26/05/2004 - 7:00
Shrek é um ogro verde com problemas de flatulência ? a rigor, nem se trata de um problema, mas de um modo de vida. De resto, ele está que é uma beleza. Na semana passada, a versão número 2 das aventuras do monstrengo terno estreou em 3.737 salas dos Estados Unidos, recorde de todos os tempos. Conseguiu US$ 11,7 milhões em seu primeiro dia de exibição ? o que o põe na décima quarta posição entre os filmes mais assistidos da
história com estréia numa quarta-feira útil. Procurando Nemo amealhou US$ 20 milhões, mas numa sexta-feira. Shrek 2, por-
tanto, está com uma fome danada. Direto ao ponto: ele pode representar para a DreamWorks, a empresa fundada há dez
anos por Steven Spielberg, David Geffen e Jeffrey Katzenberg,
o que o ratinho Mickey, rascunhado pela primeira vez em 1928, significou para a construção da Disney.
O apetite de Shrek é o que faltava para que a DreamWorks desse um passo crucial em seu futuro: a abertura de capital na bolsa de valores, na mesma trilha dos dois principais adversários no mundo da computação gráfica, a Pixar e a Disney, ambas já com ações à venda. Analistas da Goldman Sachs e do J.P. Morgan Chase estimam o valor da DreamWorks em US$ 3 bilhões. Há um homem a pressionar a abertura de capital: Paul Allen, a quinta maior fortuna do planeta depois de Bill Gates. Há 10 anos, ele pôs US$ 600 milhões nos sonhos da DreamWorks, como empréstimo. Agora, quer ver o dinheiro retornar em dividendos. ?Talvez fosse mais adequado entrar na bolsa há uma década, quando tudo era promessa e excitação?, diz o analista americano Hal Vogel, autor do livro A economia da indústria de entretenimento. Mas Vogel acha que ainda há muito interesse pela companhia, sobretudo por Shrek e pelo nome de Spielberg, midas de Hollywood. O problema: o próprio Spielberg, receoso em ver um de seus investimentos ser escrutinado publicamente, com o rigor dos números, prefere deixar como está.
Arrasa-quarteirões. Tudo indica que ele sairá perdendo nesse anseio, e dentro de alguns meses as ações da DreamWorks estarão no mercado. A idéia é ter desempenho semelhante à Pixar de Steve Jobs, de arrasa-quarteirões como Procurando Nemo (US$ 863 milhões de bilheteria) e Monstros S/A (US$ 524 milhões). Em 1995, as ações da Pixar estrearam a US$ 22 a unidade, logo depois do lançamento de Toy Story. No dia seguinte chegaram a US$ 39. Na semana passada estavam em US$ 65. Na época, Jobs reconheceu que nada teria acontecido se Toy Story tivesse fracassado. É um fenômeno semelhante ao que vive a DreamWorks com o personagem lírico e escatológico, bom para adultos e crianças. A investida financeira coincide com a crise da Disney, evidentemente a marca mais forte, inescapável e lendária, nesse campo da cultura. Mas os herdeiros do ratinho atravessam dias turbulentos: Michael Eisner, presidente da Disney há oito anos, quase perdeu o emprego, depois de uma campanha liderada pelo neto do fundador. Perdera a parceria com a Pixar e apresentara lucros considerados pífios para uma empresa desse porte (faturamento de US$ 27,06 bilhões para um lucro de US$ 1,27 bilhão). Resistiu, ainda está no posto ? e, como se diz no jargão do futebol quando um treinador está prestes a ser demitido, é um homem ?prestigiado?.
Enquanto isso, lá do pântano onde mora, Shrek ri sozinho. O primeiro filme arrecadou US$ 481 milhões. O segundo, estima-se, pode chegar ao dobro desse valor, com jogadas de marketing inteligentes como a inclusão do filme no Festival de Cannes deste ano ? capaz de gerar mais de dez minutos de aplausos mas também muxoxos de gente sem humor, para quem o cinema só vale se fizer pensar. As cifras que envolvem o personagem são corpulentas. A DreamWorks já prepara o Shrek 3 e o Shrek 4. Mike Myers (a voz do ogro), Eddie Murphy (o burrico) e Cameron Diaz (Fiona) receberão, cada um, espetaculares US$ 10 milhões na dublagem.
Pais e filhos. No Brasil, exigências impostas pela DreamWorks impedem a divulgação dos valores dos contratados. Mas especialistas de cinema ouvidos por DINHEIRO acreditam que Bussunda, o dublador de Shrek na versão brasileira, tenha recebido cerca de trinta vezes menos (divididos, como sempre, e regiamente, com a turma do Casseta&Planeta). Parece pouco diante dos padrões americanos, mas é excelente para o mercado do Brasil ? embora a precisão da dublagem de Bussunda, além do physique du rôle para o papel, tenha entusiasmado os executivos americanos pela qualidade do trabalho, e certamente merecesse mais dinheiro. Os americanos ficaram alegres com a doçura do tom de voz imprimido pelo humorista ? melhor até que a de Myers, na avaliação da própria DreamWorks. Pedro Bial, que dubla um novo personagem em Shrek 2, a Irmã Feia, de participação pequena, teria recebido US$ 10 mil. Nos Estados Unidos, ela coube ao timbre rouco do entrevistador Larry King.
Bussunda e Bial não revelam os valores de seus cachês, e dizem que aceitaram a empreitada sobretudo por prazer, para aderir a um novo fenômeno e para alegrar as crianças, como pais. ?Meu filho ficou louco de alegria quando soube que eu dublaria o filme?, diz Bial. Bussunda foi ainda mais longe. Há três anos, na estréia da primeira versão, fechou uma sala de cinema do Rio de Janeiro para uma exibição privada de Shrek. Era seu aniversário. Chamou os amigos, os amiguinhos da filha, então com 7 anos de idade, e os empanturrou de pipoca e refrigerante. ?Tô pensando em fazer isso de novo?, diz o Casseta. Shrek está com tudo e não está prosa ? apesar dos gases que o constrangem, mas nem tanto assim.
A FORÇA DA DREAMWORKS
Fundada em 1994 por Steven Spielberg, Jeffrey
Katzenberg (ex-executivo da Disney) e David Geffen
(magnata da indústria fonográfica)
Faturamento anual
US$ 1,8 Bilhão Nº de funcionários
1.600
Valor estimado da empresa
US$ 3 bilhões
OS CAMPEÕES DO MOUSE NO CINEMA
Os seis filmes de computação gráfica mais rentáveis da história
1 º PROCURANDO NEMO (2003)
Pixar/Disney
US$ 863 milhões
2 º MONSTROS S/A (2001)
Pixar/Disney
US$ 524 milhões
3 º TOY STORY 2 (1999)
Pixar/Disney
US$ 484 milhões
4 º SHREK (2001)
Dreamworks
US$ 481 milhões
5 º A ERA DO GELO (2002)
Fox
US$ 382 milhões
6 º TOY STORY (1995)
Pixar
US$ 361 milhões