11/04/2013 - 22:00
DINHEIRO ? A nova regulamentação torna o sistema financeiro mais seguro, mais imune a crises e mais adequado a Basileia 3?
FRANCISCO DORNELLES ? O sistema financeiro brasileiro já é extremamente seguro. Mas o BC passa a ter a competência formal de gerir o risco sistêmico do setor financeiro nacional, inclusive de operações originadas em instituições não financeiras, desde que tenham repercussões relevantes sobre a solvência das instituições financeiras. Muda a definição do sistema financeiro. Hoje, ele é baseado num rol de instituições. Uma definição vaga, imprecisa. Vai mudar para designar os mercados financeiros, de capitais, de seguros, de capitalização e de previdência complementar. Fica mais abrangente e inclui serviços que ainda poderão ser criados.
DINHEIRO ? Como fica o Conselho Monetário Nacional (CMN)?
DORNELLES ? Nós não mudamos a competência do Conselho Monetário. O CMN formula a política monetária e o BC a operacionaliza. Ele terá autonomia operacional para implementar e atingir aquelas metas definidas pelo CMN. Para isso, o banco tem um mandato. Os diretores que forem nomeados a partir de 2015 terão mandato de seis anos. Ou seja, não estamos fazendo uma lei que vai afetar os atuais diretores nem o governo atual. O futuro presidente da República, eleito em 2014, vai nomear os diretores do BC para um mandato por tempo fixo, como acontece com todas as agências reguladoras. Eles só podem ser demitidos em algumas situações, definidas pela lei.
DINHEIRO ? Por que um mandato de seis anos?
DORNELLES ? Para não haver coincidência com o mandato do presidente da República. Os diretores podem ser reconduzidos uma vez.
DINHEIRO ? O próximo presidente da República poderá nomear o titular do BC em 2015. Mas o presidente que o suceder terá um titular do banco ainda com dois anos de mandato, herdado do governo anterior. Isso não pode criar uma falta de coordenação da equipe econômica?
DORNELLES ? Não, porque quem define a política é o Conselho Monetário, que é formado pelo ministro da Fazenda, pelo ministro do Planejamento e pelo presidente do Banco Central. E é o presidente da República quem vai nomear o ministro da Fazenda e o do Planejamento.
DINHEIRO ? Além de controlar a inflação, o BC terá alguma outra função, como é o caso do Federal Reserve, dos Estados Unidos, que também precisa preservar empregos?
DORNELLES ? Não, praticamente não muda. Mas as metas vão depender do CMN. O projeto não determina quais serão as metas. O BC tem hoje a função de proteger a estabilidade da moeda, a poupança popular, o sistema financeiro, o equilíbrio do balanço de pagamento, a eficiência dos mercados. O que o presidente do BC não tem hoje é autonomia operacional. Só se a presidenta concordar. Se ela quiser, pode falar e determinar aos diretores do banco: não é assim.
DINHEIRO ? Em outros países, onde o BC é independente, é assim que funciona?
DORNELLES ? Cada país é um caso. Para o Brasil, o modelo que desenhamos, que substitui uma lei de 1964, é o melhor.
O presidente do BC, Alexandre Tombini, em sessão no CAE,
do Senado, no início de abril
DINHEIRO ? Em que situações o presidente do BC pode ser demitido? Ele pode ser mandado embora por não obedecer ao presidente?
DORNELLES ? Os diretores só podem perder o mandato por renúncia, aposentadoria compulsória, condenação judicial ou demissão devidamente justificada por gestão incompetente ou descumprimento de metas do CMN.
DINHEIRO ? Mas é muito subjetivo, porque não é fácil definir o que é gestão incompetente. Quem julga isso?
DORNELLES ? É, tem sempre um grau de subjetividade.
DINHEIRO ? Essa independência na execução da política monetária evita que o presidente do BC fique refém do ministro da Fazenda?
DORNELLES ? No momento em que tem um mandato, o titular do BC ganha muita força.
DINHEIRO ? Por que o Senado acreditou que era preciso mudar essas regras?
DORNELLES ? Os diretores de todas as agências têm mandatos por tempo determinado. Os únicos que não tinham eram o presidente e os diretores do BC. O mandato lhes dá independência na condução da política monetária.
DINHEIRO ? O BC ganha com essa mudança?
DORNELLES ? Acho que ganha. Sua diretoria tem a tranquilidade de que não poderá ser demitida simplesmente porque o presidente teve um sonho.
DINHEIRO ? Por outro lado, o Executivo perde poder. O sr. acha que haverá resistência na votação no Congresso?
DORNELLES ? Nos últimos anos, justiça seja feita aos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o BC teve essa independência operacional, embora isso não fosse oficial. É que, às vezes, o ministro da Fazenda fala demais, mas apesar disso ninguém tirou o presidente do BC. Com essa mudança, estamos protegendo o País de eventuais desvios de rota na condução da política monetária.
DINHEIRO ? O sr. acredita que isso poderia acontecer?
DORNELLES ? Ninguém sabe o que vai acontecer no futuro.
DINHEIRO ? E, por conta da redução de poder e do controle do governo, pode haver resistência na votação?
DORNELLES ? Não vejo uma grande redução de autonomia. Só se tirou do Executivo o direito de demitir a qualquer hora. Mas o Executivo formula a política monetária. Isso foi mantido. Apenas os diretores do BC passam a ter a mesma situação dos diretores das agências reguladoras. A diferença é que nas agências são quatro anos e no BC serão seis, para não haver coincidência com o mandato do presidente da República. Em toda mudança, sempre há resistência, por isso é importante amadurecer a ideia, através de debate. Queremos ouvir os próprios ex-presidentes e ex-diretores do BC. Não gostaria que um projeto desses fosse aprovado de supetão. Quero que todo mundo critique, apresente sugestões, melhore.
O projeto torna mais seguro o uso do dinheiro de plástico
DINHEIRO ? O projeto, então, pode ser colocado em votação ainda neste ano?
DORNELLES ? Eu entreguei o projeto à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, no início de abril, e pedi ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ, presidente da CAE) que não o coloque já em votação, mas que promova uma série de audiências públicas para discutir o assunto.
DINHEIRO ? E por quanto tempo?
DORNELLES ? Isso é imprevisível. O tempo que for necessário. Não quero apressar nada. Acho que essas coisas têm que amadurecer. É preciso haver um consenso, um entendimento de que o projeto é bom, receber modificações. Mesmo as pessoas que estão envolvidas na elaboração estão sempre aperfeiçoando. Não é um projeto apenas para ser aprovado por uma maioria apertada.
DINHEIRO ? O sr. levou quase dois anos para chegar ao texto final do projeto. Com quem conversou nesse processo?
DORNELLES ? Com muita gente. Além dos técnicos da consultoria do Senado, com especialistas de fora.
DINHEIRO ? O BC foi ouvido?
DORNELLES ? Oficialmente, seu pessoal não opina. Mas mandei várias vezes o projeto pra eles, tanto para técnicos quanto para a diretoria. Eles estão envolvidos nisso desde o tempo do presidente Henrique Meirelles. Nessas discussões, quero chamar vários ex-presidentes do Banco Central, como Gustavo Loyola, Gustavo Franco, o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, além do Meirelles. Queremos ouvir também o atual titular, Alexandre Tombini. Mas não quero que ele seja chamado logo no início, para não parecer que está advogando em causa própria.
DINHEIRO ? Durante muito tempo, tivemos no Brasil taxas de juros bastante elevadas, o que foi criticado por muita gente. Isso poderia ter mudado com um BC com autonomia operacional?
DORNELLES ? Aí o problema é fiscal, não é monetário.
DINHEIRO ? Como ficaria a situação atual, em que a inflação está acima do centro da meta pelo quarto ano consecutivo, correndo o risco de estourar o teto?
DORNELLES ? No caso de o BC não cumprir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, a demissão pode ser feita pelo presidente da República. Mas ela precisa ser justificada e aprovada previamente pelo Senado.
DINHEIRO ? O presidente e os diretores do BC ganham novas funções ou
restrições?
DORNELLES ? Não, tudo fica igual. Procuramos mudar o mínimo possível. É um projeto conservador.
DINHEIRO ? O projeto também muda a definição do sistema financeiro e entram nesse conceito as empresas de cartão de crédito. O que isso significa?
DORNELLES ? Isso entrou no projeto, mas estou aberto para discutir. As empresas de cartão de crédito ficariam sujeitas a uma regra mais rígida do CMN. Creio que isso é bom. Dá mais segurança para o consumidor. Mas é um ponto que pode ser debatido.