Os bancos estão de olho no dinheiro cor-de-rosa. Não, nada a ver com a controvérsia sobre as notas manchadas dos caixas automáticos explodidos: o assunto, aqui, é o chamado “pink money”, como é chamado o dinheiro dos consumidores homoafetivos. O poder de compra desse segmento do mercado é inegável. A maioria dos membros da comunidade GLBT não tem filhos e pode dedicar uma parcela maior de sua renda ao consumo e ao lazer. 

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esses gastos são em média 30% superiores aos dos consumidores heterossexuais. No Brasil, esse mercado movimenta cerca de US$ 100 bilhões anuais, enquanto, nos Estados Unidos, esse valor chega a US$ 800 bilhões. Há tempos na mira de segmentos como hotelaria e turismo, o dinheiro rosa agora também está na mira das empresas de administração de recursos e dos private banks. 

 

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Goltzman (esq.) e Pereti: juntos há sete anos e dividindo o mesmo teto há cinco meses,

o casal planeja instituir a união estável e se prepara para dar início a um financiamento imobiliário

 

No dia 5 de maio passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que as uniões estáveis entre casais do mesmo sexo têm a mesma validade legal daquelas estabelecidas por casais heterossexuais. Além do impacto social e familiar, essa decisão tem profundas implicações patrimoniais e financeiras. Casais do mesmo sexo podem pleitear direitos que fazem muita diferença no bolso, como a inserção do cônjuge nos planos de saúde, entre outros (veja quadro mais abaixo). 

 

A decisão do STF já provoca movimentações no sistema financeiro. Bancos e seguradoras começam a delinear produtos voltados para esses consumidores. Financiamentos imobiliários, apólices de seguro e planos de previdência privada, além de estratégias tributárias de sucessão patrimonial, vão passar a ser oferecidos também aos casais homoafetivos em união estável. Os bancos ainda não se sentem confortáveis em lidar com esse público, tanto que nenhum quis revelar à DINHEIRO o que oferece para esses clientes. 

 

No entanto, consultores e planejadores financeiros avaliam que o maior crescimento deverá ocorrer nos financiamentos imobiliários, que já eram oferecidos para pessoas do mesmo sexo em algumas instituições financeiras, e nos planos de previdência privada. “Ficará mais fácil transferir benefícios e patrimônio para o cônjuge”, diz o advogado Rodrigo de Mesquita Pereira, de São Paulo. 

 

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Silmara (esq.) e Valéria: a chefe de cozinha e a funcionária pública vão oficializar a união,

e a divisão de seus bens será estabelecida no contrato, que deverá ser formalizado em breve

 

O contrato de união estável dá sustentação legal a decisões como essas. No caso dos bens, ele garante que o parceiro tem direito a 50% dos bens adquiridos após a assinatura do documento. O contrato permite também legar os benefícios do INSS, autoriza plei-tear uma pensão alimentícia em caso de separação e torna possível declarar o imposto de renda em conjunto. Nada disso era terminantemente proibido antes, mas agora o terreno jurídico se tornou muito mais sólido. 

 

Por exemplo, é menor a probabilidade de as administradoras de planos de saúde rejeitarem os pedidos de inserção do cônjuge – ou de a rejeição ser revertida na Justiça. Adotar essas medidas também passará a ser menos complicado. Basta procurar a operadora e pedir a inclusão. “Com o tempo e a criação de jurisprudência, esses pedidos vão passar a ser aceitos automaticamente, como ocorre no caso dos casais heterosse-xuais”, afirma Pereira. “Caso esse requerimento seja negado, aí sim será necessário procurar um advogado para tomar as medidas legais.” 

 

O gerente de atendimento Marcelo Serrano Goltzman e o designer Wellington de Albuquerque Pereti pretendem aproveitar a nova lei. Namorados há sete anos, eles passaram a dividir o mesmo teto há cinco meses e vão oficializar a união em agosto. Uma das primeiras medidas de Goltzman, que é contratado com carteira assinada, será incluir o parceiro, autônomo, em seu plano de saúde. “Também vamos unificar as contas bancárias e estamos nos preparando para comprar um imóvel”, diz Goltzman.

 

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Reis (de óculos) e Almeida: os eventos realizados pelo ator são empresariados pelo companheiro,

em uma parceria de 23 anos, que já rendeu a casa própria. Investimentos como previdência privada são o objetivo do casal

 

Outras decisões, como herança, seguem as mesmas regras dos casais tradicionais. A diferença é que, em vez de fazer um testamento, é possível especificar o destino dos bens na assinatura do contrato de união. Nos cartórios de São Paulo, a formalização de uma escritura púbica de união estável custa R$ 267,92. E os honorários de um advogado que irá assessorar sua formalização custarão, no mínimo, R$ 2.000. Na hora de partilhar os bens, um exemplo a ser seguido é o da chefe de cozinha Silmara Rodrigues Dias e da funcionária pública Valéria Scozzato. 

 

Animadas com a aprovação do STF, elas pretendem oficializar em breve sua união, que já dura 11 anos. Valéria tem uma filha, Isabel, já maior de idade, que vai herdar seu patrimônio. Já as posses de Silmara deverão ficar para sua sobrinha-neta Giovana, de 8 anos. “Tudo isso estará definido no contrato”, diz Silmara.

 

Segundo os especialistas, tomar esses cuidados é essencial para preservar a relação. “É importante discutir tudo detalhadamente antes de assinar o contrato, para evitar desentendimentos”, diz o consultor financeiro Raphael Cordeiro. Em seu consultório, cerca de 5% dos clientes são gays à procura de uma orientação financeira, e esses clientes serão cada vez mais procurados pelo sistema bancário e pelos consultores. O argumento é imbatível: o potencial de consumo desse segmento de mercado. 

 

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O melhor exemplo é a Parada Gay, realizada anualmente em São Paulo, desde 1996. Na última edição, em 2010, os 3,2 milhões de participantes gastaram aproximadamente R$ 188 milhões em um fim de semana com hospedagem, entretenimento e compras. Segundo seus organizadores, 30% do público que virá para a próxima Parada, a ser realizada no dia 26 de junho, vão gastar com compras e com entretenimento. “Esse é um filão que todo empresário quer”, diz o empresário André Almada, dono da The Week e outras casas noturnas voltadas ao público GLBT. “Esses consumidores querem qualidade e não se importam de pagar bem.” 

 

No alvo dos bancos estão casais como o ator e empresário Ailton Almeida e seu companheiro e sócio Benedito dos Reis. Juntos há 23 anos, o casal retira boa parte de sua renda das apresentações de Almeida, como a drag queen Sissi Girl, produzidas por Reis. A união já deu frutos, como casa própria. O próximo passo será uma previdência privada. “Essa possibilidade não está descartada”, diz Almeida.