DINHEIRO ? O que explica o desempenho recente do Amazonas, com crescimento superior a 10% ao ano na indústria?
FLÁVIA GROSSO
? O ponto crucial foi o apoio do governo federal que, em 2003, prorrogou os incentivos. Eles estavam previstos para acabar em 2013 e havia muita pressão para encerrá-los, o que criava um ambiente de desconfiança em relação ao futuro. Quando eles foram prorrogados para 2023, restaurou-se a confiança e os investimentos voltaram. De 2003 para cá, estamos crescendo 89% ao ano em termos de aprovação de novos projetos. E só no ano passado foram US$ 4,6 bilhões. Com isso, ficou claro que o Pólo Industrial de Manaus faz parte de um modelo de desenvolvimento de governo, que é visto como estratégico pelo País.

DINHEIRO ? Quais têm sido os números da produção industrial do Amazonas?
FLÁVIA
? Só para dizer os mais recentes, o crescimento foi de 13% em 2004, de 12% em 2005 e, neste ano, o faturamento das empresas irá crescer mais de 30%.

DINHEIRO ? Apesar disso, ainda existe uma visão, em parte do País, de que a indústria de Manaus é ?maquiladora?. É uma imagem distorcida?
FLÁVIA
? Totalmente. Nesses investimentos recentes, há inúmeros fornecedores se instalando por aqui, o que demonstra o adensamento da cadeia produtiva. Além disso, basta dar o número de que, no pólo de Manaus, o índice de nacionalização é de 52%, o que desmonta completamente essa tese. Falar em maquiagem não faz o menor sentido, até porque os projetos só podem ser instalados com incentivo se cumprirem um processo produtivo básico, com várias etapas de produção industrial local.

DINHEIRO ? Existem exemplos de peso acima desses 52%?
FLÁVIA
? O produto mais vendido da Honda, que é a CG 150, é feito com 98% de nacionalização. Na indústria de televisores, essa taxa saltou para cerca de 70%, depois da produção de cinescópios pela Samsung, em Manaus. Nos celulares, nós temos um cluster formado. A Nokia trouxe vários de seus componentistas e a nacionalização é também de mais de 60%.

DINHEIRO ? Existem incentivos estaduais também?
FLÁVIA
? Existem e, em 2003, houve uma revisão do modelo tributário, que foi muito importante para esse salto do pólo de Manaus. A região foi abençoada com um pacote federal e outro estadual.

DINHEIRO ? Onde falta avançar?
FLÁVIA
? Vejo duas grandes vertentes: o desenvolvimento do capital intelectual na região e a aposta na inovação, para que as empresas daqui criem e lancem cada vez mais novos produtos. Com isso, o pólo de Manaus poderá fazer frente até à China.

DINHEIRO ? É possível concorrer com eles?
FLÁVIA
? Claro que é. Em termos de custos, as empresas daqui já são mais eficientes e estão muito próximas de mercados desenvolvidos, como os Estados Unidos. Além disso, estão totalmente atualizadas do ponto de vista tecnológico. Com mais inovação, é possível não só competir como também superar os chineses. Se não tivermos o preço deles, poderemos ter uma qualidade maior e a assistência just-in-time.

DINHEIRO ? As multinacionais daqui elogiam muito a mão-de-obra local. Isso é uma vantagem comparativa?
FLÁVIA
? É um dos maiores fatores de competitividade. Deixa eu dar alguns exemplos. No Japão, os trabalhadores entregam uma motocicleta Honda a cada 46 segundos. Em Manaus, a cada 20 segundos. E isso no mesmo processo produtivo. Na ótica, o benchmark internacional é de 800 lentes por homem em oito horas de trabalho. Manaus faz 1,6 mil. Na telefonia celular, a produtividade daqui é três vezes maior do que a média mundial. E a nossa fábrica de cinescópios da Samsung ganha da Coréia do Sul e da China em qualidade e em produtividade. Agora, até a Coca-Cola de Manaus ganhou o prêmio em Atlanta como a melhor fábrica deles no mundo.

DINHEIRO ? Mas no passado havia a percepção de que essa indústria era muito atrasada.
FLÁVIA
? Isso é passado. Nos anos 80, a política aqui era de índice de nacionalização a qualquer preço e nós não deixávamos as empresas praticarem a reconversão industrial. Quando veio a abertura, no governo Collor, tivemos de mudar a política para a região. Mudamos de índice de nacionalização para etapas básicas de produção. E permitimos que as empresas trouxessem máquinas para se modernizar. Antes do Collor, não se importava nada.

DINHEIRO ? O Brasil perdeu muito com isso?
FLÁVIA
? Eram outros tempos. Eu mesma era diretora do controle de importação da Suframa e nada podia passar. As máquinas não entravam porque nós achávamos que haveria desemprego. A política era de alta absorção de mão-de-obra. E isso era possível porque nós tínhamos um mercado cativo: o mercado brasileiro.

DINHEIRO ? Qual era o volume de empregos naquela época na Zona Franca?
FLÁVIA ? O máximo que a região gerou nos anos 80 foi 72 mil empregos. Com a abertura, houve uma queda drástica e houve milhares de demissões. Mas o curioso é que hoje o volume de empregos é muito maior. Em 2002, eram 60 mil postos de trabalho. Hoje, são 103 mil. E o melhor é que agora as empresas daqui têm competitividade para concorrer com os importados no mercado brasileiro e também para concorrer no Exterior.

DINHEIRO ? Isso explica as exportações da Zona Franca?
FLÁVIA ? Exatamente. As vendas externas começaram em 1996, com pouco mais de US$ 100 milhões. Desde então, participamos de várias feiras internacionais e ajudamos a criar uma cultura exportadora em Manaus. No ano passado, chegamos a US$ 2 bilhões.

DINHEIRO ? O número será maior neste ano?
FLÁVIA
? Deveria ser, mas aconteceram alguns problemas. E o maior nem foi o câmbio porque as empresas daqui importam e exportam, o que, no final, traz um certo equilíbrio. O que nos atrapalhou mesmo foram as greves, como as da Receita Federal e da Vigilância Sanitária. Os navios, cheios de contêineres, ficavam parados no porto. Além disso, a Nokia transferiu parte da exportação que era feita para os Estados Unidos para a planta do México. Mas ainda assim queremos chegar aos US$ 2 bilhões.

DINHEIRO ? Isso equilibra a balança comercial da região?
FLÁVIA
? Esse equilíbrio é uma meta mobilizadora da Suframa. Mas ainda não será alcançada neste ano, uma vez que as importações serão de US$ 3 bilhões. De qualquer forma, é um objetivo plenamente realizável. Talvez no segundo governo Lula.

DINHEIRO ? A sra. está em campanha pela reeleição?
FLÁVIA
? Não, até porque a minha escolha foi técnica e eu nunca tive filiação partidária. Mas é inegável que o presidente Lula deu uma sinalização importante para a região Norte ao prorrogar os incentivos. Por isso, ele tem mais de 70% das intenções de voto por aqui. O amazonense é um povo grato e reconhece o que foi feito.

 

DINHEIRO ? Existe também uma percepção de que os tucanos, com uma base paulista, são contra a Zona Franca?
FLÁVIA
? Existe a percepção de que eles são inimigos e isso está mais ligado ao José Serra do que ao Geraldo Alckmin. Essa briga não faz o menor sentido. Até porque empresas de São Paulo são grandes fornecedoras do pólo de Manaus. Além disso, empresas de celulares que foram para lá, como Motorola e Samsung, têm os mesmos incentivos.

DINHEIRO ? O Serra questionava muito a renúncia fiscal.
FLÁVIA
? Os estudos mostram que, para cada real renunciado, é arrecadado R$ 1,3 em impostos. É uma renúncia entre aspas. Hoje, o Amazonas é o quinto Estado que mais arrecada em relação ao PIB. Só fica atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

DINHEIRO ? Vocês também estão envolvidos numa polêmica com Minas Gerais, que quer atrair a TV digital e um pólo de semicondutores. Isso é justo?
FLÁVIA
? Olha, os incentivos existem porque Manaus faz parte de um projeto estratégico do País, que está acima das questões econômicas. Os incentivos, na prática, cobrem o custo logístico. Quando outros Estados entram na guerra fiscal, cria-se uma distorção tremenda. E veja o caso de Minas Gerais. Eles já têm a siderurgia, a indústria automobilística, a agropecuária, um grande mercado consumidor e a maior malha rodoviária federal do País.

DINHEIRO ? Mas o Aécio Neves agora quer semicondutores e a TV digital.
FLÁVIA
? Ele não deveria oferecer incentivos, porque isso distorce um projeto de desenvolvimento brasileiro, que está inserido num contexto geopolítico. Graças ao Pólo Industrial de Manaus, o Brasil tem uma ocupação populacional consistente na Amazônia e que não agride o meio ambiente. Aqui, menos de 2% da floresta foi destruído. Em outros Estados da região Norte, os números são diferentes.

DINHEIRO ? O ministro Luiz Furlan tem resistido à pressão de Minas?
FLÁVIA
? Tem e é muito importante trabalhar com uma pessoa como ele porque, além de empresário competente, ele é um homem justo. E, para que exista igualdade na competição, nós, aqui de Manaus, precisamos contar com um diferencial. Veja o caso dos set-up boxes dos televisores. Nós já temos 13 empresas produzindo e outros 18 projetos aprovados. Estamos exportando US$ 100 milhões e vamos chegar a US$ 400 milhões. Não faz sentido querer transferir essa indústria de Manaus para outros Estados.