12/07/2013 - 6:07
DINHEIRO ? O governo anunciou, na semana passada, um plano para permitir a contratação de médicos estrangeiros e aumentar o tempo de formação dos médicos brasileiros, com dois anos de trabalho no SUS. Como o sr. avalia essas medidas?
REGINALDO ARCURI ? Sei que é muito complicado mexer em currículos, mas tudo o que aumentar o acesso da população à saúde é positivo. Isso também amplia o acesso dos pacientes a medicamentos prescritos de forma correta, especialmente da camada mais pobre da população. E ampliar o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) é sempre bom para os fabricantes de medicamentos, porque o consumo no Brasil ainda está abaixo do potencial.
DINHEIRO ? A ampliação do mercado leva a um barateamento dos medicamentos?
ARCURI ? O aumento da escala sempre barateia o produto. Mas, neste caso, há um outro componente, que é a compra feita através da rede pública, que paga menos porque compra em grandes quantidades. Metade das vendas de medicamentos no Brasil ainda é efetuada no varejo, para as famílias.
DINHEIRO ? Nove laboratórios do Grupo Farma Brasil resolveram se juntar e criar duas joint ventures para produzir medicamentos de biotecnologia. Por que decidiram investir nesse mercado?
ARCURI ? Os medicamentos de rota biotecnológica, feitos a partir de organismos vivos, e que lidam com as defesas naturais do corpo humano, representam hoje apenas 20% do mercado mundial. Porém, é a categoria que mais cresce na indústria. Hoje, no Brasil, os remédios biotecnológicos são importados pelo governo e ministrados para o tratamento de doenças de alto custo, como câncer, degenerativas ou autoimunes. Eles representam 5% do volume das compras do Ministério da Saúde em quantidade, mas ficam com 45% do orçamento, num total de R$ 4 bilhões por ano. Fizemos uma parceria com o governo para que sejam produzidos no Brasil e fornecidos por cinco anos, com uma economia anual de R$ 225 milhões para o poder público. Depois desse prazo, a tecnologia será repassada aos laboratórios estatais.
DINHEIRO ? Esses medicamentos são patenteados?
ARCURI ? São, mas as patentes estão vencendo. Muitas delas até 2020. É aí que está a oportunidade para os laboratórios brasileiros produzirem os chamados medicamentos biossimilares ou biológicos não novos. O mercado é muito concentrado nos Estados Unidos, mas tanto lá quanto na Europa as vendas só crescem de forma vegetativa. O crescimento acontece nos emergentes.
DINHEIRO ? E como o Brasil terá capacidade tecnológica para fazer isso, se não conseguiu até hoje ter uma indústria farmacêutica forte, em termos globais?
ARCURI ? Porque existe agora uma convergência muito positiva entre a decisão do governo e as ações das empresas. O governo definiu que vai fortalecer a produção desse tipo de medicamento no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fez o marco regulatório, que não existia, para que os biossimilares sejam registrados no País.
DINHEIRO ? São contratos de transferência de tecnologia ou as empresas podem desenvolver tecnologias novas?
ARCURI ? As duas coisas. Primeiro, elas vão importar a tecnologia, dominar a produção e transferir a expertise para o governo. A garantia de cinco anos dá escala a essas empresas que estão começando e, ao final desse período, elas já terão escala para vender no mercado e exportar. Estarão capacitadas para entrar no jogo.
Produção de remédios genéricos, em São Paulo
DINHEIRO ? Esse é um mercado que demanda muito investimento. Os laboratórios nacionais terão capacidade para competir com as multinacionais?
ARCURI ? Há um imenso interesse do BNDES e da Agência Brasileira de Inovação em financiar os investimentos para essas novas plantas. Já há duas aprovadas pelo grupo de empresas integradas à Farma Brasil, com um investimento total programado de R$ 1 bilhão.
DINHEIRO ? E os recursos para inovação? O Brasil não tem tradição de investir em inovação no setor farmacêutico.
ARCURI ? Essa é a diferença desse grupo de empresas. Elas estão capitalizadas, saudáveis financeiramente, são capazes de tomar esses empréstimos e investir.
DINHEIRO ? Para onde o Brasil exportará?
ARCURI ? Para a América Latina, África, Ásia, e mesmo para os Estados Unidos e a Europa. Essas empresas já exportam para alguns países. O diferencial em relação aos remédios tradicionais é que no mercado de biológicos há muitas janelas de oportunidade. O Brasil perdeu a corrida para fazer os principais ativos básicos, mas desta vez nós vamos ganhar, porque todos os países estão começando juntos nos biossimilares.
DINHEIRO ? Não há países que estão muito à frente do Brasil?
ARCURI ? Muito à frente, não. Há países que estão à frente, mas é possível recuperar o tempo. Por isso, tanto o governo quanto as empresas brasileiras têm interesses convergentes. As estrangeiras não querem fazer biossimilares aqui, porque já têm plantas enormes em seus países e querem exportar de lá.
DINHEIRO ? Qual foi o papel dos genéricos para viabilizar esse novo momento da indústria farmacêutica?
ARCURI ? Os genéricos deram escala e qualidade aos laboratórios brasileiros. E agora as empresas estão perfeitamente capazes de dar este outro salto com os biológicos. Muitas delas são de primeira linha e já exportam. Algumas produzem os princípios ativos básicos. E são capazes de fazer essa transição. Esse é o setor no qual o Brasil, no curto prazo, pode ter uma nova indústria de classe mundial, assim como temos com a Embraer, a Petrobras e o agronegócio. O setor farmacêutico pode ser o próximo, com bons genéricos, bons medicamentos de rota de síntese química e entrando pesado no futuro, que é a biotecnologia.
Hospital público na Grande São Paulo
DINHEIRO ? E quando o Brasil poderá se tornar um exportador de biológicos?
ARCURI ? Não me arrisco a fazer uma previsão. Primeiro, temos que ocupar o mercado brasileiro, que é enorme.
DINHEIRO ? Como é o ambiente regulatório para esse setor?
ARCURI ? Está melhorando muito, mas a Anvisa precisa de mais investimento, precisa ter mais agilidade e gente em permanente processo de atualização. Além de ser uma agência de vigilância sanitária, deve ser também uma agência do desenvolvimento do complexo industrial da saúde.
DINHEIRO ? De que maneira isso pode ser feito?
ARCURI ? Liberando os registros mais rapidamente e sendo capaz de absorver o marco regulatório para novas tecnologias. Tudo com segurança, eficácia e controle de qualidade, mas com um processo de diálogo e articulação com a indústria. A Anvisa precisa ser uma agência cada vez mais sofisticada, para que tenhamos uma indústria também mais sofisticada. Não apenas de medicamentos, mas inclusive de equipamentos médico-hospitalares e de defensivos agrícolas.
DINHEIRO ? Os registros demoram muito para serem liberados?
ARCURI ? Muito. Já apresentamos vários estudos sobre isso. A Anvisa tem falta de pessoal, com certeza, mas é preciso melhorar os processos, os fluxos internos. É uma agência com papel estratégico. Se o Brasil quer ter uma indústria farmacêutica de classe mundial, tem que ter uma Anvisa funcionando de maneira muito mais ágil e com uma articulação permanente com o setor produtivo. O mesmo vale para o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual.
DINHEIRO ? E de que maneira isso prejudica a indústria farmacêutica?
ARCURI ? Por um lado, provoca insegurança jurídica. Por outro, a demora na concessão de uma patente beneficia a empresa que pediu o registro, porque a lei brasileira tem uma particularidade: como se sabe que o registro demora, a lei prevê um prazo adicional para a validade da patente, além dos 20 anos, quando o processo demora mais de dez anos para ser aprovado.
DINHEIRO ? Na prática, a morosidade ajuda as multinacionais?
ARCURI ? Exatamente. Poderíamos ter tido produtos genéricos, mais baratos, muito antes. Queremos mudar isso.
DINHEIRO ? A indústria farmacêutica se beneficia da biodiversidade brasileira?
ARCURI ? O mercado de fitoterápicos, que podem ser desenvolvidos a partir da nossa biodiversidade, é bilionário. Mas está totalmente travado. As empresas não se arriscam porque não têm segurança jurídica ou são penalizadas violentamente pelo Ibama, que por causa do nosso marco regulatório cheio de deficiências multa quem usa a nossa biodiversidade.
DINHEIRO ? As empresas não conseguem registrar os produtos?
ARCURI ? Conseguem, mas com muita dificuldade. A lei tem muitos conceitos subjetivos, o que dá margem a multas. O Brasil perde muitas oportunidades no mercado de fitoterápicos. Quem lidera é a Alemanha, mesmo não tendo a biodiversidade que nós temos.