02/06/2004 - 7:00
Desde a semana passada, há menos quilates em jogo no mercado internacional de ouro. Na terça-feira 25, deixou de brilhar no reservado pregão diário que define a cotação do metal a mais preciosa grife das finanças: o banco britânico N.M. Rothschild & Sons anunciou oficialmente que vendeu a cadeira a que tinha direito no comitê de fixação dos preços mundiais da commodity. O comprador é o também inglês Braclay?s Bank e o valor da transação foi mantido em sigilo. Qualquer que seja a soma de dinheiro envolvida, porém, ficará abaixo da impor-
tância simbólica do negócio. Mais do que meros participantes, os Rothschild eram a alma do mercado de ouro, em que atuavam como protagonistas há mais de 200 anos. Sua saída de cena indicaria, agora, uma iminente e irreversível depreciação daquele que já foi o ancoradouro seguro nas épocas de crise, o insuperável lastro financeiro da economia das nações. Marca, também, o fim de uma era para a famosa dinastia. Foi exatamente com o comércio de metais e moedas que Mayer Amschel Rothschild deu início à saga e à riqueza da família. O ano: 1760. O local: um sobrado medieval em Frankfurt, na Alemanha. ?Nossas receitas com transações com ouro caíram muito nos últimos cinco anos?, explicou David de Rothschild, que divide com o primo Evelyn, ambos da sexta geração do clã, o comando do banco. ?Por isso, decidimos abandonar o mercado.?
O local: edifício sede do conglomerado Rothschild na City, coração financeira de Lon-
dres. O ano: 2004. Pela primeira vez desde 1919, a pequena sala com cinco mesas ficou fechada. Era ali, até a semana passada, o palco de uma das mais curiosas tradições do mercado financeiro. Todos os dias cinco cavalheiros, representando cinco grandes bancos de investimento, reuniam-se nela em duas sessões ? uma às 10h30, outra às 15h00. Entravam em silêncio e sentavam-se, cada um à sua mesa, e seguiam o mesmo ritual. Com uma das mãos, seguravam um telefone. Na outra, uma pequena bandeira do Reino Unido. Dessa forma iniciavam o chamado fixing, pregão com acesso restritíssimo que definia a cotação do ouro para o mercado internacional. Primeiro ao telefone, discutiam preços com clientes preferenciais. Quando chegavam a um acordo, desligavam os aparelhos e baixavam suas bandeiras. Então, discutiam entre si e fixavam o preço final. Mandava a tradição que uma das mesas fosse colocada ao centro. Ela sempre pertenceu aos Rothschild. Nas demais, sentavam-se os prepostos do britânico HSBC, do alemão Deutsche Bank, do francês Societé Génerale e do canadense Nova Scotia. Provisoriamente, desde que os Rothschild negociaram seu assento, o fixing vem sendo feito via teleconferência.
Os negócios com ouro representavam atualmente cerca de 2% das operações do NM Rothschild & Sons. Com ativos de US$ 90 bilhões, o banco da família concentra-se hoje em operações consideradas mais rentáveis, como emissões de títulos, monta-
gem de sofisticadas operações financeiras e assessoria financeira a grandes projetos. Seu principal trunfo na conquista de mercado continua, no entanto, o mesmo que ajudou a moldar sua fama ao redor do globo: uma extensa rede de relacionamento com o poder e com a riqueza, onde quer que ela esteja. Foi através dela que Nathan Mayer Rothschild, filho do patriarca, construiu o braço britânico (e mais poderoso) do império familiar no século XIX. Com ouro e influência, ele estendeu seus tentáculos por toda parte. Financiou as forças inglesas que derrotaram Napoleão na batalha de Waterloo (1815). Foi o banco também que levantou fundos para a coroa britânica adquirir o controle do Canal de Suez (1875). O ouro dos Rothschild chegou ao Brasil, que contraiu empréstimo junto aos banqueiros para custear a Guerra do Paraguai. Por conta disso, nos anos finais do Império e nas primeiras décadas da República, os Rothschild foram os principais credores brasileiros.
Com a sétima geração em atividade no mundo das finanças, os Rothschild já não se amparam sob um mesmo guarda-chuva. No início dos anos 90, Lorde Jacob Rothschild, outro primo de Evelyn, vendeu sua participação no banco da família para montar sua própria instituição ? hoje muito ativa em investimentos em mercados emergentes. No ano passado, com a fusão das operações inglesas e francesas, David, líder do braço continental da família, ocupou seu lugar no NM Rothschild, trazendo um estilo mais moderno e agressivo ao grupo. Menos apegado às tradições, David foi o encarregado de anunciar a saída do mercado de ouro. O metal anda em baixa ? a cotação da onça troy (31,10 gramas), que já esteve na casa dos US$ 800, hoje não chega a US$ 400. É pouco para os Rothschild.