03/08/2005 - 7:00
Noel Rosa, relapso estudante de medicina, confundiu alhos e bugalhos ao escrever, na letra de uma de suas canções, nos anos 1930, que o ?coração, grande órgão propulsor? é ?transformador do sangue venoso em arterial?. Erro crasso, substituído em versões posteriores por ?distribuidor?. O deslize em nada arranhou a genialidade do poeta de Vila Isabel mas tornou-se anedota da MPB. Tropeços deste quilate, por permanecer na ativa, em consultório, cinco vezes por semana, dificilmente podem ocorrer com o nefrologista capixaba Roberto Gomes Serpa ao tratar de sua paixão longe do jaleco ? o vinho. Discípulo de Hipócrates e Baco, Serpa assegura: ?O rim é como uma esponja de artérias e o vinho, ao impedir a formação de placas, auxilia na vascularização renal?. O médico vai logo avisando que uma bela garrafa de tinto ou branco não é álcool. ?Trata-se de nutriente líquido, é complemento alimentar?.
Cézar Romero
Roberto Serpa: ?Vinho não é álcool, é nutriente líquido, é complemento alimentar?
Se é assim, e assim é, o evento organizado todos os anos por Serpa nas montanhas de Pedra Azul, a 90 quilômetros de Vitória, no Espírito Santo (5 graus no inverno), abraça uma tremenda festa gastronômica ? Baco ficaria feliz, Noel faria sambas e Hipócrates nada diria. O encontro internacional, em sua oitava edição, reúne, ao redor de rótulos espetaculares, a fina nata dos amantes de degustações. A cidade turística, espécie de Campos do Jordão do Espírito Santo, pára ao saborear a bebida. O hotel onde é feito o rega-bofe fica lotado, as outras pousadas lutam para conseguir vagas. O encontro de Pedra Azul já trouxe Paul Pontallier, enólogo do Château Margaux. Este ano, trará Pierre Lurton, de Saint Emilion, na Dordonha, ancorado em 9 caixas de safras nota 100 segundo o crítico Robert Parker. Grandes premiers cru de Bordeaux e da Borgonha fizeram, em anos passados, a alegria de mais de 2100 pessoas ? 300 felizardos a cada temporada. Em 2005, as degustações custarão até R$ 3.000, além da hospedagem (leia quadro acima) de 4 a 7 de agosto.
Cézar Romero
Pedra Azul: A 90 quilômetros de Vitória, temperatura de apenas 5 graus no inverno
?É um círculo de amizades e conhecimento?, resume Serpa. Para ele, é uma conquista. Ao retornar a Vitória, nos anos 1970, depois da temporada no Rio, apaixonou-se pelo vinho. O primeiro passo foi reunir amigos em uma confraria, a ?Sereníssima?, debruçada diante de um Château d?Yquem (leia abaixo). Nada muito duro para quem, aos 20 anos, quis montar um campo de futebol com os parceiros de copo e bisturi. Afeito a desafios, Serpa cismou em plantar no chão de Vitória a grama do estádio do Maracanã. Dito e feito, foi ao Rio e comprou o capim santo. Em incontáveis finais de semana, a turma bateu bola no mesmo tipo de vegetação na qual desfilaram Pelé, Rivelino, Zico e Roberto Dinamite. Talvez seja mais fácil importar e oferecer garrafas do extraordinário Romanée Conti 2000, o sonho de Serpa, que plantar a lendária grama alhures. O nefrologista, como cantaria Noel, desta vez corretamente, é um grande órgão distribuidor dos prazeres da mesa.
A origem
Château d?Yquem 1976
Em 1982, Serpa reuniu amigos na degustação
do mais famoso vinho doce do mundo, produzido
na região de Sauternes, ao qual o enólogo
americano Robert Parker atribuiu a nota máxima,
100 pontos. Custou, à época, US$ 500
O ápice
Haut-Brion 1989
Consumido no encontro de 2004, é um dos Bordeaux
de melhor safra da história. Com sabor de chocolate amargo ao final, também foi celebrado com o
100 de Robert Parker. O preço da garrafa:
pouco mais de US$ 1000
O sonho
Romanée-Conti 2000
Uma das ambições é realizar uma ampla degustação
com a jóia da Borgonha, o tinto a base de uvas
Pinot Noir produzido em um minúsculo vinhedo de 1,8 hectare. Cada garrafa pode chegar a US$ 3500