Mais do que o minúsculo tapa-sexo de algumas passistas, o que marcará o Carnaval deste ano é a polêmica vitória da Beija-Flor, no desfile do Rio de Janeiro. A escola de samba de Nilópolis foi bancada pelo ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, há 35 anos no poder na Guiné Equatorial. Em troca, a agremiação, que celebrizou o carnavalesco Joãosinho Trinta nos anos 1980, louvou as belezas e a história do país africano na Marquês de Sapucaí, ignorando os desmandos de Mbasogo. Doze escolas desfilaram, nos dias 15 e 16, pelo Grupo Especial, a elite do samba carioca, reunindo aproximadamente 60 mil pessoas.

A mais famosa festa popular brasileira não é, porém, nem de longe, a maior em número de espectadores que atrai. Esse título cabe, infelizmente, à farra dos cargos comissionados na União, Estados e municípios. Somente no governo federal, estima-se que 22,5 mil vagas sejam preenchidas sem concurso. Já os 27 governadores podem distribuir 105 mil cargos. Assim, os foliões que formam o que se poderia chamar de Bloco da Boquinha, que desfila diariamente no Brasil, ano após ano, são mais que o dobro dos que brincaram na Sapucaí.

É verdade que os cargos de livre nomeação garantem aos governantes cercarem-se de pessoas capazes de liderar os projetos mais estratégicos de sua gestão, mas esse propósito inicial transformou-se, há muito, em fonte de nepotismo e troca de favores. Um exemplo é a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), que nomeou quase duas dezenas de parentes, assim que assumiu. O Ministério Público recomendou que exonerasse seus familiares, alegando que a prática contraria “a moralidade”. Já a governadora exigiu que sua gestão fosse tratada de modo “igualitário” pelos procuradores, pois que seria “comum”, em seu Estado, nomear “pessoas próximas” do governante de turno.

O caso mostra como o desafio de melhorar a governança pública vai muito além do combate à corrupção na Petrobras. Estados e municípios precisam adotar, urgentemente, práticas mais transparentes de gestão. As medidas englobam a redução drástica do número de cargos de confiança, a fiscalização efetiva da aplicação do dinheiro público, a revisão de critérios de licitação, entre outras. Das três instâncias de governo, os municípios são os que menos avançaram nessa matéria – e os especialistas duvidam que andem mais rapidamente, sem pressão da sociedade.

A raiz dessa inércia é a fonte do dinheiro à sua disposição: em mais de 40% das cidades, os repasses federais e estaduais respondem por 90% do orçamento. Trata-se de uma transferência obrigatória por lei, e a aplicação desses recursos não pode ser dirigida pelos poderes federal e estadual. Por isso, prefeitos sentem-se livres para fazer o que bem entenderem – inclusive malfeitos. É inegável que houve avanços no combate à corrupção e ao mau uso do dinheiro público. Na última década, o País ganhou as leis de Responsabilidade Fiscal, de Acesso à Informação, da Ficha Limpa e um pacote de medidas anticorrupção que, pela primeira vez, pune os corruptores, e não apenas os corruptos.

Mas ainda é preciso caminhar muito além do governo federal. Aprimorar a tramitação desses casos na Justiça é outra prioridade. No ano passado, os procuradores federais abriram 13,3 mil processos contra a corrupção pública. As ações, no entanto, acumulam-se nas cortes. Os tribunais estaduais julgaram apenas 47% dos casos abertos nos últimos dois anos. As cortes federais foram um pouco melhor: 50%. A lentidão da Justiça só aumenta a sensação de impunidade e alimenta a folia dos que desfilam no Bloco da Boquinha. Perto dela, a apresentação da Beija-Flor é uma mera matinê de domingo.