Tem 150 páginas, desce à minúcia de descrever uma reunião entre executivos das siderúrgicas Gerdau, Barra Mansa e Belgo Mineira para a formação de um cartel do aço e será apresentado nesta segunda-feira 10 em Brasília. É explosivo. Trata-se do parecer da Secretaria de Direito Econômico (SDE) sobre a acusação de que as empresas combinaram preços, lotearam mercados e discriminaram consumidores. O documento, ao qual DINHEIRO teve acesso com exclusividade, é duro. Irá propor uma multa que pode chegar a 30% do faturamento
dessas companhias. São cifras bilionárias.

Só a Gerdau faturou R$ 11 bilhões em 2002, enquanto a Belgo vendeu mais de R$ 2 bilhões. As denúncias nasceram no Secovi e no Sinduscon paulistas, as entidades que representam corretores e empresas de construção civil, e foram protocoladas na Secretaria de Acompanhamento Econômico em setembro de 2000. Agora, chegou o momento
decisivo nesse briga.

O ponto alto do documento é a descrição de uma reunião ocorrida em 18 de março de 1999, em Belo Horizonte, num escritório situado na Avenida dos Andradas. Lá estavam representantes das áreas comerciais das três companhias. Nas investigações feitas pelos técnicos da SDE, conseguiu-se o depoimento de um dos participantes. Ele declarou que o tema da reunião era a divisão de mercados e a combinação de preços. Nos dois anos seguintes a este encontro, o preço do vergalhão do aço, principal insumo da indústria da construção civil, subiu cerca de 40% no mercado nacional.

“Não houve justificativa econômica para esta escalada de preços”, afirmou à repórter Fabiane Stefano o vice-presidente do Sinduscon de São Paulo, Eduardo Zaidan. “Acreditamos que foi o efeito do cartel.” O parecer da SDE sustenta que a Gerdau, a Belgo Mineira e a Barra Mansa, pertencente ao grupo Votorantim, formaram um triângulo no qual uma não aceitava cotar preço de aço para os clientes preferenciais das outras duas ou, quando aceitava, oferecia sempre um preço mais alto. Um esquema traçado a partir do encontro secreto de Belo Horizonte que visava segregar áreas de vendas. Na expressão cunhada no relatório, as companhias criaram “currais” de consumidores.

Escrito por técnicos que trabalham no caso há mais de um ano em meio, o parecer ganhou texto final na quinta-feira 6, quando pousou à mesa do secretário Daniel Krepel Goldberg. A expectativa era a de que ele iria endurecer os termos iniciais. Por orientação do secretário, o parecer contém análises separadas sobre o comportamento de cada uma das empresas envolvidas na acusação. Tudo para tornar a defesa das companhias no Cade mais difícil. Aos 28 anos de idade, Goldberg chegou ao topo da poderosa SDE a convite do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Quer mostrar serviço.

Mestre em Direito pela Universidade de Harvard, considerado um brilhante advogado especializado em Direito Empresarial, já instituiu forças-tarefas no órgão para tirar de suas prateleiras pelo menos 3 mil processos lá parados nos últimos quatro anos. Ele não aceita fazer comentários sobre a peça que ajustou a nervosos golpes de caneta. “Não falo sobre processos em andamento”, justifica. Tampouco teme enfrentar com seu parecer adversários poderosos como os empresários que têm seus grupos industriais acusados. Homem número 1 do Grupo Gerdau, o empresário Jorge Gerdau, por exemplo, cultiva boas relações com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e foi escalado para fazer parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. “Sou movido pelo princípio da impessoalidade”, diz, gélido, o secretário Goldberg.

Procuradas pela DINHEIRO, as empresas envolvidas reagiram cada uma à sua maneira. A Gerdau expediu nota curta na qual assegura que a acusação é falsa. Acrescenta ter o costume de não se pronunciar sobre assuntos que estão em tramitação em esferas administrativas. A Barra Mansa, do grupo Votorantim, preferiu não se pronunciar. Na Belgo Mineira, o diretor comercial Ibrahim Abraão Schahin enfrentou a questão de frente e demonstrou a surpresa do grupo. “Estamos estarrecidos”, disse. “Como é que pode ser cartel? Há dez anos tínhamos zero no mercado de aço, enquanto hoje temos 32%. Se tudo fosse combinado, tudo dividido, não cresceríamos tanto.”

Tempo para a defesa em relação ao relatório não será problema. No Cade, que fará o julgamento final, não há prazo estabelecido para o julgamento do parecer. Comenta-se na SDE que o próprio Goldberg fará questão de sustentar pessoalmente os termos do documento diante da turma de julgadores do Cade, quando esta for escolhida. Seria um procedimento inédito, capaz de outra vez chamar atenção para o caso. Um cena à altura do estilo do novo secretário, que não tem a menor intenção de empurrar para baixo do tapete os processos mais polêmicos que já estão em suas mãos.

Um dos próximos pareceres a serem expedidos é a respeito da compra da Garoto pela Nestlé, onde a SDE, desde já, vê formação de monopólio de 100% no mercado de chocolates líquidos. Outro que ainda nem teve denúncia, mas já excita o secretário, é o acordo operacional entre a TAM e a Varig. “Quando se fala que duas companhias ficarão com 70% do mercado de aviação brasileira, temos de ficar atentos desde logo”, diz ele.