13/07/2005 - 7:00
A florista e cenógrafa Helena Lunardelli, habituada a trabalhar com as mãos na terra, entre raízes e caules, usará um material insólito para decorar uma árvore em um evento de São Paulo. Ela vai pendurar, entre o verde natural, 200 folhas de vidro. As folhas são frascos de perfume. Guardam o mais recente lançamento da marca Kenzo, a fragrância SUMMERBYKENZO. Concebida pelo Research Studios de Paris, os desenhistas da embalagem a imaginaram levemente curvada, amarelada pelo sol europeu, leve como as folhas mortas cantadas por Yves Montand. O lançamento da grife no Brasil acontecerá na loja paulistana da estilista Adriana Barra. Cabe, portanto, uma indagação: que pontos unem uma cenógrafa, uma artista de moda urbana e um vidro perfumado? A resposta pode estar no crescimento do desenho industrial como motor de fortalecimento das marcas. Dizia-se, no antigo chavão, que os melhores perfumes estão nos menores frascos. Pode-se corrigir esta máxima: os melhores estão nos mais bonitos, modernos, inusitados. ?É comum o frasco ser mais valioso que o próprio perfume?, diz Fábio Mestriner, presidente da Associação Brasileira de Embalagens.
SUMMERBYKENZO, KENZO O desenho de folha no frasco remete ao calor do verão (R$ 266 )
É um mercado que movimenta, globalmente, mais de um US$ 1 bilhão. Hoje, um especialista em frascos recebe cerca de US$ 20 mil por criação. Esse valor pode ser bem maior quando forem assinados pelos talentosos Pierre Dianand, Serge Mansau ou Karim Rashid, que elaborou frascos para Ralph Lauren, Carolina Herrera e Issey Miyake. ?Os designers estão cada vez mais ousados?, diz Renata Ashcar, criadora do museu Espaço Perfume, de Curitiba. ?Mas nem sempre é possível executar as idéias com perfeição?. O desafio é a produção em série. O formato estrelar do Angel, de Thierry Mugler, por exemplo, exigiu a criação de novas técnicas de modelagem do vidro para ser produzido. A fragrância Very Irresistible, da Givenchy, pedia um formato que se encaixasse à do produto, jovem por natureza. Coube à agência Cent Degrés, confeccionar um frasco longilíneo, inclinado, numa torção que lhe confere movimento.
VERY IRRESISTIBLE, GIVENCHY A rotaçåo do frasco remete aos giros e movimentos da dança.
Preço: R$ 180
Para os estudiosos do comportamento humano, nos deixamos seduzir antes pelas formas e cores de um invólucro, e depois sentimos atração pelo odor. ?Ao entrar na loja, uma adolescente se aproxima dos frascos coloridos, enquanto uma senhora se interessa inicialmente pelos mais sóbrios?, nota Sut-Mie Guibert, gerente de treinamento em perfumes da Brasif, rede que controla os negócios nos free-shops dos aeroportos. A atitude de mulheres e homens fez nascer um grande negócio. O desenho dos vidros evolui há cinco mil anos, e não se trata de definição exagerada. Nos primórdios, usava-se terra cota e outros materiais rústicos para armazenar óleos aromáticos. Deu-se a revolução estética no início do Século XX, quando o joalheiro francês René Lalique foi contratado pela grife Coty, dando às pequenas garrafas o atual status. ?Desde então o vidro passou a ser tratado como obra de arte?, diz Renata Ashcar. Deste ponto de vista, uma loja de perfumes pode ser encarada como uma galeria. É o caso da rede Polimaia, nascida em Portugal, com quatro unidades brasileiras. Nelas, as prateleiras são mais amplas e iluminadas, como as concebidas para museus. Expõem peças rococó ou abstratas, remetendo à natureza ou à tecnologia, conforme a personalidade das fragrâncias. São invólucros tratados como jóias. O mais recente frasco do L?Eau d?Hadrien, da Anick Goutal, por exemplo, feito em cristal Baccarat, vale R$ 1400. Vivesse os novos tempos, Marilyn Monroe talvez não se restringisse a elogiar apenas aquelas gotinhas doces do Chanel no 5 com as quais ele se vestia ao dormir ? possivelmente, a musa de Hollywood trataria também de elogiar o frasco retangular que virou lenda.
ANGEL, THIERRY MUGLER A forma de
estrela exigiu novos recursos para modelar o vidro e realizar a idéia dos designers (R$ 370 ) FRAGILE, JEAN PAUL GAULTIER Na imitação kitsch, o humor dá o tom da embalagem (R$ 232 )
L?EUA D’HARIENE, ANICK GOUTAL Feito com cristal Baccarat, faz parte de uma ediçåo especial (R$ 1400 )
Galeria histórica
Os frascos de perfumes ajudaram a moldar o desenho industrial
no Século XX. Algumas embalagens viraram lenda:
Desenhado pelo francês René
Lalique em 1908, o frasco do L?Effleurt
by Coty, em estilo Art Nouveau, foi o
primeiro do joalheiro para a grife
Também de Lalique, o Diorissimo
faz parte de série limitada de 1956.
As flores barrocas remetem aos
candelabros da casa de Dior
Desde 1921, o Chanel 5 passou
por apenas cinco mínimas
mudanças. A forma atual
está intocada desde 1986