgões) chegou a 24,5%, à frente de Volkswagen e General Motors. Afinal, o que explica a predominância dos italianos no País? Há diversos motivos para a liderança conquistada no ano passado pela operação brasileira em relação a todas as unidades espalhadas pelo mundo.
Cledorvino Belini, presidente no Brasil
Em primeiro lugar, é inevitável apontar a crise na Europa, que abateu o setor como um todo e aumentou a dependência de todas as montadoras de outros mercados emergentes. No caso da Fiat, o problema é que a empresa não tem força em países considerados até pouco tempo atrás irrelevantes no panorama global e hoje reconhecidos como os motores do crescimento do setor. A Fiat tem uma presença pífia na China, onde vende por ano menos de 100 mil unidades, uma ninharia perto do potencial do mercado local.
Na Índia, suas vendas são irrisórias. Resta, entre os emergentes, o Brasil, que responde por quase 90% de todas os carros comercializados pela marca no continente americano. Para piorar, a empresa também é frágil nos países economicamente mais fortes.
Nos Estados Unidos, a Fiat até hoje é motivo de piada. Entre os americanos, é chamada de ?Fit It Again, Tony? (algo como ?conserte-o de novo?, Tony). Na Alemanha, a marca jamais conseguiu emplacar. Numa tentativa de conquistar o mercado alemão, dominado por grifes locais como BMW, Mercedes, Audi e Porsche, no auge da crise a Fiat tentou comprar a Opel, o braço germânico da GM. A operação, porém, fracassou.
No Brasil, a Fiat conseguiu nos últimos anos uma virada espetacular em sua imagem corporativa. Durante muito tempo, pelo menos nas décadas de 70, 80 e 90 do século passado, a marca foi sinônimo de fragilidade. Seu primeiro carro nacional, o Fiat 147, nunca alcançou o nível de reconhecimento que seu principal concorrente, o Fusca, obteve.
O Palio foi o primeiro modelo global da Fiat totalmente desenvolvido no Brasil, em 1996
O 147 era chamado de ?alegria dos mecânicos?, porque vivia quebrando. O Uno, até hoje vendido pela empresa sem grandes alterações em seu design, fez sucesso, mas jamais consolidou-se como um automóvel de mecânica confiável. Até quando tentou exibir alguma sofisticação, a empresa não foi bem-sucedida. Nos anos 90, trouxe para o Brasil o Tempra e o Tipo, ambos fiascos retumbantes. A transformação de sua imagem veio com o reforço em investimentos tecnológicos.
Em meados dos anos 90, a empresa decidiu que era hora de dar um choque de qualidade em seus produtos. Um exemplo prático, a mudança do sistema de suspensão de seus carros, revela o esforço da montadora em tornar os automóveis Fiat mais resistentes. Antes os veículos Fiat utilizavam os mesmos componentes dos modelos fabricados na matriz, concebidos de acordo com a realidade europeia.
A Fiat ficou conhecida por seus carros populares. Agora, aposta no Cinquecento para mudar sua imagem
Por isso, eram frágeis para os padrões brasileiros, onde as estradas e ruas são muito mais esburacadas. Graças à nova filosofia, os produtos passaram a utilizar componentes desenvolvidos no Brasil, mais fortes e duradouros. Hoje, a filial brasileira é referência em suspensões dentro do Grupo Fiat e os equipamentos desenvolvidos no País servem de base para os modelos vendidos no Exterior.
Outra tecnologia exportada para a matriz foi o sistema flex fuel. Lançado em meados dos anos 2000, o sistema é visto como de vanguarda na Europa e está pronto para ser introduzido nos novos modelos assim que o etanol se popularizar na região. ?A Fiat se destacou no mercado brasileiro devido à melhoria de seus produtos e à abertura de novos nichos de mercado?, diz Corrado Capellano, consultor da Creating Value.
Agora, o próximo passo é trazer veículos mais sofisticados. Um deles é o Cinquecento, importado da Itália e que custa em torno de R$ 70 mil. Na semana passada, o presidente mundial Sergio Marchionne afirmou que o grupo avalia a possibilidade de produzir no País automóvies da marca Chrysler, à qual se associou no ano passado.
A virada para a Fiat do Brasil foi consolidada a partir de 1996, quando a empresa lançou pela primeira vez um carro inteiramente desenvolvido por aqui, o Palio. Mesmo com o lançamento de um compacto melhor e mais moderno, não tirou do mercado seu outro modelo popular, o Uno, aumentando o leque de opções ao consumidor. A estratégia deu certo.
Em vez de canibalizar o Uno, como muitos imaginavam (a Volks, por exemplo, aposentou o Fusca depois da chegada do Gol), o Palio aumentou significativamente as vendas da montadora no País. Desde então, a empresa não parou de lançar tendências. A linha Adventure, composta por carros convencionais mas com espírito esportivo, é sucesso de vendas.
Com a iniciativa, a Fiat acabou sendo seguida pelas rivais, que colocaram na praça modelos como o Cross Fox, da Volkswagen, e o Fiesta Trail, da Ford, para ficar apenas em alguns exemplos. ?A grande força da Fiat é sua extensa linha de produtos?, diz André Beer, consultor especializado na indústria automobilística. Dos oito carros mais vendidos no Brasil, quatro são produzidos em Betim. Para Olivier Girard, da Trevisan Consultoria, a empresa é forte no País graças também a outras áreas de negócios. A Fiat é uma das líderes no setor de máquinas agrícolas, com a Case New Holland, e a Iveco, fabricante de caminhões, vem conquistando espaço no mercado.
Mercado aquecido pode fazer com que a Fiat passe a produzir modelos da Chrysler no Brasil
O presidente da Fiat no Brasil, Cledorvino Belini, teve um papel importante no crescimento da operação brasileira. Quando assumiu a empresa, em 2004, ela estava endividada e vinha de uma sequência de quedas em participação de mercado. Belini, um executivo conhecido por sua capacidade de motivar pessoas, promoveu algumas mudanças que se revelaram essenciais para os resultados positivos dos últimos anos. Paulistano da gema, é o principal responsável pela ?mineirização? da empresa.
Sob seu comando, a empresa eliminou uma antiga desvantagem logística. Antes, seus fornecedores estavam espalhados por vários Estados brasileiros, mas ele criou um programa que buscava atrair parceiros para perto da fábrica de Betim. Hoje, 70% de suas compras são feitas em Minas Gerais, índice que fez com que a empresa economizasse pelo menos US$ 200 em despesas com logística para cada veículo produzido em sua unidade mineira. O reconhecimento da performance de Belini virá em abril, quando ele assume a presidência da Anfavea.