DINHEIRO ? Muitos analistas apontam o câmbio como o maior problema na economia brasileira. O sr. concorda com isso?
CLAUDIO HADDAD ?
Câmbio flutuante é para flutuar. A vantagem desse sistema é que ele propicia um ajustamento automático do balanço de pagamentos. Se há falta de dólar no mercado, o câmbio se valoriza. Se há excesso, o câmbio se desvaloriza. A partir dessas variações de preço, acontece o ajustamento no mercado monetário, no mercado de divisas. Não tem nada a ver com exportações e importações. O mercado de divisas vai estar sempre equilibrado. Então, a questão não é se é possível fechar, ou não. A própria mecânica resolve. É assim com o preço do tomate. Se ele sobe, restringe o consumo do tomate. Ou faz aparecer mais tomate no mercado. É a mesma coisa com o câmbio. Por isso defendo que o mercado se ajuste só.

DINHEIRO ? Então, a livre flutuação vai resolver sempre o problema do balanço de pagamentos?
HADDAD ?
Nós vivemos 70 anos com o câmbio controlado no Brasil. É a primeira vez que temos um regime de câmbio flutuante, embora, teoricamente, ele existisse desde 1994. Mas, na prática, o BC de Gustavo Franco intervia no mercado, fixava um corredor e as variações eram todas administradas. Ou seja, não era flutuante, era administrado. Ou quase fixo. É a primeira vez na história moderna que estamos com um câmbio flutuante. Culturalmente, é meio complicado as pessoas se adaptarem a essa nova realidade. Então, ficam fazendo contas: ?Será que o déficit esperado em conta corrente mais o investimento direto vai fechar a conta??. Com câmbio flutuante, a conta sempre fecha de alguma maneira. Pode fechar com um nível de câmbio considerado indesejável por algumas pessoas.

DINHEIRO ? E isso não é um problema para as empresas?
HADDAD ?
Um câmbio mais desvalorizado torna as importações mais caras. Por outro lado, dá incentivo para as exportações. Não é isso que se quer hoje? O que se fala agora é que é exportar ou morrer. A desvalorização do câmbio teoricamente ajuda esse objetivo. O câmbio prejudica uns, beneficia outros. Essa é a vida.

DINHEIRO ? Mas por causa do câmbio os ativos brasileiros estão muito baratos…
HADDAD ?
Às vezes a gente parte do pressuposto de que o mercado e as pessoas são idiotas. Se a empresa estiver tão barata assim, por que vou vender? Quem participou de um processo de compra e venda de empresa sabe que não é assim. Quando o preço de uma empresa é fixado em moeda forte, ninguém olha a taxa de câmbio do dia. É levado em conta uma perspectiva de fluxo da empresa que vai ser transformada em um câmbio médio. Mesmo que o real tenha se desvalorizado, o preço da empresa não muda. Comprador e vendedor vão chegar a um preço que atenda aos interesses dos dois.

DINHEIRO ? As empresas também sentem a pressão do câmbio em seus balanços, porque são muito endividadas em dólar, não?
HADDAD ?
Uma empresa tem de fazer sua alocação de riscos e ver o que lhe é mais conveniente. Se ela vai tomar financiamentos em dólar, e não tem parte das receitas ou ativos dolarizados, ela está tomando um risco consciente. Ela está fazendo uma aposta. Para um exportador tomar dinheiro em dólar é perfeitamente natural. Também faz sentido uma empresa que tem um ativo dolarizável endividar-se em dólar. Quem tem receitas em real e toma dinheiro em dólar, está assumindo um risco. A empresa pode ganhar ou perder. Suponha que perca. É problema dela. É o mesmo que escolher uma tecnologia errada. Paciência, o que se pode fazer. Por que o governo necessariamente tem de proteger empresas que tomaram decisões erradas, sejam elas financeiras, estratégicas ou tecnológicas?

DINHEIRO ? O Banco Central está certo ao intervir no mercado e gastar reservas para tentar conter a alta do dólar?
HADDAD ?
A motivação do BC não é muita clara. Ele não tem se manifestado muito a respeito. Mas me parece que a maior preocupação do BC quando intervém é com a inflação. Uma vez que tenha metas fixadas, e pretende alcançá-las, é natural que fique preocupado com as pressões externas. Talvez, a preocupação de controlar o câmbio é se a inflação vai aumentar no futuro. Só que é uma estratégia arriscada.

DINHEIRO ? Por quê?
HADDAD ?
Primeiro, ninguém sabe qual é o câmbio de equilíbrio. Sempre haverá um câmbio que irá equilibrar o balanço de pagamentos. Pode ser R$ 2,70, R$ 3,50 ou R$ 2,20. Ninguém sabe. E, um erro nessa área, pode custar muito caro. O BC está vendendo papéis cambiais e se o câmbio se valorizar, pode ser uma operação financeiramente boa para o governo. Mas se o real continuar a se desvalorizar pode custar muito caro ao governo. Hoje, 45% da dívida interna pública é dolarizada. Sendo assim, o BC deveria ter muita cautela e se abster de continuar a vender dólar. As receitas do governo estão em reais. Além de que a maior parte dos ativos do governo também é em reais. O governo tem ações da Petrobras, que podem ser consideradas dolarizadas. Tem também reservas internacionais. O que sobra de receitas é em reais. Se um banco privado tivesse fazendo o que o BC está fazendo, seria acusado de gestão temerária.

DINHEIRO ? Como assim?
HADDAD ?
Não estou querendo criticar as razões e motivações do Banco Central. Armínio Fraga é competente e tem excelentes profissionais. Também não estou acusando o BC de estar fora
da lei. Um banco privado tem regras a seguir. E, usando os mesmo critérios de um banco privado, seria inaceitável o que o BC
tem feito. Sei que Armínio tem suas razões, mas a intervenção tem sido pouco prudente.

DINHEIRO ? Uma desvalorização de quase 40% não implica repasse para inflação…
HADDAD ?
Isso existe para o câmbio como para qualquer outro preço importante na economia. Quando o preço do petróleo sobe, também existe o risco de repasse, que pode pressionar os índices de inflação. Claro que, como câmbio é um preço fundamental, toda vez que ele se desvaloriza, vai ter um impacto em vários preços da economia. Agora, esse impacto é minimizado, à medida que não existem mais no País mecanismos automáticos de indexação e as contas do governo apresentam superávit operacional. Sei que o governo, apesar do superávit primário de 3% a 3,5% do PIB, continua com déficit por causa dos juros que são pagos. O governo está se esforçando para manter suas contas em ordem. E mesmo que os preços subam hoje, não significa que continuarão subindo e muito menos que vão se acelerar. Se tinha uma desvalorização de 30%, a inflação pulava de 100% para 200%. Isso não existe mais.

DINHEIRO ? Depois dessa escalada do dólar, algumas pessoas sugeriam a volta de controles cambiais. Qual a sua opinião?
HADDAD ?
O problema não é a saída de dólares. É pouco dólar entrando. Se existisse uma grande fuga de capitais no Brasil, ou todo mundo sacando da dívida interna para comprar dólar e remeter para o exterior, é uma coisa. Isso aconteceu na crise da Ásia. É possível até colocar controles temporários de remessa até o sufoco passar. Tudo isso é muito discutível. Sou contra os controles, mas admito discuti-los em momento de crise. Mas o problema é outro. O País esperava um grande volume de investimento direto e financiamento para 2001 e 2002. O que está acontecendo?
Diminui o investimento e os financiamentos estão sendo cortados. Em que medida um controle de câmbio ajuda numa situação
dessa? O BC criaria uma taxa dupla, voltaria a ter um mercado paralelo. Voltaríamos 15 anos. Aí é que o dólar ia subir mesmo. Colocaria as empresas na ilegalidade, iria criminalizar todo mundo e não iria evitar que as pessoas comprassem dólares no paralelo. Isso não resolve nada.

DINHEIRO ? E o que é preciso fazer?
HADDAD ?
O BC deveria ter uma política de reservas. Ele tem que dizer quais são os compromissos externos para os próximos 36 meses ? seja pagamento de dívida ou importação ? e manter esse dinheiro em caixa. No dia-a-dia, não há problema em atuar para dar mais liquidez ao mercado. Não para fixar tendências. O BC tem que deixar claro que a taxa será a que o mercado fizer. É o oposto do controle cambial. O problema do mercado é que é muito regulado. Só pode participar quem é importador, exportador, os bancos… Tem que aumentar o acesso e a desregulamentação cambial, para criar liquidez. É preciso dar mais mercado e não menos mercado.

DINHEIRO ? O sr. acha que o real está superdesvalorizado?
HADDAD ?
Não sei. Se as pessoas acham que o real está tão superdesvalorizado, por que elas não vendem dólar? Acho engraçado que alguns analistas dizem que o real está ?claramente desvalorizado?. Então, por que não vão a um banco, pegam um empréstimo e vendem no mercado futuro? Elas ficariam milionárias. Eu gosto de ver as pessoas, como se diz em jargão de mercado, colocando a carteira atrás da boca. Se elas estão convictas, por que não atuam nessa direção? Palpite não resolve. Mas todos os modelos econométricos que eu vi indicam que o real está desvalorizado. Por outro lado, com o problema na Argentina e
a crise mundial, vai ser preciso uma taxa mais desvalorizada do que a atual para equilibrar o balanço de pagamento brasileiro. O quanto ainda vai ser preciso desvalorizar? Não sei. Agora, modelos são modelos. Eles erram. E mesmo que acertem, podem refletir uma taxa para daqui 18 meses.

DINHEIRO ? Se o câmbio não é um problema, qual é o grande problema da economia?
HADDAD ?
Tem muita coisa indo bem no Brasil. Se pegar uma perspectiva do que o País era no passado, o que está sendo feito e olhar para a frente, a possibilidade de um salto qualitativo é enorme. Agora, há coisas que podem melhorar. O governo perdeu sua capacidade de investir em bens públicos. Perdeu porque houve um inchaço de salários e da Previdência. O Brasil gasta hoje quase 11% do PIB com seus aposentados. Isso para um país jovem como o Brasil é um grande problema. O nível de poupança é baixo para um crescimento acelerado. As empresas têm sido penalizadas pela falta de financiamento. Nos últimos anos, a taxa de juros tem sido altíssima. Tem também o aspecto tributário. As empresas foram muito machucadas pela necessidade de um superávit fiscal.
Há uma série de distorções no Brasil, como a baixa poupança, baixo nível de investimento, baixa capitalização de empresas,
restrição de financiamento, que atrapalha e dificulta um salto quantitativo no crescimento. Mas outros indicadores melhoraram como a formação de capital humano. Há coisas que estão sendo plantadas e serão vistas só lá na frente. Acho que em dez anos poderemos ter um salto de crescimento em função do estoque de capital humano no País.