31/08/2005 - 7:00
O economista Paulo Sandroni é um militante da palavra. Em 1969 teve de fugir do Brasil e passar 10 anos no exílio porque a polícia da ditadura o estava buscando. Seu crime? Fazia parte do setor de propaganda e divulgação da Aliança Libertadora Nacional, grupo de esquerda liderado pelo guerrilheiro Carlos Lamarca. Sandroni não pegava em armas, pegava na máquina de escrever. Trinta e seis anos depois, emérito professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, ele continua lutando com as palavras. É o autor do Dicionário de Economia do Século XXI, uma obra de peso (um quilo exato) e de vulto (905 páginas) que acaba de chegar às livrarias em sua quarta versão ? 20 anos depois e quase cinco vezes maior do que em sua primeira aparição, com 1.500 verbetes. Desde 1985, edições acumuladas do Sandroni já venderam 200 mil exemplares. Enquanto o dicionarista é pequeno, simpático e despretensioso, o dicionário intimida. É um gigante com 7.000 verbetes de erudição, que parece abraçar o mundo. Contém biografias dos principais economistas, traz explicações dos conceitos fundamentais da disciplina e oferece um oceano de informações, que vão da lógica econômica do jogo do bicho ao significado do jargão econômico micar. ?É um livro que pára em pé?, diz Sandroni, de 65 anos, cujo irmão, Cícero, é membro da Academia Brasileira de Letras e autor de uma biografia do escritor Austregésilo de Athaíde com 875 páginas. ?Desta vez eu ganhei dele?, festeja.
Na semana passada, em pleno pós-parto da obra, Sandroni já havia voltado à angústia irreparável dos dicionaristas. ?Um dicionário nunca está pronto. Toda nova edição é provisória?, reclama. Até porque há os erros. Eles escapam, se escondem, brincam de gato e rato com o organizador. No volume que recém veio à luz omitiu-se da obra do economista Roberto Campos, falecido em 2001, seu livro mais conhecido, o monumental Lanterna na Popa. Há também o caso das biografias que somem, como a dos economistas Ioshiaki Nakano e Fábio Giambiaggi. Elas estavam lá, prontas, mas desapareceram em alguma etapa da finalização editorial. ?Não é um absurdo??, pergunta Sandroni, desolado. Há também atualizações. Elas não param. Com a economia no centro da vida cotidiana, as novas expressões aparecem em ritmo infernal para quem tem que acompanhá-las. ?Desde que o dicionário ficou pronto já acumulei cinco verbetes novos?, diz Sandroni, meio contrariado. Parte da sua atenção está voltada à China, de onde vêm emergindo novas idéias econômicas que ele precisa compreender e traduzir. Não é café pequeno, sobretudo para um fanático da precisão. Sandroni verifica tudo, ou tenta. Ao traduzir do inglês semi-arcaico a obra do economista britânico David Ricardo, do século XIX, ele achou ?errinhos de contas? que foram corrigidos em nota de rodapé. Anos mais tarde, perturbado pela imprecisão da unidade de medida onça, ele contou 480 grãos de trigo e foi pesá-los na farmácia para descobrir se somavam os 31 gramas que as definições históricas lhe atribuíam.
Para mapear mudanças, Sandroni fica de olho na imprensa. Nas páginas de jornais e revistas encontra os termos que passam a pedir lugar nas páginas do dicionário. Aliás, para quem estiver com dificuldade em entender o economês da crise, o novo Sandroni traz palavras como caixa 2, laranja, lavagem de dinheiro, paraíso fiscal. É provável que a próxima revisão traga o substantivo mensalão. Sandroni tem um método de trabalho confessamente antiquado. Faz recortes da imprensa ou xeroca trechos de artigos especializados e os atira em uma pasta que funciona como arquivo. Uma vez por mês abre a pasta, revisa seu conteúdo e põe no computador os candidados a verbetes. Ali eles são encubados até as vésperas da próxima revisão, quando Sandroni começa a escrever os verbetes ou pede a colegas especilizados que o façam. Os verbetes, diz ele, devem ser redigidos de forma que o interesse do leitor não sucumba. Seu paradigma é o Palgrave, dicionário de economia anglo-saxão com mais de 100 anos, publicado em quatro enormes volumes. O Palgrave é o que o Sandroni quer ser quando crescer.
Serviço
O dicionário Sandroni saiu pela Editora Record e custa R$ 70.