DINHEIRO ? O sr. está desapontado com a política econômica?
BRESSER ? Embora eu tenha votado em José Serra, tive esperança de que o Lula fosse mudar de forma decisiva a política econômica. Mas agora, entrando no sexto mês de governo, não vejo mudança nenhuma. A política econômica é a mesma de Pedro Malan: aquela recomendada por Washington e Nova York, aquela que agrada ao sistema financeiro internacional, aquela que tem mantido o Brasil semi-estagnado desde o governo Fernando Collor.

DINHEIRO ? Lula tem pedido paciência…
BRESSER ? Pois é. Em fevereiro eu escrevi um artigo dizendo que Lula não estava traindo ninguém, que dar continuidade às políticas de Fernando Henrique era inevitável pelas circunstâncias. Eu dizia que antes de o dólar cair a R$ 3,20 e do risco Brasil ficar abaixo de 1.000 pontos, não se podia mudar a política macroeconômica. E havia também a crise do Iraque. Era natural que se tentasse recuperar a confiança. Mas essas coisas todas ficaram para trás e mesmo assim não se mudou nada. Pelo contrário. O que a crise havia produzido de bom ? a elevação do câmbio para R$ 3,50 por dólar ? foi destruído. Voltamos à política macroeconômica do governo Malan.

DINHEIRO ? Como o sr. descreve essa política?
BRESSER ? É simples: juro alto, câmbio baixo e dependência da poupança externa. Mas o fato é que só é possível um país se desenvolver se tiver câmbio alto e juro baixo.

DINHEIRO ? O sr. acha mesmo que está se repetindo o Malan? Afinal, há resultados positivos…
BRESSER ? A política é igual no método e os resultados serão igualmente desastrosos. Malan nos manteve semi-estagnados por oito anos e nos levou a duas crises de balanço de pagamentos, uma em 1998 e outra em 2002. Malan dizia que fazia tudo isso em nome da estabilidade macroeconômica, mas o fato é que estabilidade é mais do que simples estabilidade de preços ? envolve também déficit público sob controle, déficit em conta corrente controlado e razoável pleno emprego. Sem isso não há desenvolvimento. Reduzir a estabilidade macroeconômica apenas à estabilidade de preços é uma forma vesga de olhar a realidade. E provoca desastre.

DINHEIRO ? Mas mesmo os economistas que discordam do atual patamar de juro dizem que ele vai reduzir a inflação.
BRESSER ? Pois eu afirmo que não. Eu digo que essa é uma política profundamente ineficiente de combate à inflação, profundamente irracional no caso da economia brasileira. O próprio Banco Central tem dito que estamos lidando com uma inflação inercial, causada pela desvalorização de 2002. Os efeitos dessa desvalorização se esgotaram, mas ficou um resíduo e tudo indica que temos hoje uma inflação inercial de 10% ou 11%.

DINHEIRO ? Mas por que essa inflação inercial resiste em um ambiente de desemprego elevado e recessão?
BRESSER ? Porque é assim que ela funciona. Ela persiste apesar da estagnação e da recessão, apesar
da falta de demanda. Já se sabe desde meados dos anos 80 que nesse tipo de ambiente inflacionário as políticas de contenção de demanda e de juros elevado são totalmente ineficazes. A única
forma de acabar com a inflação inercial é desindexar. Acabamos
com a inflação em 1994 sem recessão, através da URV. Ela foi o mecanismo desindexador.

DINHEIRO ? Mas alguém poderia sugerir que desde então a inflação brasileira mudou, que ela hoje é de um tipo mais ortodoxo…
BRESSER ? Poderia, mas a diretoria do Banco Central está dizendo que a inflação é inercial, e que por isso as taxas de juros têm de ser elevadas. Quando fazem esse tipo de afirmação eles demonstram enorme incompetência. Chega a ser patético. Se dissessem que a inflação é de demanda estaria errado, mas haveria lógica. Mas dizer que a inflação é inercial e propor o juro elevado como solução é totalmente absurdo.

DINHEIRO ? Qual é a maneira de combater a inflação inercial?
BRESSER ? A maneira de lidar com a inflação inercial é desindexando. O presidente Lula, que está com 80% de aprovação popular, deveria estar com toda a sua equipe convencendo os trabalhadores e os empresários a não indexarem os seus salários. E se isso não for viável, teriam de encontrar mecanismos que impedissem a
indexação, porque ela é desastrosa para a economia brasileira.
Este ano já tivemos o segundo estágio da inercialização da
economia, que foi a indexação dos salários. Segundo o Dieese, dos
27 acordos que houve nos últimos quatro meses quase todos foram com INPC pleno. Os trabalhadores indexaram seus salários com apoio dos empresários. Esse é um fator fundamental de inflação inercial e tem de ser combatido. A idéia de destruir a inércia pela recessão é inútil e dolorosa.

DINHEIRO ? Mas a queda da inflação registrada nos últimos indicadores não mostra que o remédio está funcionando?
BRESSER ? De forma nenhuma. A política Hiroshima e Nagasaki que o Banco Central está usando não funciona. A inflação está caindo porque a bolha causada pela desvalorização de 2002 está acabando. Se não houvesse inércia nenhuma, a inflação cairia para 2% ou 3%. Mas como há inércia, e os reajustes salariais estão sendo dados, a inflação vai se estabilizar em torno de 10% ou 11%. Não cai abaixo disso porque é inercial. A política de destruição em massa do BC não está dando resultado nenhum.

DINHEIRO ? Como se explica que o BC ignore algo tão óbvio?
BRESSER ? Porque a teoria da inflação inercial é brasileira e nunca foi aceita em Washington e Nova York. E mesmo no Brasil muita gente não entendeu direito. E agora o governo está tentando obter credibilidade junto aos mercados financeiros internacionais e eles têm uma teoria errada sobre a inflação brasileira. O governo acaba fazendo errado porque está pensando com a cabeça do FMI, do Tesouro americano e do sistema financeiro internacional.

DINHEIRO ? Mas credibilidade é importante.
BRESSER ? Credibilidade é importante, mas não a qualquer custo. Nos últimos 10 ou 15 anos criou-se em Washington a teoria de que países como o Brasil só poderiam se desenvolver com poupança externa. Isso é uma tolice, mas virou um axioma. Aí vêm os nossos financiadores e nos dizem: para ter acesso à poupança externa é preciso ter credibilidade, e para ter credibilidade é preciso fazer tudo aquilo que nós sugerimos: juros altos, âncoras cambiais… Isso é uma loucura. Isso é falta de juízo. Administramos a nossa economia com a cabeça mal informada dos outros.

DINHEIRO ? Não o surpreende que o PT faça esse papel?
BRESSER ? Não muito. Um problema que têm os partidos de
esquerda quando chegam ao governo é que eles se sentem
inseguros e ameaçados. Eles mesmos precisam de credibilidade.
E isso acaba sendo sinônimo de fazer tudo que a direita, o poder ou o establishment desejam. É isso que está acontecendo.
Mas eu não perdi a esperança. O Lula é sério, responsável, preocupado com o interesse público. Esse tipo de política que
está sendo adotado é totalmente incompatível com o que Lula é.
Se o debate público continuar, mais cedo ou mais tarde o presidente muda essa política. Com ela o Brasil não liquida a inflação e nem retoma o desenvolvimento.

DINHEIRO ? Mas o governo diz que o País está no limiar de um círculo virtuoso…
BRESSER ? Estamos quase lá, não é? De repente a taxa de juro vai começar a cair, o câmbio vai subir um pouco, os investimentos vão retornar e o País vai crescer enormemente. Mas isso é uma tolice imensa. Nós estamos em uma armadilha perversa de juros altos e câmbio baixo. O País não sai dela se não tiver muita determinação e muita coragem. O mercado não tem mecanismos automáticos que permitam sair dessa situação. Sem dúvida terá de haver uma ruptura.

DINHEIRO ? Mas é possível romper?
BRESSER ? Eu lembro que durante a campanha um importante líder do PSDB me dizia: ?Não tem alternativa. A saída ortodoxa é a única que os nossos credores aceitam?. Mas a subserviência implícita nessa frase não compreende a lógica do mercado financeiro. Ele não é dogmático. Se você faz o que é certo, se a coisa começa a dar certo, o mercado muda de posição com rapidez. O Plano Real foi feito a despeito das opiniões do mercado. Deu certo e ele aplaudiu. A desvalorização cambial de janeiro de 1999 foi feita contra a opinião dele, mas quando deu certo o mercado bateu palma.

DINHEIRO ? Nesse contexto de estagnação e ortodoxia, como ficam as promessas de crescimento do presidente Lula?
BRESSER ? Acho que uma parte do PT acredita que a política industrial ou de financiamento vai produzir crescimento, a despeito da política macroeconômica. Mas isso é uma ilusão, porque só existe crescimento quando há investimento e só há investimento quando a taxa de juros é baixa. Sem investimento não há desenvolvimento nenhum, não adianta fazer política industrial ou tecnológica. Mas eu não acho que o Lula acredite nessa ilusão. Vejo uma insatisfação com a taxa de juro, mas ele está mal informado e não vê alternativa.

DINHEIRO ? O vice-presidente está certo?
BRESSER ? Quando o PT foi eleito, eu disse que o governo do Lula poderia restabelecer o pacto dos trabalhadores com os industriais brasileiros. Previ que se faria uma grande aliança positiva. Mas essa política atual do BC e da Fazenda está inviabilizando isso. E o José Alencar reflete a frustração. Ele fala pelos empresários industriais. Isso não me escandaliza em absoluto.

DINHEIRO ? E o câmbio?
BRESSER ? Ele é o preço mais importante da economia. Qualquer país que se preze administra sua taxa de câmbio. Até os EUA fazem isso. Os países que se desenvolveram no século XX tiveram taxas de câmbio desvalorizadas e administradas. Durante a eleição o Lula defendeu a idéia de que o governo do PT pensaria estrategicamente o desenvolvimento do País. Para fazer isso tem de pensar em primeiro lugar na taxa de câmbio. Mas para isso você não pode ter completa mobilidade de capitais. Quando o mercado começa a se entusiasmar com você, você tem de impedir a entrada de capitais, como fez o Chile. Assim o câmbio não se valoriza. É irresponsabilidade deixar a taxa de câmbio ao sabor do mercado.