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“Enquanto Camilo ficou longe do dia-a-dia da Bombril foi possível voltar ao lucro”

 

 

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“O pai de Ronaldo foi competente. Mas capacitação profissional não é hereditária”

 

 

DINHEIRO ? Por que o senhor foi demitido?
JOSÉ BACELLAR
? Por uma discordância profunda com o Valmir Camilo (presidente do conselho de administração da Bombril). É um caso de ?desinteligência?. Um dos pontos de divergência foi o fato de eu ter cancelado, em dezembro, o acordo com o Trend Bank, uma factoring que havia sido contratada para mudar o perfil da dívida da Bombril. Eles não cumpriram nenhuma cláusula. O Trend Bank esteve ligado ao Sérgio Cragnotti e foi responsável por operações fraudulentas no mercado financeiro que custaram R$ 3,3 bilhões para a Bombril em multa determinada pela CVM. Agora, a Bombril precisa achar um novo agente financeiro e dar uma solução à dívida de curto prazo que sufoca a empresa. Todo o capital de giro da empresa está nas mãos de terceiros. O faturamento da Bombril hoje (R$ 80 milhões) é descontado em duplicatas no banco. Existe ainda uma dívida financeira de curto prazo com factorings. Isso tem um impacto no caixa da Bombril de R$ 4 milhões a R$ 5 milhões por mês. Além disso, há uma dívida com o Refis de R$ 250 milhões, que custa R$ 1,5 milhão por mês à empresa.

DINHEIRO ? Quais os outros conflitos entre o senhor e o conselho?
BACELLAR
? Sou favorável à incorporação da Previ, do BNDES, dos acionistas institucionais e minoritários na gestão da empresa, como conselheiros. Ironicamente, o Valmir Camilo, que também é do conselho da Previ, impede essa aproximação, simplesmente porque ele é contrário à atual diretoria da Previ. Existe, inclusive, uma carta da Previ dizendo que o Valmir Camilo não os representa. Há três anos que a Previ não recebe dividendos, portanto, os acionistas preferenciais (Previ, com 20% das ações e BNDES, com 15%) deveriam ter direito de voto ou pelo menos participar da gestão. É o que diz a nova lei das SAs. Por uma brecha legal, o estatuto da Bombril é ambíguo sobre o tema.

DINHEIRO ? Como o senhor encontrou a empresa e como a entregou após quase dois anos na presidência da Bombril?
BACELLA
R ? No primeiro ano da gestão, havia três fábricas paradas, três folhas de pagamentos em atraso, R$ 70 milhões de dívidas com fornecedores, R$ 500 milhões em títulos protestados, 12 pedidos de falência, um caos administrativo absoluto. O dado mais relevante do nosso trabalho é que as ações, que chegaram a valer R$ 2,00 no início da intervenção judicial, hoje valem R$ 8,00. No balanço de 2005, a Bombril vai apresentar um lucro líquido de R$ 107 milhões. A Justiça, quando interveio, cumpriu o seu papel social. Não só com o investidor institucional, mas com o investidor pessoa física, que detém 15% do capital da Bombril. Implementamos a reestruturação operacional e caminhávamos para a solução financeira e a societária.

DINHEIRO ? Como se consegue tirar uma empresa de uma situação pré-falimentar?
BACELLAR
? Demitimos 600 funcionários, que já foram recontratados, e fizemos readequação de fábricas ? uma das três unidades, a de Sete Lagoas (MG), foi fechada e reaberta. Havia uma depressão de preço no segmento de lã de aço e recuperamos a margem, triplicando o valor do produto nos canais de vendas. Isso aumentou em 120% o lucro com o produto em 2005. Havia uma venda de péssima qualidade. Concentramos a venda direta em grandes atacados e varejistas e colocamos os pequenos clientes na mão de distribuidores. Também saímos de quarto lugar com Mon Bijou e Limpol para a vice-liderança. O detergente Limpol já foi líder e estamos a caminho da liderança novamente. A Pronto, recém-criada marca nordestina de produtos de limpeza, faturou em seis meses, R$ 10 milhões. Esse ano poderia chegar aos R$ 40 milhões, mas o conselho decidiu acabar com a marca. Em 2005, voltamos a investir em marketing, apoiamos várias atletas, como a Dayane dos Santos e toda a equipe brasileira de ginástica olímpica. Terminamos dezembro com chave de ouro, com a recontratação do Carlinhos Moreno, o garoto Bombril.

DINHEIRO ? O conselho o acusou de priorizar o volume ao invés da rentabilidade, o que o senhor diz disso?
BACELLAR
? As pessoas têm pouca memória. Em 2003, a margem de contribuição (receita líquida sem os impostos, menos o custo dos produtos vendidos) era de 19%. Ou seja, de cada R$ 100 sobravam R$ 20 em caixa para pagar custos fixos. Em 2005, a margem foi para 33% e passou a sobrar no caixa R$ 33. O resultado da receita bruta saiu de R$ 500 milhões para R$ 860 milhões. Houve ainda um grande trabalho de faxina na empresa. Descobrimos um negócio de exportação indireta em que a Bombril vendeu, em 2004, um volume de lã de aço equivalente ao consumo de 10 anos do produto na Bolívia. Os bolivianos devem ter estoque de lã de aço pelas próximas duas décadas. O contrato foi parar no Ministério Público.

DINHEIRO ? Quem atrapalha a recuperação da Bombril?
BACELLAR
? O que atrapalha é a paralisação do processo de restruturação financeira, que eu havia começado e o conselho interrompeu. Há ainda a questão societária, que não dá voz a todos os acionistas. Enquanto a empresa esteve com problemas operacionais graves, obrigando Camilo a se manter longe do dia-a-dia da Bombril, foi possível levá-la de volta ao lucro. Hoje, que Camilo controla a administração e a gestão, as práticas de despotismo, mandonismo e nepotismo passaram a imperar na Bombril. Ficou inviável dar continuidade do trabalho que a administração judicial realizou nos últimos três anos.

DINHEIRO ? Quais foram os casos de nepotismo?
BACELLAR
? Foram cerca de 10 pessoas. O ápice foi a contratação de parentes de Camilo para cargos mais relevantes. Na lista estão, entre outros, a ex-mulher dele, contratada como gerente de benefícios para ganhar R$ 11,3 mil por mês. Ela responde ao diretor-executivo de Recursos Humanos, o Luiz Careli, outra indicação do Camilo. O marido da irmã de Camilo foi contratado, com salário de R$ 20 mil, como secretário-executivo do conselho de administração. Além de três sobrinhos do Valmir Camilo.

DINHEIRO ? O senhor demitiu essas pessoas?
BACELLAR
? Demiti a ex-mulher do Camilo.

DINHEIRO ? Os parentes de Camilo apareciam para trabalhar na Bombril?
BACELLAR
? Trabalhavam, sim (rindo).

DINHEIRO ? O senhor foi injustiçado?
BACELLAR
? Injustiçado não é o termo. Estou triste mesmo. Estou vendo desmoronar todo o trabalho que fizemos. As dívidas não estão
sendo pagas, a marca Pronto vai acabar. A empresa está sem rumo.

DINHEIRO ? Qual a sua relação com o Ronaldo Sampaio Ferreira, herdeiro da Bombril? Ele o apoiou para a presidência?
BACELLAR
? Não há nenhuma relação pessoal com o doutor Ronaldo. Ele será o beneficiário final desse processo que vai definir a quem a Bombril pertence. Ronaldo tem um crédito a receber e, em breve, deve retomar sua posição como principal acionista da empresa.

DINHEIRO ? Como está a dívida da Bombril?
BACELLAR
? Há uma deterioração muito acelerada nos últimos três meses. O nível de endividamento em atraso com fornecedores aumentou muito e essa foi outra razão da minha saída. Havia uma negociação avançada de empréstimo, no valor de R$ 75 milhões, com o Bank Boston. Eram seis meses de carência e prazo de um ano e meio para pagar. O conselho de administração aprovou em outubro a contratação dessa dívida, que seria um passo importante na reestruturação financeira. Alongar o endividamento e reduzir o seu custo é fundamental para a recuperação da empresa. Esse trabalho estava sendo feito e se perdeu. É natural os agentes financeiros se retraiam num quadro de deterioração.

DINHEIRO ? E a questão societária?
BACELLAR
? A Justiça pediu que se faça o leilão das ações ordinárias. Na minha opinião, todos os interessados deveriam ser contemplados. Não foi só o Ronaldo que deixou de receber os recursos dele. O Ronaldo tem R$ 700 milhões de crédito. Previ e BNDES têm ações que podem levar a uma indenização de R$ 700 milhões. E a própria Bombril tem R$ 300 milhões a receber já reconhecidos pela Justiça. Os únicos ativos que a empresa tem são as ações. A preço de bolsa, elas valem em torno de R$ 200 milhões, mas talvez em leilão se consiga apurar mais. A Bombril é e será uma das maiores empresas do Brasil. Tem uma marca forte, quase indestrutível. Digo quase porque sempre é possível a má gestão, a incompetência e a má fé levarem a destruição de qualquer patrimônio.

DINHEIRO ? O que será da Bombril daqui para a frente?
BACELLAR
? Estamos num dilema como o do ovo e da galinha. Como fazer a reestruturação financeira sem um novo modelo de governança? E como ter um novo modelo de governança com essa crise financeira? Há agora um novo administrador judicial, o Marcelo Nobre. Espero que ele dê continuidade à recuperação da empresa. Haverá também outra Assembléia Geral Ordinária, no dia 28 de abril, que irá promover uma renovação de 100% dos membros do conselho.

DINHEIRO ? O senhor fica emocionado ao falar da Bombril. O que a ela tem de bom?
BACELLAR
? A empresa é apaixonante. A recuperação aconteceu graças às pessoas que encontrei na Bombril. Havia talentos encostados. Um bom exemplo é o diretor industrial, o ?Seu? Tozzi. Ele está na Bombril há mais de 30 anos. Encontrei-o em Minas Gerais e ele estava no ostracismo desde a gestão Cragnotti. Hoje é o gerente industrial das três fábricas da Bombril. Foi ele, inclusive, quem construiu a Bombril do Nordeste para a família Sampaio Ferreira. São homens assim fazem a diferenç numa corporação.

DINHEIRO ? Seria bom a Bombril retornar aos Sampaio Ferreira, sob as rédeas de Ronaldo?
BACELLAR
? O pai do Ronaldo foi muito competente. Mas capacitação profissional não é hereditária, depende de formação, aplicação. O pai dele criou um case de marketing. Nos anos 50 a Bombril já tinha propaganda na televisão.

DINHEIRO ? O senhor quer voltar para a Bombril?
BACELLAR
? Estou à disposição seja da administração judicial ou de quem vier a comprá-la. Tenho interesse em contribuir, seja no conselho, como executivo, como consultor, conversando numa roda de conselheiro.

DINHEIRO ? Algum recado para os colegas da Bombril?
BACELLAR
? Tenham tranqüilidade e fé. Como diria Fernando Sabino, no fim tudo dá certo. Se ainda não deu certo é porque não chegou ao fim.