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São 16h36 da terça-feira 23 e o presidente do Citibank no Brasil, Gustavo Marín, desce pelos elevadores do edifício Tomie Othake, no início da avenida Faria Lima, em São Paulo. 

Ele vinha do 12º andar, onde funciona o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), uma instituição privada mantida pelos bancos, com quase R$ 30 bilhões em ativos e que tem como missão preservar a saúde do sistema financeiro, oferecendo cobertura de até R$ 60 mil aos depositantes. 

 

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“A confiança não se faz só no discurso. Depende das ações concretas”

Gabriel Jorge Ferreira, presidente do Fundo Garantidor de Crédito

 

Marín havia acabado de se reunir com Gabriel Jorge Ferreira, presidente do FGC. Queria entender melhor o caso PanAmericano e sondar eventuais oportunidades para o Citibank ? um banco que, em 2008, cogitou comprar o braço financeiro do grupo Silvio Santos. 

 

Naquele mesmo instante, um emissário do bilionário mexicano Ricardo Salinas, magnata da área de televisão, varejo e do sistema financeiro em seu país, chega à sede do SBT para um encontro com o apresentador mais famoso do Brasil e dono do PanAmericano.

 

Ferreira não confirma nenhuma das informações ? uma delas testemunhada pela reportagem da DINHEIRO na chegada ao edifício Tomie Othake e a outra apurada com antecedência. ?Qualquer decisão de venda é do controlador, não nossa?, diz o presidente do conselho do FGC.

 

Assim é Ferreira, um banqueiro que completou 75 anos em pleno turbilhão do caso PanAmericano e se caracteriza por ouvir mais do que falar. Foi essa qualidade que lhe permitiu testemunhar ? e também conduzir ? alguns lances decisivos na história do sistema financeiro. 

 

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Depois de conduzir o aporte de R$ 2,5 bilhões no panamericano, ele se tornou amigo de Silvio Santos e terá influência na venda de ativos do grupo

 

Em 2002, quando presidia a Febraban, decidiu abrir as portas da poderosa federação dos bancos privados para uma visita do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. A Febraban ainda funcionava na região do Vale do Anhangabaú, em São Paulo, que estava lotada de manifestantes do PT com faixas contra o acordo do Brasil com o Fundo Monetário Internacional. 

 

Antes do tête-à-tête com os banqueiros, Lula pediu uma conversa reservada com ?Dr. Gabriel? e perguntou o que deveria dizer. ?Ouça seu coração?, disse ele ao candidato. Gabriel sugeriu apenas que ele adotasse a mesma linha de um discurso recente na Confederação Nacional da Indústria e Lula seguiu o conselho. 

 

Disse que havia mudado muito nos últimos anos, assim como todos os que estavam presentes à reunião da Febraban. No fim, foi aplaudido de pé pelos banqueiros e construiu um laço de credibilidade com o setor empresarial, que ajudou a selar sua vitória.

 

A construção de pontes fundadas na confiança tem sido a especialidade de Ferreira. Em 2008, quando o Itaú e o Unibanco se uniram, ele foi a pessoa convidada pelos banqueiros Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles para amarrar todos os contratos entre as partes.

Embora fosse ligado ao Unibanco, foi sugerido para a missão pelo presidente do Itaú. ?Olha, Pedro, não tem necessidade de nenhum escritório de advocacia, eu conheço o Gabriel há muitos anos e ele é uma pessoa da minha total confiança?, disse Roberto Setubal ao futuro sócio, na época da negociação. 

 

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Ligado ao Unibanco, de Moreira Salles, ele foi chamado pelo Itaú, de Setubal, para amarrar a fusão. Fez também a sucessão de Walter Moreira Salles 

 

Pedro Moreira Salles, naturalmente, não fez nenhuma objeção. Em poucas semanas, sem que nada vazasse, todos os contratos estavam prontos. ?O sigilo e a confidencialidade são inerentes à nossa atividade e vitais para o sucesso de qualquer operação desse tipo?, diz Ferreira. ?Há coisas que nem o cônjuge pode saber.? 

 

No caso do PanAmericano, apenas seis pessoas do Fundo Garantidor de Crédito tiveram conhecimento da operação. Em todas as reuniões no edifício Tomie Othake, Silvio Santos compareceu sozinho. 

 

Na primeira delas, chegou com duas malas executivas, repletas de reportagens, balanços e relatórios de auditoria e de analistas dos bancos de investimento referentes ao PanAmericano. 

 

?O que eu sabia sobre o banco é o que aparecia nesses documentos?, disse o apresentador aos técnicos do FGC. A preocupação do empresário era demonstrar que agia de boa- fé e que havia sido ludibriado pelos executivos e auditores ? no caso a Deloitte ? do PanAmericano. 

 

Em 15 dias, a operação foi concluída, também sem nenhum vazamento. ?Foi um trabalho conduzido com muito profissionalismo?, disse à DINHEIRO Henrique Meirelles, presidente do Banco Central. 

 

?O Gabriel é uma pessoa serena e confiável e que sempre cumpre as missões que lhe são confiadas?, reforça Fabio Barbosa, seu sucessor na Febraban e também presidente do Santander.

 

Nascido em uma família humilde, filho de um retirante alagoano, que reparava máquinas de costura, Ferreira teve como mestre o banqueiro Walter Moreira Salles, fundador do Unibanco. ?Ele ensinava que a confiança não se faz no discurso, mas, sobretudo, nas atitudes?, diz Ferreira. 

 

Um de seus primeiros empregos foi na Deltec, uma empresa de investimento que, posteriormente, foi adquirida pelo Unibanco. No banco dos Moreira Salles, formado, como o próprio nome indica, pela união de vários bancos, Ferreira foi sempre chamado a participar dos processos de fusão ? e isso aconteceu, inclusive, na incorporação do Nacional em 1995. 

 

Advogado formado pela USP, no Largo do São Francisco, ele se tornou uma pessoa próxima ao embaixador Walter Moreira Salles. Tanto que organizou sua  sucessão, garantindo os direitos de cada um dos filhos: os executivos, como Pedro e Fernando, e os cineastas, como Walter e João.

 

Ferreira também conquistou a confiança instantânea de Silvio Santos. Os dois hoje são amigos próximos. Eles se falam com frequência e trocam sugestões de filmes. Cinéfilo, com mais de 3,5 mil filmes em casa, o presidente do Fundo Garantidor de Crédito jamais dirá que participa de qualquer negociação relacionada à venda de ativos do grupo Silvio Santos, como as empresas Jequiti, Lojas do Baú e o próprio SBT. Diz apenas que haverá muitos interessados, tanto na compra como na estruturação das operações. ?São ativos muito bons?, garante.

 

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