24/09/2008 - 7:00
ENQUANTO GRANDES investidores batiam cabeça e se desesperavam diante do colapso do sistema financeiro americano, o martelo batia com intensidade na casa de leilões Sotheby’s, em Londres. É 15 de setembro e as bolsas desabam mundo afora com a notícia de que o Lehman Brothers, o quarto maior banco dos Estados Unidos, jogou a toalha e pediu concordata em um dia batizado de “a segunda-feira negra”. É 15 de setembro e o mercado da arte contemporânea vive um momento histórico ao ver, em apenas 90 minutos, o controverso artista inglês Damien Hirst quebrar o recorde de vendas em um leilão de um único artista, até então pertencente ao espanhol Pablo Picasso. Dou-lhe uma, doulhe duas, dou-lhe três… US$ 78 milhões são arrecadados ao som do martelo. O barulho segue até a tarde de terça-feira, 16 de setembro, quando a venda de 223 obras termina com um resultado impressionante: US$ 168 milhões. Hirst, a despeito da crise econômica, virou o grande nome da arte, o “porto seguro” de alguns investidores e, sem dúvida, o artista mais rico do mundo ainda em atividade com US$ 1 bilhão de patrimônio.
O leilão da semana passada simboliza um marco no universo da arte. Isso porque Hirst desafiou as galerias que negociam suas obras e se tornou o primeiro artista a vender as próprias peças sem ajuda de intermediários em um leilão promovido por uma empresa de grande porte como a Sotheby’s. Com isso, se livrou de pagar a comissão de 40%. “Ele está reescrevendo a história da arte”, publicou o jornal inglês Daily Telegraph. “Há muito dinheiro no mercado de arte, mas os artistas não o recebem”, disse Hirst. O artista inglês, é verdade, conseguiu bater recordes e ganhou muito dinheiro, mas sua manobra foi arriscada. “Se as obras não tivessem atingido o valor esperado, a imagem do artista poderia sair arranhada”, diz Eduardo Stadinik, assíduo freqüentador de leilões. Não foi o caso. Uma de suas obras, a The Golden Calf, um bezerro embalsamado com os chifres de ouro, alcançou US$ 18,5 milhões; outra, a The Kingdom, um tubarão suspenso em um tanque de formol, foi arrematada por US$ 17,2 milhões.
Apesar das cifras vigorosas, o trabalho de Hirst é visto com desconfiança. Muitos críticos afirmam que ele cria visando só ao dinheiro e que usa o marketing como ferramenta. Oriundo de uma geração de jovens artistas ingleses que despontaram na década de 90, como o escultor Marc Quinn e a pintora Jenny Saville, Hirst, de 43 anos, é o mais famoso de todos. Ele costuma chocar o público com obras cujos temas são, na maioria das vezes, a vida e a morte. Em suas criações, usa animais mortos e faz com que as pessoas reflitam sobre a arte. “O Hirst faz um produto muito bem acabado”, diz Dercy Pereira, professor do curso de artes visuais do Centro Belas Artes. “É muito impactante como objeto, mas pouco representativo como arte.” A peça For the Love of God, um crânio com 8.601 diamantes cravejados, se encaixa nesse perfil. O opulento esqueleto ganhou a imprensa mundial até ser vendido por US$ 100 milhões para um grupo de investidores em 2007. Detalhe: para criá-lo, Hirst gastou cerca de US$ 20 milhões. Gostem ou não, com crise ou sem crise, Hirst é, definitivamente, uma máquina de ganhar dinheiro.