01/07/2016 - 0:00
Passada a ressaca moral de um plebiscito emocional, o Reino Unido está arrependido. Assustado, destroçado, desolado com o impacto negativo da decisão sobre a sua economia. O respeitado semanário inglês The Economist chegou a classificar a escolha de 52 milhões de votantes como “um gesto de automutilação”. O veredicto desarticulou a aliança dos países do antigo império britânico. Escócia quer pular fora. Irlanda do Norte, idem. O pesadelo passou a atordoar cidadãos que clamam por uma reviravolta. Milhões assinam cartas de apelo ao parlamento. Autoridades buscam cozinhar as consequências do Brexit. Em vão! A União Europeia, até num ato de autodefesa, pede a imediata saída do tradicional parceiro depois de mais de quatro décadas de aliança. A cotação das moedas despenca. Libra esterlina e mesmo o euro nunca estiveram tão em baixa. E vão continuar derretendo. O mundo está temeroso e descrente quanto à sobrevivência do bloco. A incerteza prevalece. Empresas correm a fazer revisões de contrato. Demitem em escala ascendente. O caos se aprofunda. O desconhecido provoca angústia numa sociedade antes brindada pela estabilidade. A população idosa, interiorana, definiu o futuro da região por puro protecionismo. Como pode ter sido tão estúpida? A despeito dos prejuízos evidentes e do interesse das gerações mais jovens, que queriam a permanência na UE e tiveram seu futuro ceifado pela imprudência, esse grupo liderou o voto majoritário da retirada e depois seus arautos abarrotaram os sites de busca para entender melhor como funciona o mercado comum. Descobriram tarde demais! Muitos correm agora a tirar passaportes europeus. Perderam a condição de cidadãos continentais e isso, no mínimo, restringiu seu livre trânsito e acesso aos benefícios do desenvolvimento sem fronteiras. É a menor das perdas. A brincadeira foi longe demais. O primeiro-ministro, David Cameron, um estadista admirado por feitos progressistas, está demissionário. Para o lugar é cotado o bizarro ex-prefeito de Londres, Boris Johnson, comparado – não apenas pela semelhança física como pelas estripulias e visão recheada de preconceito – ao norte-americano Donald Trump. Será, com certeza, lamentável e impensável para o planeta seguir sob os ditames da dupla Johnson/Trump após experimentar as realizações de Cameron e Obama. Que substituição deplorável esta! As forças populistas e extremistas estão em alta não apenas nas duas potências. Os fluxos migratórios, os atentados terroristas, tudo junto e misturado vem alimentando o pensamento retrógrado. Mesmo a França da mensagem de “liberdade, igualdade e fraternidade” agora flerta com o atraso político e a intolerância social. O desastroso abalo do plebiscito de Brexit avança em proporções dantescas, virando de ponta-cabeça a história. Seria o caso de apelar aos europeus, apegando-se a fé religiosa, por um milagre: “Perdoem! Eles não sabiam o que faziam”.
(Nota publicada na Edição 974 da Revista Dinheiro)