12/10/2001 - 7:00
O mundo está com medo. E os Estados Unidos, em pânico. A avalanche de cartas químicas assumiu proporções apocalípticas. Só na semana passada, as autoridades americanas investigavam mais de 250 mil suspeitas da contaminação por antraz. O Planeta caiu de joelhos intimidado pelo bioterrorismo.
Agora, vem a contra-ofensiva. Governos e empresas se unem e gastam bilhões de dólares para formar um escudo antiterror. Laboratórios farmacêuticos entraram em alerta para multiplicar o fornecimento de antibióticos. Companhias especializadas na manipulação de correspondências se armam para impedir que cartas infectadas cheguem à população e os fabricantes de máscaras, cilindros de oxigênio e detectores químicos produzem a toque de caixa seus equipamentos. Enquanto a indústria cria os antídotos para aniquilar o exército de vírus e bactérias, autoridades cuidam da retaguarda. A partir de agora, o controle que já era rigoroso nos reservatórios de água (alvo potencial para os ataques bioterroristas) terá de ser impecável. A segurança também foi reforçada em aeroportos e os prédios oficiais, metrô, rodovias e fronteiras passam a ter vigilância ininterrupta.
Na semana passada, o Congresso americano apressava a liberação de uma verba de US$ 1,6 bilhão para auxiliar a indústria farmacêutica a aumentar a produção de drogas contra as armas biológicas. ?Vamos atender prontamente a demanda de civis e militares?, disse à DINHEIRO Alan F. Holmer, presidente da Pharmaceutical Research and Manufacturers Association ? entidade que reúne as companhias farmacêuticas nos EUA. Na corrida pelo antídoto, a alemã Bayer saiu à frente. Seu antibiótico Ciproflaxin, ou Cipro, é o único registrado na Food and Drug Administration (FDA) e tido como eficaz no combate ao antraz pulmonar (inalado), a forma de contaminação que pode ser letal. O antraz cutâneo e gastro-intestinal (ingerido) pode ser repelido com outros antibióticos. A simples notícia de que havia um remédio capaz de enfrentar a bactéria terrorista provocou uma corrida desenfreada às farmácias. A Bayer está trabalhando a pleno vapor para dar conta da demanda. Nos EUA, a produção aumentou 25%. A matriz, na Alemanha, mandou retirar o cadeado de uma fábrica inativa, reativou-a e passou a produzir freneticamente a droga.
Redenção. O Brasil também pode assumir um papel estratégico no fornecimento mundial. A fábrica de São Paulo da Bayer produz hoje 500 mil comprimidos/mês. De um dia para outro, garantem os executivos da empresa, o número pode chegar a 39 milhões de comprimidos. ?Essa fábrica nos dá a flexibilidade de, numa emergência, aumentarmos amplamente a produção?, diz Helge Karsten Reimelt, presidente da Bayer no Brasil. A companhia prefere não tratar o assunto como negócio, mas o fato é que o Cipro valoriozou suas ações e rendeu boas perspectivas de lucro para este ano. Depois do desastre do Lipobay, usado para combater colesterol e relacionado a morte de 50 pessoas, a Bayer cogitou até a venda de sua área farmacêutica. O Cipro, agora, surge como redentor da empresa.
Mesmo com todo o esforço de produção, dificilmente a Bayer dará conta da demanda. O governo dos EUA quer ter drogas o suficiente para tratar de 12 milhões de cidadãos ? hoje, o que há em estoque dá para cuidar de 2 milhões. Para isso, será preciso recorrer a novos laboratórios e também apelar para os genéricos. Em outras palavras, quebrar a patente da Bayer. Doce ironia. Há pouco tempo quando o ministro José Serra decidiu fazer o mesmo com os remédios contra a Aids produzidos por laboratórios americanos foi ?vaiado? pelo governo Bush. A situação agora, sustentam os congressistas ianques, é de emergência. E quem está vulnerável é o cidadão americano ? este é o ponto. Com a abertura, outras empresas já se apresentaram. A Pfizer, por exemplo, produz a Vibracina, tida pelo FDA como segunda opção mais eficaz no combate ao antraz. Na Índia, há meia dúzia de laboratórios capazes de oferecer o genérico do Cipro. Ao todo, 80 empresas no mundo, incluindo as do Brasil, podem servir de fonte de fornecimento. Por aqui, a EMS-Sigma Pharma está de prontidão. ?Temos condições de duplicar nossa produção?, diz Débora Mori, gerente de marketing.
Brasil. Desde que a primeira bactéria ?postal? chegou à Flórida e matou o editor de fotografia do tablóide Sun, Robert Stevens, o mundo vive em constante estado de alerta. Não há lugar seguro. Cartas suspeitas apareceram no gabinete do chanceler alemão, Gehard Schroeder, na Bolsa de Valores de Londres e na Agência Espacial Francesa. No Quênia, autoridades confirmaram quatro casos de contaminação. Na Argentina, surgiu, na quinta-feira 18, a primeira ocorrência de antraz. Um dia antes, no escritório do governador de Nova York, George Pataki, foram encontrados esporos da bactéria. O micróbio também infectou 34 membros do gabinete do senador Tom Daschle. Há suspeitas de que o antraz tenha sido colocado no sistema de ventilação do Senado, o que forçou um inédito fechamento do Congresso. As autoridades estão fazendo uma varredura no Capitólio, que abriga o Senado e a Câmara dos representantes e em 10 edifícios legislativos e administrativos onde trabalham mais de 20 mil pessoas.
No Brasil, já somam 17 os casos com suspeitas de contaminação, 11 deles em São Paulo. O ministro José Serra está preparando uma força-tarefa para combater possíveis ataques bioterroristas. A operação une o Ministério da Saúde, Infraero, Departamento de Aviação Civil, Receita Federal e os Correios. ?Inicialmente essa estratégia será usada em São Paulo e no Rio. Depois, nas demais capitais?, afirma Serra. A ameaça provocou perdas e lucros por aqui. Companhias aéreas como Varig, TAM e Lufthansa tiveram de supender vôos, pois havia pacotes suspeitos em suas aeronaves. De outro lado, as fabricantes de equipamentos de proteção esfregam as mãos. E não só com as encomendas domésticas. Em São Paulo, a Air Safety, recebeu dos EUA uma encomenda de 150 mil máscaras. ?Costumávamos exportar 10 mil por ano?, conta Esther Rodrigues, diretora-financeira.
Saddam. Por mais cruel que possa parecer, o antraz é apenas aperitivo para o que pode vir pela frente: a varíola. O vírus é específico para o homem e se dissemina pelo ar ? ao contrário do antraz que não é contagioso. Não existe um tratamento eficaz e a taxa de mortalidade é altíssima. A doença está erradicada há anos e por isso mesmo a vacinação foi abandonada. Existem poucos estoques de vírus no mundo que poderiam ser utilizados na produção de antídotos. Especialistas acreditam que levará três anos para vacinar toda a população, só nos EUA. Outro mal que apavora os cientistas são os vírus geneticamente modificados ou supervírus. As mutações do influenza (gripe), por exemplo, poderiam causar sérios danos à população. Há ainda o ébola, existente na África e cuja infecção é fatal. A pergunta que fica é: quem estaria por trás destes ataques biológicos? Não há provas contra Bin Laden. A desconfiança recai mesmo sobre Saddam Hussein. A maior evidência é uma fábrica de armas biológicas que o ditador possui em Bassra, ao sul do Iraque. Lotada de antraz.
O MEDO NO MUNDO
Alemanha: Dois envelopes suspeitos foram encontrados no gabinete do chanceler alemão Gerhard Schroeder.
França: 600 pessoas foram removidas dos escritórios da Agência Espacial Francesa e dezenas de outras de uma instituição financeira, de uma escola e de um prédio da Receita Federal.
Lituânia: Um pacote com pó branco foi remetido para o jornal Republika. Quarenta pessoas estão sendo examinadas.
Austrália: Correspondências suspeitas no consulado americano em Melbourne e no Departamento da Receita Federal em Camberra.
Áustria: Pó branco jogado no aeroporto de Viena está
sob investigação.
Canadá: O Parlamento foi esvaziado.
Israel: Dois funcionários do gabinete do primeiro-ministro Ariel Sharom foram levados ao hospital quarta-feira 17.
México: Suspeitas em aeroportos.
Inglaterra: A Bolsa de Londres foi evacuada por suspeitas
de antraz.
Uruguai: Embaixada americana recebeu correspondência
com a bactéria.
Japão: Alerta máximo nas empresas de correio, metrô e aeroportos.
NO BRASIL
Até a quinta-feira 18, São Paulo apresentou 11 casos suspeitos de exposição a bactéria. A Varig decidiu cancelar cinco vôos na quarta-feira 17, pois uma substância foi encontrada em uma de suas aeronaves. No Rio de Janeiro, havia um pó suspeito em um avião da Lufthansa e uma carta causou pânico nos escritórios da Shell. Na Bahia, funcionários do Tribunal Regional do Trabalho estão sendo examinados e no Rio Grande do Sul, a empresa de entregas expressas DHL está interditada. Ainda na quinta-feira, um pó branco foi encontrado em um avião da TAM.
O QUE É ANTRAZ
O Baccillus anthracis é o causador do carbúnculo, doença infecciosa conhecida desde a antiguidade, que ataca animais domésticos e selvagens como gado bovino, ovelhas, antílopes e cabras. O homem pode ser infectado por ingestão de carne contaminada e contato com pele, lã, pelos e ossos infectados dos animais. E agora, em tempos de terror, a bactéria ataca por carta. O antraz não é contagioso. Para desenvolver a doença, o bacilo deve entrar pela pele (antraz cutâneo), ser ingerido (antraz gastro-intestinal) ou inalado (antraz pulmonar). Nos dois primeiros casos, o tratamento é mais simples. O antraz pulmonar pode matar em 24 horas, se não for rapidamente tratado. Os sintomas são febre alta, dificuldades de respiração e, por fim, colapso do sistema respiratório.
PÂNICO NOS EUA
? 34 membros do gabinete do senador Tom Daschle estão infectados com antraz. Há suspeitas de que a bactéria tenha sido colocada no sistema de ventilação.
? Na Microsoft, um envelope com substância amarelada provocou pânico nos funcionários.
? Robert Stevens, editor de fotografia do tablóide Sun, morreu ao inalar antraz.
? Foram encontrados esporos de antraz no gabinete do governador de Nova York, George Pataki
? Um menino de sete meses, filho de um produtor da rede ABC, foi infectado com o micróbio.
? Policiais da Califórnia informaram que testes preliminares indicaram a presença da bactéria numa carta enviada a Sony Pictures.