17/10/2014 - 20:00
Na disputa presidencial entre dois candidatos economistas com a perspectiva de um crescimento do PIB inferior a 0,3% neste ano, é natural que a economia tenha um papel de destaque nos debates entre o tucano Aécio Neves e a petista Dilma Rousseff. Com isso, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso (1999 a 2002), tornou-se um personagem central ao ser anunciado por Aécio como o seu ministro da Fazenda, em caso de vitória no segundo turno das eleições, no próximo dia 26. Ao mesmo tempo que reforçou o apoio de investidores e empresários ao candidato da oposição, Fraga virou alvo preferencial dos ataques petistas, que o acusam de querer acabar com os programas sociais, os bancos públicos e baixar a inflação sacrificando o crescimento. Em entrevista à DINHEIRO, na quarta-feira 15, ele contou como será a reforma tributária que está elaborando e propôs uma “mudança de regime” para que o País volte a crescer. E descarta qualquer intervenção traumática. “O ajuste tem de ser feito de forma gradual”, afirma.
DINHEIRO – Como ministro da Fazenda, qual seria sua primeira medida?
ARMÍNIO FRAGA – Não acredito que haja uma, duas ou três medidas que vão resolver as questões mais prementes. Precisamos de uma mudança de regime, para sinalizar as coisas que precisam mudar. Que, obviamente, não são todas. Sou frequentemente mal interpretado nessa área. Mas na área econômica muita coisa precisa mudar. Dar sinais claros de compromisso com responsabilidade fiscal, tolerância zero com a inflação. Sinalizar essas trajetórias, que eu tenho total convicção de que serão virtuosas. A economia está paralisada, os indicadores de confiança estão lá embaixo. Estamos também comprometidos com uma reforma tributária, com passos na direção de constituir um IVA (imposto sobre valor agregado) simplificado, que desonere exportações e investimentos. O Brasil precisa investir mais e não penalizar seus exportadores. Também é necessário um grande movimento para destravar os investimentos em infraestrutura, de que o País precisa com urgência. Essa é a grande locomotiva de crescimento, hoje mal aproveitada. Ainda não está na hora de detalhar medidas, mas temos várias discussões. Ainda temos uma eleição pela frente.
DINHEIRO – É possível fazer esse ajuste em um ano, com convergência às metas fiscais e de inflação?
FRAGA – É possível, mas não é recomendável. O ajuste tem de ser feito de forma gradual. Acredito que isso constrói um país com muito menos incerteza, com condições de ter uma taxa de juros normal, uma melhor produtividade. Um país que possa pensar em crescer a 4% de maneira sustentável. Acho que isso é viável, mas é preciso investir muito mais e se organizar para ter crescimento de produtividade.
DINHEIRO – Quando o Brasil poderá voltar a crescer 4% ao ano?
FRAGA – Isso poderá acontecer muito mais rapidamente do que se imagina. Eu acredito que existe hoje uma energia represada, que pode ser liberada. Em 1999, o Brasil viveu uma crise muito séria de câmbio e havia riscos de que os ganhos do Plano Real fossem perdidos, com a inflação voltando a subir. Naquele momento, foi feito um ajuste e já no segundo semestre de 1999 a economia voltou a crescer. E, a partir dali, foram cinco trimestres com crescimento em torno de 4%.
DINHEIRO – É um momento comparável ao atual? Hoje também existe uma crise de confiança.
FRAGA – É comparável porque naquele momento havia uma crise cambial, de inflação e fiscal. Hoje não há esse problema tão claramente, mas há outro, igualmente sério. O Brasil não está crescendo. Isso exige um trabalho muito amplo, em muitas áreas. Não só na economia, mas também na educação.
DINHEIRO – O senador Aécio Neves disse que entregaria uma reforma tributária no primeiro mês de governo. Ela já está pronta? Quais seriam os principais pontos, além do IVA?
FRAGA – O IVA é o principal, com a consolidação de ICMS, IPI, PIS e Cofins. A ideia é evoluir para um sistema com créditos financeiros, depois seguir unificando as regras, desonerando exportações, desonerando investimentos. Isso terá também um impacto grande no comércio doméstico. Temos uma equipe de três ou quatro pessoas trabalhando nisso e está bastante avançado.
DINHEIRO – A simplificação é considerada muito importante pelas empresas, porque reduz o custo de apuração do imposto. Mas vai reduzir também a alíquota total?
FRAGA – A proposta dessa reforma é neutra do ponto de vista da arrecadação. Não pensamos em mexer nisso.
DINHEIRO – Já houve várias tentativas de se fazer uma reforma tributária e até hoje ela não
saiu do papel. O candidato Aécio vai conseguir a aprovação no Congresso?
FRAGA – Não é só o Congresso, tem também os Estados. Isso tudo vai ser negociado. Só posso dizer que a hora chegou, devemos isso à Nação. Tudo pode ser discutido de uma maneira que dê um mínimo de segurança às partes. É bom lembrar que não é um jogo de soma zero, mas de ganha-ganha. Fazer essa reforma vai contribuir para o Brasil crescer e isso hoje é absolutamente consensual. Todas as partes envolvidas, o Executivo, o Legislativo e os Estados devem isso ao País.
DINHEIRO – Mesmo sem a redução da carga tributária, já existe um cálculo de quanto isso pode diminuir o custo das empresas?
FRAGA – Não existe um número mágico, não. Varia de empresa para empresa. Não é só a redução do custo de obedecer às regras, que é alto. As mudanças fariam a economia brasileira funcionar melhor, com um impacto enorme.
DINHEIRO – A economia brasileira estará numa situação bem difícil em 2015, com uma previsão de crescimento de apenas 1%. Dá para fazer um ajuste com um crescimento tão baixo? Não é preciso cortar muito, já que a receita vai crescer pouco?
FRAGA – Eu penso de forma diferente. O País está crescendo a zero e se não houver uma resposta do governo, no ano que vem, aí sim o crescimento pode ser bem mais baixo. A tendência é de que as coisas piorem se não houver uma resposta que dê tranquilidade às empresas e às pessoas, que estão muito assustadas.
DINHEIRO – E com um ajuste no início do ano, será possível acelerar o crescimento ainda em 2015?
FRAGA – Acho que sim. Especialmente comparando-se com a previsão, que não é boa. Como aconteceu em 1999.
DINHEIRO – O PT tem dito na campanha que, se eleito, Aécio vai cortar os programas sociais. Isso está nos planos?
FRAGA – Óbvio que não. Isso é a maior mentira do mundo! Pode publicar isso com ponto de exclamação.
DINHEIRO – De onde vai sair o ajuste?
FRAGA – Olhando a qualidade da gestão pública, temos gordura para cortar e é por aí que nós vamos. Vamos fazer a coisa gradualmente, porque eu realmente acredito que, com o tempo, haverá algum crescimento. À medida que se resolvam algumas das questões estruturais, será possível reduzir também a bolsa empresário.
DINHEIRO – Como ficam os subsídios às grandes empresas, com empréstimos do BNDES?
FRAGA – O papel do BNDES vai continuar a ser muito importante. Até mais do que hoje. Tem muita coisa que o banco faz, que não deveria, e muita coisa que ele não faz e deveria fazer. O BNDES pode ter um papel mais importante na infraestrutura. Não temos meta de tamanho do BNDES, mas é preciso ter critérios e esses critérios têm que ter objetivos sociais como regra. Tem de ter transparência e avaliar o que faz. Como é dinheiro do Orçamento, competindo com educação, saúde etc., esse dinheiro tem de ser muito bem justificado. O BNDES é um celeiro de talentos, de gente competente, e tenho imensa confiança que dali vai sair coisa boa. Cortar, ao longo do tempo, financiamentos que não se encaixam nesses critérios rigorosos é algo natural. Não é um problema, é um sinal de progresso. E, se daqui a dez anos, o BNDES estiver mais focado, estiver um pouco menor, mas com total justificativa social e econômica do que faz, isso será um sinal de sucesso.
DINHEIRO – O governo diz que os bancos privados não se interessam por esses financiamentos e que, por isso, o BNDES tem de fazer. Como incentivar o setor privado a entrar nesse mercado?
FRAGA – Eu proponho exigir cofinanciamento do setor privado. Isso não virá necessariamente dos bancos, porque eles normalmente não fazem financiamento de longo prazo. Aí, você entra no mercado de capitais. O Brasil tem um bom mercado de capitais, tem poupadores de longo prazo, como fundos de pensão, seguradoras. Vejo muito espaço para exigir cofinanciamento. Como o BNDES já oferece esse financiamento, hoje ninguém se interessa em explorar outras alternativas.
DINHEIRO – O governo também diz que os senhores acabariam com os bancos públicos. Quem financiaria a agricultura?
FRAGA – Em momento algum cogitamos tirar esses papéis importantes do Banco do Brasil na agricultura, da Caixa em temas habitacionais e em outros temas urbanos. Muito pelo contrário. Lá também há um monte de gente competente para trabalhar esses temas. O que queremos fazer, como foi feito no governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), é fortalecer esses bancos. Na década de 1990, eles estavam totalmente machucados. E foram reforçados com políticas de boa gestão, de governança, e isso permitiu que os bancos assumissem o papel que eles têm atualmente. É necessário que voltem a ter um padrão de governança e transparência adequado, desaparelhando onde for necessário e, no caso dos programas sociais, incorporando esses gastos ao Orçamento. Esses bancos não deveriam arcar com esse custo. Eles devem ser bancos eficientes, competitivos, e o que for de programa público, deverá ser pago pelo Orçamento.
DINHEIRO – Inclusive o subsídio dos juros?
FRAGA – Em qualquer programa público que tenha subsídio, este deveria ser calculado e colocado no Orçamento. Vai disputar com outras demandas. Precisa acabar essa noção de que existem espaços orçamentários em que o dinheiro aparece. Tem gente que acha que os bancos públicos fabricam dinheiro. Não é verdade, o dinheiro sai de algum lugar. E numa sociedade democrática é importante que tudo seja colocado no Orçamento, com total transparência. Por isso, é que eu acho que vai acontecer o oposto do que se diz com o Banco do Brasil e com a Caixa. Eles vão sair fortalecidos com a nossa proposta. E o banco vai poder atingir sua plenitude de eficiência, de competência.
DINHEIRO – O que muda nas políticas setoriais?
FRAGA – Numa primeira linha, as políticas devem ser horizontais. Elas podem diferir dessa linha, se houver uma boa justificativa.
DINHEIRO – A desoneração da folha de pagamento continua?
FRAGA – Continua. Essa foi uma ideia num momento de recessão, para preservar empregos. É uma ideia boa. Mas o problema é que foram tomadas muitas medidas e o resultado está sendo pífio. Outro dia, num debate, alguém falou que há países no mundo que estão crescendo a 7% e outros que estão crescendo a zero. Mas por que o Brasil tem de ser o zero nessa história? O fato é que tudo o que está sendo feito não está dando resultado. A média do crescimento brasileiro, nos últimos quatro anos, incluindo este, dá 1,6%. É muito abaixo da média mundial, muito abaixo da média regional. Eu acho que precisamos cair na real, encarar essa realidade e mudar esse regime. Todas as medidas que foram feitas parecem boas, mas o todo não está funcionando.
DINHEIRO – A taxa de investimento está muito baixa. É possível aumentá-la rapidamente?
FRAGA – Com certeza. Hoje está tudo paralisado. A infraestrutura é um primeiro canal, mas acho que logo a seguir as empresas vão se animar e vão investir mais também.
DINHEIRO – Como o sr. avalia os oito anos do ministro Guido Mantega, na Fazenda?
FRAGA – Eu não fico avaliando pessoas. Eu avalio o governo. A presidenta Dilma é muito clara – e eu a admiro nesse ponto – ao dizer que a responsabilidade é dela, ela define as linhas todas. Eu avalio mal. O País pegou uma fase boa de crescimento, melhoria do ambiente internacional, uma série de coisas boas, mas o fato é que, recentemente, a economia vem mostrando sinais muito sérios de estagnação. A meu ver porque está com o modelo errado. Um modelo que insiste muito na demanda, que obviamente tem de existir, mas isso está acontecendo em detrimento do investimento e da produtividade. Não se trata de más intenções, mas, infelizmente, nós estamos com esse modelo, que está errado. Precisa mudar.
DINHEIRO – Como fica a sua participação na Gávea Investimentos? Vai vender as ações?
FRAGA – No momento em que aconteça a eleição do Aécio, eu saio. Vendo a minha participação e saio imediatamente. Eu já estou afastado do dia a dia, há alguns meses, por conta da campanha.