O ex-secretário do Tesouro Nacional Joaquim Levy é um observador privilegiado dos humores do mercado financeiro. Atualmente trabalhando como principal executivo da empresa de gestão de fundos do Bradesco (Bram), ele é o responsável pelas decisões de investimento que vão definir o rendimento de R$ 300 bilhões em dinheiro dos outros. Para ele, 2014 será um ano com menos sustos, mas com um ambiente mais desafiador, que vai depender muito da atuação do governo. “Quanto mais sólido o desempenho fiscal, menor vai ser a carga em cima dos juros e eventualmente melhor para as ações”, afirma Levy. O engenheiro naval carioca nascido em 1961, mestre em economia pela Fundação Getulio Vargas e doutor em economia pela Universidade de Chicago, falou com a DINHEIRO, destilando sua habitual ironia. A seguir, os principais pontos da entrevista:

DINHEIRO – 2013 foi difícil para os investidores. A bolsa caiu, os juros e o câmbio foram imprevisíveis. O que esperar em 2014?

JOAQUIM LEVY – Para analisarmos o que vai ocorrer por aqui, é preciso olhar para o cenário internacional, que é incerto, e essa incerteza deve se prolongar em 2014. O principal ponto é o que vai ocorrer nos Estados Unidos.

 

DINHEIRO – O Fed (banco central americano) reduziu o estímulo econômico para US$ 75 bilhões por mês, e indicou que ele termina neste ano. Qual é o impacto para a bolsa?

LEVY – Isso é um reflexo do fortalecimento da economia dos Estados Unidos e está ligado à superação da crise financeira e à redução da dívida das famílias. A nova política também decorre de melhoras no lado da oferta, com a descoberta de novas fontes de gás, que cria boas oportunidades para a indústria americana. Para a bolsa, o fim do relaxamento monetário ajuda no começo. Mais adiante, ela vai depender da melhora do emprego e da política fiscal. Aí há chance de boas notícias, inclusive uma reforma tributária. 

 

DINHEIRO – As perspectivas para a bolsa ainda são boas?

LEVY – As empresas americanas vão bem, mas os Estados Unidos têm dois problemas curiosamente parecidos com os brasileiros. Um deles é que os investimentos na produção ainda estão baixos. Outro é que o governo federal tem uma dificuldade enorme em investir na infraestrutura pela falta de ferramentas adequadas. Os governos estaduais também têm problemas para investir, sejam fiscais, seja pela falta de vontade política. Com isso, a renda se concentra e os salários não crescem. Não é preciso ser um marxista ortodoxo para entender que, se não houver demanda, em algum momento a economia terá problemas. Para que a bolsa americana suba, é preciso haver sinais mais claros da volta da demanda, tanto pelo consumidor quanto nos investimentos. 

 

DINHEIRO – Há outros pontos de incerteza no cenário internacional, como China, Japão e Europa. Qual é a sua avaliação?

LEVY – Aos poucos, as coisas estão sendo resolvidas. Um ponto importante é o acordo fechado entre os Estados Unidos e o Irã. Desde que nós não descubramos, daqui a seis meses, que o Irã aproveitou a trégua para completar sua bomba atômica, esse acordo é positivo, porque poderá reduzir os preços do petróleo. Isso é fundamental para países como o Japão, por exemplo. Se o petróleo se estabilizar abaixo de US$ 90 por barril, isso dará um fôlego enorme à Europa e fará as políticas heterodoxas do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, que incluem expansão monetária e fiscal e algumas reformas estruturais, parecerem um acerto extraordinário.

 

DINHEIRO – E a Europa?

LEVY – Os problemas de qualidade de crédito já foram resolvidos e as economias europeias estão voltando à nor­malidade. Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel se entendeu com seu partido. A Inglaterra está exultante porque voltou a crescer. A Grécia ainda está na cortisona, mas a Espanha e até a Itália estão melhorando. Houve um avanço político importante na Itália com a saída de Silvio Berlusconi da chefia do governo. Isso mostra que nós, gestores de recursos, teremos de ter um novo olhar em 2014 e nos próximos anos.

 

DINHEIRO – Como assim?

LEVY – O gestor não pode mais decidir só com base no mercado, porque a influência da política tornou-se muito grande e isso vai continuar assim. Chamo isso de política de gabinete, e ela tem uma enorme influência. Um bom exemplo é a política monetária. Os juros nos Estados Unidos baixaram de 10% para 2%, o que é uma boa indicação de que não vão baixar mais. Dessa forma, vão ficar estáveis ou vão subir. Quando? Quanto? Isso depende de decisões do governo, e elas são imprevisíveis.

 

66.jpg

Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro italiano

 

DINHEIRO – Falando nisso, o governo brasileiro divulgou um superávit primário de R$ 75 bilhões no dia 3 de janeiro para refazer a conta dias depois. O que significa essa incerteza?

LEVY – É uma situação pela qual outros países já passaram, para melhor ou pior. Nos Estados Unidos, o relaxamento fiscal resultou em aumento da dívida pública, no período Reagan, nos anos 1980, e, mais recentemente, na era Bush. A diferença é que o presidente Reagan reformou a economia para estimular o crescimento. No Brasil, o desafio é ver se a combinação de melhora na formação dos trabalhadores e aumento do espaço de atuação do setor privado, como no caso das concessões, vai proporcionar um fôlego semelhante. Essa é a incógnita que os investidores estão tentando decifrar. 

 

DINHEIRO – O secretário do Tesouro, Arno Augustin, rebateu as críticas do mercado quanto à transparência das contas públicas. O superávit divulgado pelo governo é menos confiável? Como isso pode afetar os juros, o câmbio, a inflação e as ações?

LEVY – Acho que a mensagem do mercado para o governo é que um desempenho fiscal bem entendido e bem amarrado continua sendo muito importante para evitar uma gangorra no momento em que as condições lá fora estão mudando. Quanto mais sólido o desempenho fiscal, menor vai ser a carga em cima dos juros e eventualmente melhor para as ações.

 

DINHEIRO – O que o sr. acha que o Banco Central (BC) vai fazer com os juros?

LEVY – Para entender a política monetária, é preciso ter em mente o seguinte: atualmente, o BC tem uma noção perfeita de que há riscos de inflação, pela tensão entre produtores, ou seja, a indústria, e os distribuidores, o varejo. Há custos que não foram repassados, e isso gera uma briga por margem entre a indústria e o varejo. A política monetária serve para resolver essa briga sem respingar no consumidor. E o BC tem feito isso de maneira absolutamente correta. Sempre há alternativas, claro, tabelamentos, congelamentos e outros mecanismos, mas são artifícios que nem sempre têm a mesma transparência e a mesma eficiência da taxa de juros. 

 

DINHEIRO – Os juros vão continuar a subir, então?

LEVY – O BC já vê alguns indícios de que parte dessa tensão já está se dissipando, mas, se você tiver um choque externo mais forte, não dá para descartar novas altas. Mas o BC está usando o instrumento mais democrático e transparente que existe para dissipar essas tensões, que vieram do ajuste do câmbio.

 

DINHEIRO – O câmbio tem pressionado os preços. O que vai ocorrer neste ano?

LEVY – Tudo vai depender da evolução do quadro externo e da política monetária americana. O presidente do BC disse estar preocupado que um movimento mais forte da política monetária americana provoque uma instabilidade no câmbio aqui. O BC tem sido muito transparente na sua atuação no câmbio. Ele entende que pode haver ajustes estruturais e que o trabalho dele é evitar distorções e falta de liquidez. O BC não tem a pretensão de segurar a taxa de câmbio; ele não vai segurar na alta, assim como não segurou na queda. Ele ajusta na margem, esse é o papel dele, mas nós continuamos em um regime de câmbio flutuante e nada indica que isso vá mudar.

 

67.jpg

Janet Yellen, nova presidente do Fed, o BC americano

 

DINHEIRO – Quanto essa alta do câmbio pode pressionar a inflação?

LEVY – Ela sempre traz uma preocupação em relação à inflação, mas a transferência, que tecnicamente chamamos de “pass through”, não é uma coisa dramática. A direção e a velocidade de mudança da taxa de câmbio vão depender dos ajustes na economia internacional e o BC vai agir para suavizar qualquer choque, mas deixando a economia brasileira se acomodar no nível que for preciso, tomando os cuidados para que não haja um “pass through” excessivo. Mas mesmo o risco disso não é tão grande. Ainda temos uma base industrial relativamente ampla, e as empresas reagem a mudanças no câmbio da mesma maneira que reagem a alterações em outros preços relativos. Elas alteram sua configuração, trocam de fornecedores, substituem produtos. 


DINHEIRO – A Bovespa foi muito mal em 2013. Isso vai continuar em 2014?

LEVY – A bolsa terá algo muito positivo em 2014, que é a alteração na metodologia de cálculo do Índice Bovespa. Isso fará toda a diferença. Façamos uma comparação simples. Em 2013, o Índice Bovespa caiu 15,5%. Pela nova fórmula de cálculo, ele teria subido 7%, o que dá mais de 20% de diferença. Se você colocar essa diferença toda em relação ao índice, a bolsa brasileira não vai fazer feio em relação aos demais emergentes. Tanta distorção vem do fato de que, pela metodologia antiga, o peso de uma ação no índice era calculado apenas pelo seu giro, não pelo valor da empresa. Assim, quanto pior a empresa, quanto mais volátil e especulativa a ação, maior a participação dela no índice e maior a volatilidade aparente do mercado. Assim, quando o gestor ou o investidor definiam suas estratégias de investimentos em ações com base em uma carteira indexada ao Índice Bovespa, eles sofriam com uma distorção colossal. Isso está sendo superado. 

 

DINHEIRO – A nova metodologia acaba com essas distorções?

LEVY – Sim, o índice vai refletir melhor a realidade do mercado. Isso vai ajudar na percepção das pessoas. Quem olhar só o índice em 2013 vai pensar “a bolsa no Brasil está horrível”. Não, a bolsa não está horrível, o problema é que o Ibovespa foi muito mal. Então, ter um índice melhor vai ajudar o comportamento do mercado como um todo. O índice vai mudar, terá menos peso em commodities e mais peso em consumo. Atualmente, a bolsa conta com vários setores que nem sequer existiam há dez anos, como tecnologia, por exemplo, e são empresas importantes na economia. Sua participação no índice é uma boa notícia, sem contar que eliminamos a repetição de casos teratológicos, como as OGX da vida. Tudo isso ajuda, vai melhorar as condições para a bolsa em 2014.