Havia muita expectativa em relação à assembleia de acionistas da Berkshire Hathaway marcada para o último dia 2 de maio. Desde o início da crise, Warren Buffett ainda não havia se manifestado publicamente. Nenhuma opinião, nenhuma entrevista, nada. Mais do que isso, nenhum anúncio ou rumor de que a empresa estivesse usando seus mais de US$ 120 bilhões em caixa para comprar ativos em preços e condições vantajosas. Na crise de 2008, Buffett fez transações bastante lucrativas para os acionistas da Berkshire Hathaway, especialmente no setor financeiro.

Desta vez, nenhum movimento. Buffett havia declarado que deixaria todos os seus comentários para a assembleia de acionistas que, como tudo nos tempos de hoje, foi transmitida live pela internet. Tradicionalmente lotada para o evento da Berkshire Hathaway, a arena CHI Health Center, em Omaha, estava completamente vazia. Outro fato inédito: pela primeira vez, Buffett usou slides.

Nas entrelinhas do que foi um evento de mais de quatro horas de duração, consegui capturar duas mensagens principais. A primeira, extremamente inspiradora, foi o tema da apresentação: “Never bet against America”. Não importa a pedra que se encontre pelo caminho, ela será removida e ultrapassada. Do outro lado, certamente virá um tempo de extraordinário progresso e prosperidade. A segunda mensagem, bem menos inspiracional, foi muito mais prática e imediata: há uma pedra gigante no meio do caminho, pesada e difícil de ultrapassar.

Buffett fez um apanhado dos 231 anos de história dos Estados Unidos e das várias pedras que foram ultrapassadas: a guerra civil americana, a grande depressão dos anos 30, a Segunda Guerra Mundial, a crise dos mísseis em Cuba, o 11 de setembro, a crise financeira de 2008. Sua conclusão: “A mágica americana vai prevalecer novamente. Somos um país muito, muito jovem, mas o que conquistamos nesse tempo é milagroso”. Concordo plenamente. Conhecendo seu histórico, uma mensagem otimista era o que todos nós esperávamos do oráculo de Omaha.

Durante a apresentação, porém, Buffett deu bastante ênfase ao período que se seguiu após o crash de 1929. Grande contador de histórias que é, narrou que, à época do seu nascimento, em agosto de 1930, o índice Dow Jones já havia recuperado mais de 20% desde as mínimas do ano anterior. Não era aparente para os mercados, naquele momento, que os EUA estavam caminhando para uma depressão. O que se seguiu em menos de dois anos foi algo extraordinário. Nas palavras de Buffett: “Se alguém tivesse me dado mil dólares no dia do meu nascimento, e se eu os tivesse usado para comprar uma cesta de ações representativa da economia americana, em menos de dois anos eles teriam se transformado em 170 dólares.” A mensagem, entretanto, veio no slide seguinte: “Quem tivesse comprado ações no dia do meu nascimento só teria atingido o equilíbrio mais de 20 anos depois, em abril de 1951.”

Não é por acaso que Buffett decidiu dedicar tempo para contar essa crônica. O momento atual oferece muitas semelhanças em relação à crise de 29, com desemprego e perda de renda e riqueza sem precedentes. Há, no entanto, muitas diferenças: um Federal Reserve atuante, políticas fiscais expansionistas e um sistema financeiro capitalizado e protegido, entre outras.

Não acredito, portanto, que o aviso que Buffett quis dar é de que teremos necessariamente uma repetição do que aconteceu nos anos 1930. O recado é sobre o nível de incerteza: uma depressão econômica com uma recuperação bastante lenta não é o cenário base, mas não está fora do leque de possibilidades: “O intervalo de desfechos possíveis em relação à saúde pública diminuiu, mas o intervalo de desfechos possíveis em relação ao lado econômico continua completamente aberto.”

Essa observação, combinada com o fato de que a Berkshire Hathaway não comprou nenhum ativo nesses últimos meses – ao contrário, se desfez, com grande prejuízo, de todas as posições que tinha nas principais companhias aéreas americanas – e somada à estratégia de seguir mantendo uma posição de caixa extremamente elevada reforçam uma preparação não somente para uma pedra no meio do caminho, mas uma chuva delas.

Ao final, o otimismo temperado de Buffett parece fazer muito sentido. A economia americana permanece, na sua maioria, fechada. Não há tratamento para o vírus e uma vacina ainda está distante. Surgirá uma nova onda de infecções no outono? A reabertura gradual das economias vai provocar um aumento significativo de novas doenças? As empresas, que até agora, em sua maioria, conseguiram reverter uma crise de liquidez, vão conseguir solucionar a solvência futura? Os 30 milhões de empregos perdidos em oito semanas voltarão? As incógnitas são muitas e crescentes.

Já escrevi algumas vezes aqui sobre o meu incômodo em relação à recuperação exuberante do mercado acionário americano desde o crash de março. Entendo que ela é liderada, na sua maior parte, por empresas de tecnologia. Elas são, de fato, as grandes vencedoras do jogo até agora. Isso não retira, todavia, as pedras do caminho.

Não se deve apostar contra a América, isso é claro. Mas é preciso ter cuidado.