21/05/2010 - 6:00
Dezenove de maio de 2009. Depois de seis meses de negociações, afundada em dívidas de R$ 2 bilhões contraídas com operações de derivativos no mercado financeiro, a Sadia cede aos encantos da Perdigão e é incorporada pela concorrente, criando a Brasil Foods, a maior empresa de alimentos do País. Corta. Dezenove de maio de 2010.
“Estamos com o carro no boxe, abastecido, ligado e pronto para largar”
José Antonio Fay, presidente da Brasil Foods
Um ano depois, exatos 365 dias da assinatura do contrato e do anúncio do negócio, DINHEIRO conversou com os protagonistas de uma das maiores fusões da história do capitalismo brasileiro. Passadas as dúvidas iniciais sobre a capacidade de a, então, nova companhia honrar suas dívidas, os bons resultados começam a aparecer.
A empresa anunciou um lucro líquido de R$ 53 milhões no primeiro trimestre deste ano, contra um prejuízo de R$ 465 milhões no mesmo período do ano passado. Ainda é pouco diante do tamanho da BR Foods, uma companhia com receita bruta de R$ 24,4 bilhões, 105 mil funcionários e presença em 110 países. É, entretanto, animador para seus acionistas, que preveem resultados ainda maiores quando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) liberar, definitivamente, a fusão.
?Estamos com o carro no boxe, abastecido, ligado e pronto para largar?, disse à DINHEIRO José Antonio Fay, presidente da BR Foods. A frase metafórica usada pelo executivo revela muito da atual fase da companhia: a empresa conseguiu diminuir as despesas operacionais e atingiu o azul, mas a demora dos órgãos governamentais em aprovar a união está impedindo que Sadia e Perdigão aproveitem as sinergias que podem render uma economia de até R$ 500 milhões ao ano.
Três momentos cruciais
19/5/2009 Nildemar Secches (à esq.), então presidente da Perdigão, e Luiz Fernando Furlan,
então presidente da Sadia, anunciam a criação da Brasil Foods
22/7/2009 José Antonio Fay (centro), presidente da BR Foods, faz soar o sino,
no pregão de Nova York, para celebrar uma oferta pública primária de ações
22/9/2009 A direção da companhia aperta a campainha na abertura dos negócios com as ações na BM&FBovespa.
Nesse dia, as ações das empresas foram unificadas na BR Foods
Até agora, Sadia e Perdigão tiveram autorização para unir a tesouraria, vender carnes in natura e juntar suas operações comerciais no mercado internacional. ?Mas não podemos fechar escritórios?, diz Fay. Qualquer movimento da empresa para unir forças é analisado com minúcia pelos órgãos reguladores. ?Desde a assinatura do contrato, poucas sinergias foram capturadas?, diz Ricardo Boiati, analista de consumo, varejo, alimentos e bebidas da Bradesco Corretora. Há, contudo, vantagens que já estão sendo percebidas.
A BR Foods recebeu o aval do Cade para fazer compras conjuntas de algumas matérias-primas e insumos. Descobriu-se que Sadia e Perdigão encomendavam diversas caixas de embalagens de peso e tamanho diferentes para o mesmo produto, como pizza congelada. Diante disso, foi decidido unificar os padrões para ganhar maior poder de barganha no momento da compra.
?Podemos fazer pedidos maiores e reduzir o preço?, disse à DINHEIRO Luiz Fernando Furlan, copresidente do conselho de administração da Brasil Foods. Essa é apenas a ponta do iceberg. Há nove meses, a consultoria McKinsey foi contratada para estudar as melhores práticas de cada empresa.
Mais de 100 pessoas estiveram envolvidas nas pesquisas e, no fim, foi definido com a direção da BR Foods que, ao receber o sinal verde, cerca de mil processos serão integrados. Algumas ações, entretanto, já estão sendo colocadas em prática. Uma delas é o novo organograma dos executivos da empresa. Já foram definidos os vice-presidentes que ficarão abaixo de Fay. ?Boa parte veio da Perdigão. Muita gente havia saído da Sadia por conta da crise?, explica ele.
O plano de ação da BR Foods é ambicioso. A ideia é integrar quase todas as áreas de ambas as marcas. A logística, por exemplo, será vital para o negócio. Afinal, Sadia e Perdigão possuem depósitos e centros de distribuição (leia quadro) nas mesmas regiões e poderão compartilhá-los. Os clientes também são semelhantes e a distribuição será feita em um único veículo. Já as fábricas serão otimizadas com processos de produção e máquinas unificadas.
A força da Brasil Foods
?A Perdigão produz pizza em Lages e Rio Verde e a Sadia em Ponta Grossa, todas no Paraná?, diz Fay. ?Poderemos concentrar a fabricação de pizza em uma planta, lasanha em outra e assim por diante.? Mais do que produzir na mesma linha fabril, as marcas também pretendem compartilhar um único centro de pesquisa e desenvolvimento.
?As vertentes de inovação de Sadia e Perdigão são semelhantes?, diz Fay. Enquanto isso não acontece, ele dirige boa parte da companhia no escuro. O executivo não tem acesso, por exemplo, às informações mais sensíveis da Sadia, como as vendas discriminadas para cada cliente. Boa parte dos dados é recebida com uma defasagem de 30 dias.
Os números são fornecidos pelo presidente da Sadia, Julio Cardoso, executivo com vasta experiência, que já comandou a Kibon e a concorrente Seara. ?O fato de não podermos planejar juntos é um problema. Para se ter uma ideia, eu não sei qual é a capacidade ociosa das unidades da Sadia.
A companhia faturou R$ 9,1 bilhões com exportações no ano passado.
No mercado internacional, ela usa marcas como Perdix (acima)
Nessa época do ano, eu já deveria programar os investimentos conjuntos para 2011, mas não há como fazê-lo?, diz Fay. O resultado disso é que a BR Foods vai investir R$ 1 bilhão até o fim do ano, enquanto analistas de mercado dizem que a empresa poderia estar desembolsando o dobro. E a empresa está capitalizada. Em agosto do ano passado, a BR Foods levantou R$ 5,3 bilhões na bolsa com uma oferta primária de ações. Parte do dinheiro foi usada para pagar dívidas e outra parte para engordar o caixa.
Um dos investimentos deixados em banho-maria é o da construção de uma fábrica no Oriente Médio, região que representou 32,7% das exportações de R$ 9,1 bilhões no ano passado. ?Não seremos só exportadores de cortes?, diz Fay. Ao montar uma linha de produção no lugar, o executivo pretende fabricar alimentos com ?sabor local?.
Os investimentos no Exterior são cruciais, pois as vendas para outros países respondem por 41,9% das receitas da empresa. ?A BR Foods é capaz de competir globalmente com as maiores multinacionais de alimentos do mundo?, disse à DINHEIRO Nildemar Secches, copresidente do conselho de administração da BR Foods. ?A BR Foods é dona de 20% do mercado mundial de frangos?, diz Fay. A única área que os executivos fazem questão de manter separada é a de vendas. ?Estimula a competição interna. Seria um erro mexer nessa parte?, afirma Fay.
Os executivos acreditam que a fusão será, de fato, aprovada no segundo semestre deste ano. Mas, para a aflição dos comandantes da BR Foods, o processo que avalia a união da Sadia e Perdigão ainda não chegou ao Cade. Ele está sendo estudado pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), que enviará seu parecer ao Cade quando concluir sua análise. ?É um processo muito complexo?, explicou à DINHEIRO Carlos Ragazzo, conselheiro do Cade e relator desse processo.
?É um número enorme de mercados envolvidos, de manteiga a todo tipo de alimento processado. É como se fossem 20 ou 30 fusões ao mesmo tempo.? O próprio presidente do Cade, Arthur Badin, é contra essa letargia. ?É absurdo demorar tanto tempo para uma análise de fusão e aquisição. E não é culpa nem do Cade, nem da Seae e de nenhum outro órgão?, disse ele à DINHEIRO. ?É culpa do sistema. O problema é a via-crúcis pela qual cada processo é obrigado a passar?, afirma Badin.
Neste primeiro ano de união das empresas, José Antonio Fay tornou-se quase um especialista em legislação antitruste. Ele tem reuniões semanais com os advogados da companhia e fornece todos os dados solicitados pelos órgãos do governo. Mesmo assim, analistas acreditam que a BR Foods não sairá ilesa.
É que a empresa possui quase a totalidade de mercado em vários segmentos. Em um relatório da consultoria Lafis, baseado em dados da Nielsen, Sadia e Perdigão aparecem com uma fatia de 69,6% em congelados de carne. Já em massas congeladas, as duas empresas possuem 88% do bolo e, em pizzas, 68,3%.
Esses números mostram o que a BR Foods se tornou. Além de uma das maiores empresas de carnes bovina, suína e de frango, a companhia é atualmente uma produtora de alimentos com alto poderio de fogo. A empresa hoje compete nas mais diversas áreas: de suco a leite, de margarina a molho, de sanduíche a iogurte… ?Não concorremos somente com frigoríficos?, diz Fay. ?Competimos com empresas como Nestlé, Unilever, Bunge, entre outras.?
O avanço da BR Foods, aliás, gerou um novo fenômeno. ?Acabou puxando o mercado e fazendo outras empresas explorar o segmento?, diz Francisco Turra, presidente da Nova Ubabef, que representa os produtores de carne de frango. O frigorífico Marfrig, por exemplo, pagou US$ 900 milhões pela Seara, em setembro de 2009, para explorar segmentos como o de congelados ? só com uma marca forte isso se torna viável. Novas empresas estão entrando no mercado da BR Foods porque as grandes redes varejistas também estão buscando novas opções. ?Elas não querem mais ficar nas mãos de gigantes?, diz Boiati, da Bradesco Corretora.
Colaborou Crislaine Coscarelli