DINHEIRO ? O presidente Lula está governando bem?
TASSO JEREISSATI ? Não. Ele montou o governo errado, criou ministérios
demais, extremamente partidarizado, e promoveu um leilão de cargos políticos. Sensibilidade para os problemas do País o Lula até tem. O que falta a ele é experiência administrativa para ser mais eficiente.

DINHEIRO ? O presidente tem falado bastante em crescimento econômico. O sr. reconhece essa prioridade nas ações de governo?
TASSO ? O presidente Lula tem uma enorme dificuldade para entender quais são
as condições objetivas para o crescimento. Ele só vai acordar de fato para a questão do crescimento quando se dispuser a criar todas as condições para os investimentos. É preciso, para começar, um sistema tributário bem mais leve e estável. Esse governo não quer mexer nisso. Também precisa de marco regulatório mais claro
e de redução das exigências burocráticas.

DINHEIRO ? E a política macroeconômica?
TASSO ? Na macroeconomia, o governo está trabalhando até surpreendentemente bem. O ministro Antônio Palocci, sem dúvida, tem sido uma grata surpresa. O superávit primário está correto, a política de ajuste financeiro é bastante responsável, os compromissos básicos no controle da inflação estão no bom caminho. O maior problema macro é que o Banco Central está errando e atrapalhando o governo.

DINHEIRO ? Que erros são esses?
TASSO ? O Banco Central de Henrique Meirelles está sendo duro demais para segurar a inflação. Errou em janeiro quando interrompeu a queda dos juros. Estávamos num momento maravilhoso para alavancar o crescimento, mas aquela decisão afetou psicologicamente o empresariado, afetou tudo, mudou o clima do País. Agora errou de novo, perdeu de novo o timing. Dava para dar uma sinalizada de queda.

DINHEIRO ? Até que ponto a falta de unidade da equipe econômica agrava o problema?
TASSO ? Está faltando unidade é ao governo inteiro. O governo tem várias fontes de pensamentos e ações contrastantes e contraditórias. Um dos problemas centrais para os investidores é a percepção de que o José Dirceu pensa uma coisa, o Palocci outra, o Guido Mantega uma terceira e o Mercadante uma quarta. Dá a impressão de que o governo como um todo não tem convicção do que está fazendo. Pior, não tem um projeto, e que a qualquer momento pode mudar tudo em função da desgraça do ministro A ou da vitória do ministro B. São tantas visões diferentes que já ficou difícil até dizer quantas linhas de pensamento econômico têm. Não fica claro sequer quem está com quem ou contra quem.

DINHEIRO ? O vice José Alencar entra neste contexto?
TASSO ? Sem dúvida. Na medida em que o governo já sofre um problema de credibilidade por causa do partido, que passou a vida inteira pregando uma série
de medidas que hoje são consideradas pelo próprio PT como loucura, o vice agrava esse quadro com suas divergências públicas. Ajuda a passar à sociedade a imagem de que o governo não acredita naquilo que está fazendo. E não acreditando, pode mudar a qualquer momento. Isso é uma coisa importantíssima que se está passando, e que é negativa para o crescimento. O José Alencar é um homem experiente, vitorioso na vida. Como já faz parte de um governo que tem déficit de credibilidade, ele deveria ser mais cuidadoso.

DINHEIRO ? Afinal, o que este governo tem de bom e o que está dando certo?
TASSO ? Diretriz central da política econômica é muito positiva. Ela passou a noção do compromisso com ajuste fiscal, que não vai abrir mão da política de combate à inflação. Isso é muito no contexto geral, mas é muito difícil apontar outra virtude.

DINHEIRO ? E as políticas industrial e externa?
TASSO ? A política industrial não existe, foi apenas anunciada. A política externa a meu ver é correta, mas nada de novo ou brilhante que tenha trazido vantagens ao Brasil. Está havendo algum sucesso na diversificação dos parceiros comerciais, como a China, mas por outro lado tem o problema dos nossos parceiros tradicionais, Estados Unidos e Europa, que não devemos desprezar. O governo não está exatamente os desprezando, mas tende a ativar alguns confrontos desnecessários. Estão sendo ditas algumas frases gratuitas, que soam como bravatas tolas.

DINHEIRO ? Por que o ministério de Lula é pior do que o de Fernando Henrique?
TASSO ? O ministério anterior podia ter pessoas distoantes aqui e ali, mas tinha a marca do presidente. O problema maior do Lula é que ainda falta uma direção ao governo, a marca do Lula, um projeto. A prioridade social deveria ser essa marca, mas não passou de um slogan, o Fome Zero. Aliás, a única grande marca de Lula
até agora é de criar um governo mais de slogans do que de projetos efetivos.
Falta mais ousadia e criatividade. Mas falta, principalmente, a noção de governo.
Tem de ter uma coordenação, tem de ter ação, competência. Enfim, tem de ter resultados e não slogans.

DINHEIRO ? Muitos empresários o procuram em seu gabinete. Quais as principais preocupações e queixas?
TASSO ? Tenho conversado muito com empresários,
mas o que de fato está me surpreendendo é a quan-
tidade de sindicalistas que estão me procurando. Impressiona os vazios que o PT no governo deixou.
A preocupação central é a sensação de desamparo
por falta de um projeto. Não enxergam claramente o projeto do governo, para o que veio e para onde pretende ir. É grave essa sensação de desamparo e desesperança, essa falta de perspectiva.

DINHEIRO ? O que o empresário deve esperar daqui para frente do governo?
TASSO ? Há quem pense que o governo será medíocre até o fim e que o empresariado não deve esperar mais nada do governo, e ir tocando a sua vida por conta própria. Mas eu ainda tenho a esperança de que o Lula logo tenha um clique e diga: ?Eu preciso me reorganizar aqui e começar a governar. Vamos despartidarizar, vamos conversar, ter um projeto, colocar quem é mais competente para cada cargo?. Tenho a percepção um pouco mais otimista. O empresário deve tocar a vida sozinho, mas acho que Lula tem a capacidade de despertar e arrumar a casa.

DINHEIRO ? O Congresso não tem votado nada de relevante para a economia. Por quê?
TASSO ? A culpa é do governo, que excede no envio de medidas provisórias e atropela a pauta normal. Trata-se de um problema causado pelo próprio PT. O partido reclamava muito do excesso de MPs durante o governo FHC. Então o Congresso aprovou uma lei, por iniciativa petista, estabelecendo que a pauta do Congresso ficaria toda presa enquanto as MPs não fossem votadas em ordem cronológica de entrada. Era para evitar abusos de Fernando Henrique, mas o governo Lula acabou sendo vítima dessa armadilha. Na semana passada, tínhamos que votar temas essenciais da agenda econômica, mas havia 14 MPs na fila. Quando a gente pensava que iria começar as votações, o governo apresentou mais duas MPs desnecessárias. Nosso problema é que o governo está errando na avaliação do que é importante e tentando resolver tudo por medida provisória.

DINHEIRO ? Qual é a situação da agenda econômica?
TASSO ? Os empresários precisam entender que é preciso respeitar o debate político até a exaustão. A agenda está andando, mesmo que não seja no ritmo desejado por muitos. Existem 81 senadores e 513 deputados, cada um representando interesses diferentes. Eu mesmo, por exemplo, quero discutir melhor a Lei das Parcerias Público-Privadas. Do jeito que está, acho que fere a Lei da Responsabilidade Fiscal na medida em que o Estado assume a obrigação de subsídios futuros com o parceiro privado. Outros acham que isso não é dívida pública. Eu acho que sim.

 

DINHEIRO ? Mas quando o Congresso fará sua parte aprovando agenda do crescimento?
TASSO ? As PPPs serão votadas na Comissão de Assuntos Econômicos na próxima semana. No plenário, em fins de junho. Se eu conseguir mudá-la, volta tudo para a Câmara. Neste caso, na melhor das hipóteses, as PPPs só entrarão em vigor no final do ano. A Lei de Falências está correndo com extrema celeridade aqui no Senado. Já estaria vigorando se não fosse o excesso de MPs. Calculo sua aprovação em fins de junho. A lei das Agências Reguladoras será votada em meados de junho, mas pode ser mudada. Aí, volta para Câmara. Muitos queriam que a Lei da Biossegurança, que regulamenta os transgênicos, tivesse uma tramitação mais rápida, mas acabamos de decidir que as discussões ainda passarão por quatro comissões temáticas. Pode ser aprovada até o final do ano.

DINHEIRO ? Por que o governo tem perdido votações
no Congresso?
TASSO ? Os partidos do governo não conversam entre si no sentido de ter uma base programática. Pior, o jogo político tem sido feito exclusivamente em cima de interesses imediatos de cargos. O governo Lula já começou errando ao apontar para esse jogo fisiológico de baixo nível, pedindo apoio político em troca de cargos. Isso é quase irreversível. Além disso, o governo está errando sozinho. A oposição sequer tem precisado acertar. Há, ainda, problemas entre as bancadas e as lideranças do governo no Congresso. Aqui no Senado, o líder Aloízio Mercadante tem muitas virtudes, mas é um homem de temperamento difícil diante de uma bancada mais difícil ainda, que só sabe fazer oposição. Vai demorar um pouco até o governo retomar as rédeas.

DINHEIRO ? Como o sr. avalia a idéia anunciada pelo presidente Lula de criar metas de crescimento?
TASSO ? Isso não cola. Não se faz crescimento por decreto.

DINHEIRO ? É correto aumentar as metas de inflação para 2005 e 2006?
TASSO ? Tenho dúvidas se isso terá algum efeito prático. As metas são muito drásticas, mas acho que perdemos o timing.

DINHEIRO ? O sr. acha que pode ajudar o governo a governar na posição de futuro presidente do Senado?
TASSO ? Eu sou do PSDB e meu partido não é majoritário no Senado. É melhor que eu não faça conjecturas.