31/08/2001 - 7:00
Mal desembarcou em Punta del Este, o balneário dos ricos e famosos do Uruguai, no último domingo, e o ministro da Agricultura, Marcos Vinícius Pratini de Moraes, foi surpreendido com uma missão: havia sido escolhido para atuar como ?xerife? oficial do Mercosul na frente contra o protecionismo que começou a ser formada na reunião do Grupo de Cairns, com vistas a uma nova rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Embora os integrantes do Grupo de Cairns, que congrega 18 países exportadores de produtos agrícolas, sejam favoráveis à abertura das fronteiras agrícolas, o Mercosul defende a posição mais radical. ?Se sentir que não vai haver uma postura firme contra os subsídios e barreiras, o senhor tem nossa autorização para jogar pesado?, disseram vários colegas-ministros do Mercosul a Pratini, em conversas no elegante hotel-cassino Conrad, local do encontro. Nos três dias seguintes do encontro ele deixou claro que qualquer tentativa de se levar a cabo a nova rodada da OMC sem colocar a agricultura no centro do debate é condenar o encontro ao fracasso. ?Ou se negocia agricultura, ou não se negocia nada?, avisou Pratini. ?Chegou o momento de dar fim aos injustificáveis subsídios, que encorajam a produção ineficiente e a competição desleal.?
O ministro, que cultiva a fama de briguento, não se sentiu ofendido com o pedido dos colegas do Mercosul para falar grosso. Pelo contrário. O estilo ?bateu-levou? já é sua marca registrada e tem lhe rendido muitas vitórias. Quem não lembra do recente episódio em que os canadenses espalharam ao mundo que a carne brasileira poderia estar contaminada pela Vaca Louca. Na época, Pratini não hesitou: ?Se levarem isso adiante, a Alca estará enterrada?. O desfecho não poderia ter sido melhor para os brasileiros, na época, com o Canadá admitindo publicamente o erro. Mesmo não sendo solução, a pressão é um dos principais instrumentos que os países em desenvolvimento têm para forçar os ricos a abrirem suas fronteiras agrícolas. Em alguns casos, já começa a surtir efeito. ?A União Européia está preparada para fazer mais?, prometeu Pascal Lamy, o comissário europeu de Comércio, durante a reunião preparatória para Conferência Ministerial da OMC, na cidade do México, na semana anterior. Na segunda-feira, 3, no Uruguai, Pratini também ouviu da secretária americana de Agricultura, Ann Veneman, que há disposição de se discutir a abertura do mercado agrícola americano. Até mesmo para carne in natura brasileira. ?Vou conversar com meu governo e o setor privado para marcar uma reunião?, disse ela.
Somente a sinalização de que há espaço para se negociar a abertura do mercado de carnes é tida pelo governo brasileiro como um passo importante. A carne in natura do Brasil é barrada nos Estados Unidos por causa da febre aftosa, doença erradicada em mais de 80% do País. Os EUA alegavam que só abririam suas fronteiras depois do problema sanado em todo território nacional. Difícil é acreditar nas boas intenções dos países ricos. Afinal, nas últimas cinco décadas, não houve avanços significativos na cruzada contra o protecionismo agrícola. Nos anos 50, a média das tarifas para produtos agrícolas era de 40%. Passado mais de meio século a situação só piorou. Além de não terem baixado as tarifas, os países protecionistas lançaram mão dos subsídios. Calcula-se que os países ricos gastem cerca de US$ 1 bilhão por dia para garantir a competitividade da sua agricultura. A União Européia, sozinha, desembolsa anualmente mais de US$ 100 bilhões. Em segundo lugar, aparecem os EUA que destinam US$ 92 bilhões e, o Japão, US$ 73 bilhões. De qualquer forma, mudanças nas regras da OMC são importantes para o futuro dos acordos comerciais em negociação ? como a Alca e a União Européia. Aliás, a primeira batalha contra os subsídios será travada no dia 30 de outubro, no Uruguai, quando o Mercosul apresentará sua contra-proposta ao acordo com a União Européia. ?Não abrir os mercados, não é bom negócio para ninguém?, garante o ministro.