O DeepSeek – ou ‘ChatGPT da China’ – não representa grandes ameaças e, na verdade, mostra uma avenida de crescimento mais larga para a Nvidia, segundo o Diretor de Enterprise Sales da companhia para América Latina, Marcio Aguiar.

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Ao Dinheiro Entrevista, o executivo da Nvidia relata que o cenário mostrou que, com chatbots usando processadores GPUs não necessariamente de ponta, abrem-se novas oportunidades.

“Já acompanhávamos todo esse trabalho deles. Devido às restrições que foram impostas à Nvidia há uns 2 anos atrás na venda das GPUs de modelo mais high-end para a China, tivemos que desenvolver um novo modelo que era só para atender o mercado chinês. Com base nesse modelo de GPUs que eles desenvolveram esse novo chatbot deles”, explica.

“Na verdade isso abriu muito as nossas portas. As empresas que até então tinham a percepção de que somente poderiam desenvolver esse modelo de linguagem usando o que há de melhor da Nvidia agora consegue utilizar outros modelos. Isso [DeepSeek] para nós não foi uma novidade”, completa.

Aguiar avalia que o mercado deve ver novas empresas ‘desenvolvendo redes neurais similares usando outros modelos de GPU’.

Mesmo com o rápido avanço e incorporação da inteligência artificial na sociedade, o executivo ressalta a importância de saber abastecer a IA com informações e comandos mais certeiros para se obter um resultado melhor.

“A IA vai substituir o ser humano. Todo mundo fala isso, é normal isso, mas não vai. Eu uso bastante todos os dias as ferramentas que estão à minha disposição. Só que é tudo muito novo”, diz.

Ritmo de crescimento da Nvidia

O DeepSeek, que fez barulho no fim de janeiro, fez com que as ações da Nvidia desabassem e a companhia perdesse centenas de bilhões em valor de mercado no início do ano.

A leitura do mercado no curto prazo é de que, dada a capacidade da ferramenta de entregar um chatbot de IA usando chips de menor performance, a demanda pelos produtos de ponta da gigante americana poderia ser menor. No acumulado de 2025 os papéis da empresa somam uma retração de 28% na Nasdaq.

Apesar do ano no vermelho na Bolsa, Aguiar avalia que não há percepção de um cenário ruim para a companhia, e mostra certo descontentamento na penalização das ações em meio às divulgações de resultados da empresa que renovam recordes.

“Internamente não muda nada, a postura é a mesma. Sabemos que temos um potencial enorme a alcançar, a gente vem divulgando recorde e a cada trimestre nos últimos 2 anos e meio e iremos continuar crescendo. Esperamos crescer também no primeiro trimestre deste ano.”

No seu resultado mais recente, para o quarto trimestre do ano fiscal de 2025, encerrado em 26 de janeiro de 2025, a Nvidia registrou US$ 39,33 bilhões, um aumento de 78% ante igual etapa do ano anterior.

A empresa também lucrou US$ 22,09 bilhões, alta de 72% na base anual. ​As projeções para 2025 – ou guidance, no jargão do mercado – são de US$ 43 bilhões em receita líquida, superando os US$ 42,11 bilhões de estimativas dos analistas.

Os resultados vem na esteira do boom de inteligência artificial, com a empresa somando uma valorização de cerca de 600% desde o segundo semestre de 2022.

“O grande salto começou a acontecer em 2016, mas o salto maior foi no final de 2022, quando a OpenAI, do ChatGPT, divulgou que treinou sua rede neural com mais de 10 mil GPUs da Nvidia, que foi quando o mercado abriu os olhos e começou a nos ver com mais carinho”, comenta.

Mesmo após esse cenário, o executivo relata que a companhia segue com mantra de stay hungry, stay foolish e mantém o foco no cliente e com poucas mudanças internas por conta dos resultados exuberantes.

Empresa tenta contornar guerra fria da tecnologia

Durante a entrevista, o diretor da Nvidia explicou que os fatores geopolíticos tem sido uma pedra no sapato muito maior para a companhia do que o DeepSeek ou o surgimento de iniciativas do outro lado do Globo.

“Estamos acostumados com essas adversidades, [se ocorrem] inclusive por falta de conhecimento do que a gente faz”, comenta.

O executivo se refere as restrições de exportação de chips de inteligência artificial impostas no fim do governo Biden e que perduram até hoje.

As medidas impedem que países adversários no campo geopolítico – como China e Rússia – adquiram tecnologias de ponta que possam ser utilizadas para fins militares ou de vigilância.

A legislação estabelece três níveis para grupos de países, firmando regras para acesso aos chips da Nvidia e outras tecnologias de ponta de grandes corporações americanas:

  • Nível 1: Inclui os EUA e 18 aliados, como Alemanha, Japão e Coreia do Sul. Os países desse grupo possuem acesso praticamente irrestrito aos chips americanos
  • Nível 2: Grupo de países com restrições moderadas (inclui Brasil, Índia, Israel, dentre outros), no qual as empresas podem obter permissões especiais para exportar mas precisam cumprir padrões de segurança e direitos humanos estabelecidos pelos EUA
  • Nível 3: Grupo que contempla nações adversárias no campo geopolítico, como China e Rússia. Esses países enfrentam bloqueio quase total na importação de chips, semicondutores e hardware análogo

Acerca da Designação de Usuário Final Validado (VEU), as empresas que integram o Nível 2 podem obter permissões especiais (VEU) para exportar chips, desde que aceitem requisitos de segurança e direitos humanos dos EUA.

A legislação também estabelece limites na capacidade total de computação que um país pode possuir.

A validade dessa medida é de 120 dias. Ou seja, essa normativa ficará em vigor até o dia 10 de maio de 2025 – podendo então ser postergada ou não pelo atual presidente, Donald Trump.

Segundo Aguiar, a Nvidia constantemente tenta, dentro das regras, manter suas operações a plenos pulmões. O executivo relata que ‘com a mentalidade de startup’ a empresa ‘desenvolve novas técnicas’ que por vezes surpreendem os legisladores, e considera que as travas são ruins globalmente.

“Inovação com burocracia não funciona. Se os EUA limitar muito a oferta de suas tecnologias, e querendo ou não muito das nossas ideias surgem de empresas americanas, você abre oportunidade para outros países estarem desenvolvendo também tecnologias similares.”

Nesse contexto, a Nvidia tem ‘tido mais interação do que tinha antes’ com os governos e agências reguladoras.

Chips e produtos de IA são supertributados no Brasil

Sobre o avanço tecnológico em solo brasileiro, o Aguiar comenta que os impostos sobre chips e produtos de inteligência artificial são cobrados de forma que desincentivam o desenvolvimento.

“É classificado como se fosse um produto de consumo, então ele tem um imposto maior do que achamos que seria o ideal. Lá fora é muito mais competitivo, como se fosse um produto de extrema necessidade para o país se desenvolver”, relata o executivo da Nvidia.