29/10/2003 - 8:00
É dura a vida de Benoît Gouez, um francês de 33 anos com pinta de roqueiro. Sua profissão: enólogo da casa francesa Dom Pérignon, berço da melhor champanhe do planeta. O ano de Gouez é atribulado. Em agosto ele circula pelos vinhedos ao redor de Reims. De setembro a outubro acompanha a colheita. No início do ano atinge o apogeu de sua atividade: na preparação do chamado ?vinho de cuvée?, champanhe de rara estirpe, começa a degustar
uma série de vinhos daquela safra e das anteriores, num processo conhecido como assemblage ? trata-se da expressão em francês
para definir a mistura dos tipos de uvas que, depois da segunda fermentação, resultará na champanhe. Há três variedades
em jogo: a Chardonnay, branca, e duas tintas, a Pinot Noir e a Pinot Meurier. É uma arte. E como são poucos os artistas no mundo treinados para isso, paga-se muito bem. Profissionais como Gouez chegam a receber salários de até US$ 700 mil anuais. ?É uma imensa responsabilidade?, disse à DINHEIRO com exclusividade. ?Mas é ao mesmo tempo uma fascinante experiência de memória degustativa.? Na preparação de uma safra de champanhe, Gouez chega a experimentar até 70 tipos de vinho.
Ele desembarca no Brasil nesta semana para uma homenagem no Mosteiro de São Bento. Há uma explicação para a honraria em território religioso. Gouez é herdeiro profissional de um monge beneditino, Dom Pierre de Pérignon (1639-1715), o pastor cego responsável por recolher o dízimo dos vinicultores da região de Champanhe ? pagos, evidentemente, em uvas. Ele rapidamente tornou-se craque no manuseio do néctar de Baco. Dizia-se que tinha olfato e paladar aguçado em virtude da deficiência de visão. Foi o primeiro grande enólogo da história. Tornou-se lenda ao transformar um ?defeito? da bebida em mérito. Percebeu que a segunda fermentação resultava em bolhas no líquido ? e ingerir essas bolhas, segundo uma definição atribuída a ele, ?era como beber estrelas?. Por isso tudo a Moët & Chandon o homenageou com uma família de champanhes.
Pode-se dizer que Gouez faz, hoje, o que Pérignon fazia no século XVII. Isso não o torna esnobe. ?No Brasil quero tomar caipirinha e comer feijoada?, diz. Induzido a definir qual seria sua última refeição acompanhada de um Dom Pérignon caso estivesse diante de um pelotão de fuzilamento, ele arrisca: ?Nada como um belo jantar japonês?. Diante da opção exageradamente restritiva, Gouez completa: ?Mas pode ser também um caviar, Beluga ou Ossetra, ou uma porção pequena, sem exagero, de trufa branca de Alba?.