21/01/2003 - 8:00
“Sou irmão gêmeo da Conceição Tavares. Ela é um gênio com letras maiúsculas”
“É evidente que a Varig tem que ser preservada e todo o setor aéreo terá apoio do banco”
DINHEIRO ? Afinal, o sr. assume o BNDES em oposição ao
ministro Furlan?
CARLOS LESSA ? Não, não existe oposição. É que o ministro Furlan está extremamente preocupado em levar à frente o seu esforço exportador. Além disso, ele não me conhecia bem. Eu sei quem eu sou, minha mulher também sabe. Mas o empresariado de São Paulo ainda não conhece o Carlos Lessa. Fui fundador da Unicamp. Fui também chefe da assessoria do doutor Ulisses Guimarães. Quando eu reapareci para presidir o banco, foi uma surpresa até para muitos do PT. Mas o Lula gosta muito de mim. O Miguel Arraes e o Anthony Garotinho me apóiam. Os governadores do PMDB também. Sou irmãozinho do Luiz Henrique, governador de Santa Catarina, e do Roberto Requião, governador do Paraná. Eu e o ministro Furlan já estamos afinados no mesmo objetivo de criar um projeto de desenvolvimento para o País.
DINHEIRO ? O BNDES não funcionaria melhor implementando a idéia do ministro Furlan de dividi-lo em duas bandas, uma delas só para comércio exterior?
LESSA ? Não! Primeiro porque já existe o ?eximbank? no BNDES. Já fazemos todo tipo de financiamento necessário. Aliás, você acha que a Embraer consegue exportar por quê? Porque o BNDES é um ?eximbank? que apóia a Embraer. A área de exportação do banco funciona muito bem. Essa idéia de separação é muito pouco operacionalizável. O mais prosaico dos argumentos, até elementar, é que o BNDES é constitucionalmente o gestor do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Essa é a fonte de recursos mais barata. Se você criar outro banco, a fonte barata continuaria do BNDES.
DINHEIRO ? O que muda no BNDES?
LESSA ? Sei que há uma certa neurose, uma perplexidade em saber qual é o destino que vou dar ao banco. O BNDES não vai fazer nenhuma acrobacia, nenhuma gigantesca modificação ou guinada brusca de rumo. Agora, vai mudar um pouco, sim! Vai incorporar a idéia da inclusão social, vai dar uma atenção muito especial com o que acontece com infra-estrutura. Vai se preocupar com cadeias produtivas. E vai fazer um grande esforço para sustentar as exportações. Mas as atuais políticas e os clientes do BNDES continuarão. E quem são esses clientes? Dos grandes grupos econômicos à imensa maioria das pequenas empresas, que estão comprando uma ou outra máquina, fazendo ampliação. Esse sistema que já está aí é patrimônio do País e é evidente que o BNDES não vai mudar de rumo hostilizando o que já foi construído.
DINHEIRO ? O sr. vai prosseguir com a política de usar o BNDES como hospital de empresas?
LESSA ? Não vejo problema. Na verdade o banco foi um eficiente hospital de empresas nos anos 70 e 80 ? e isso é bom ?, deixando de sê-lo no último governo. A Aracruz Celulose, por exemplo, teve que ser socorrida, a Caraíba Metais também. São empresas que o banco financiou, o empresário fracassou, o BNDES assumiu a gestão e depois privatizou, já como pacientes recuperados. Nos anos 90, o banco foi apenas intermediário de transferências patrimoniais de empresas públicas que eram privatizadas. O hospital praticamente não funcionou.
DINHEIRO ? Houve o caso da Globocabo, que o banco fez um aporte de capital mas a empresa acabou em moratória. Esse acordo pode ser revisto?
LESSA ? Não vou me pronunciar sobre questões ligadas a uma ou a outra empresa. Ademais, sobre esse assunto, só sei o que saiu na imprensa.
DINHEIRO ? E sobre o caso da Klabin, da família do então
senador Pedro Piva, do PSDB, que recebeu um empréstimo
no fim do governo? O sr. acha que o banco foi acionado com critérios políticos?
LESSA ? Nenhum país do mundo permite que uma organização como a Kablin seja sucateada. A Klabin é uma glória da indústria brasileira desde os anos 30. Portanto, se ela estiver vivendo algum problema difícil, ele deve ser examinado. E sobre esse negócio do banco ter sido usado politicamente, faz parte do jogo das economias de mercado relações bastante próximas entre as empresas e o poder público. Nenhuma grande empresa pode desconhecer o Estado. Qualquer que seja o governo, ela tem que manter seus canais de interlocução abertos. Essa visão liberal de que as empresas devem existir por si só é romantismo. Você acha que a Boeing pode ser o que é sem íntimas ligações com o Pentágono? O presidente da França não liga para cá tentando vender helicópteros? O Lula também tem que ligar para vender nossos produtos. No BNDES, as empresas com ligações políticas não serão discriminadas, mas terão que atender aos critérios técnicos para receber dinheiro.
DINHEIRO ? O sr. vai ajudar a Varig?
LESSA ? É evidente que a Varig merece ser preservada. Na hora que a empresa nos procurar, iremos conversar com o Ministério da Defesa, do Desenvolvimento, da Fazenda e do Planejamento. E dada a importância estratégica do assunto, acho que é o caso de acionar até o presidente da República. A empresa tem 85 anos, é uma grande geradora de dólares para o Brasil, é a nossa bandeira no exterior, é um instrumento de articulação do Brasil com o mundo inteiro. Mas não se resolve o problema da Varig sem resolver a crise na aviação. O setor inteiro terá que ser ajudado. Só que não temos como resolver tudo, mas queremos participar do processo.
DINHEIRO ? Quais os seus planos sobre as participações minoritárias do BNDES em uma série de empresas privadas?
LESSA ? O banco tem um pedaço de seu patrimônio formado por ações de empresas. Essa participação foi importante para que muitas empresas pudessem ganhar peso e credibilidade no mercado de capitais. As ações podem até vir a ser importantes para ampliar operações do banco. Não é preciso vendê-las, é
possível securitizá-las e, com
isso, colocar no mercado outro título de captação de recursos. Essencialmente, queremos ampliar a captação de recursos em
fontes internas. Outra possibilidade é pegar dinheiro nos fundos
de pensão, que poderão sair com novos recursos depois da reforma da Previdência.
DINHEIRO ? Como as multinacionais serão tratadas pela
nova diretoria?
LESSA ? Tudo o que fortalecer a nação, em princípio, deve ser apoiado. Se uma multinacional apresenta um projeto de interesse estratégico, não há razão para rejeitá-lo.
DINHEIRO ? Que tal o caso da americana AES, que pegou dinheiro do BNDES para comprar a Cemig e parte da Eletropaulo e da Cesp, mas que agora está inadimplente com o banco?
LESSA ? Esse eu não vou discutir agora, porque é um caso que ainda vou ter que estudar. Prefiro dar outro exemplo. Suponha que a Embraer precise que o banco dê um financiamento, ou um aval solidário, a uma empresa de aviação de um país europeu para vencer uma disputa com a canadense Bombardier. Vamos fazer isso.
DINHEIRO ? Como serão tratados os pequenos empresários que baterem à sua porta?
LESSA ? Ano passado, foram 90 mil pequenas operações com dinheiro do BNDES. Quero mais, quero ampliar. Mas os bancos estão exigindo reciprocidade excessiva dos microempresários. Teremos que estudar saídas para propor ao Conselho Monetário Nacional.
DINHEIRO ? Por que um banco público de investimentos seria um luxo excessivo para o Brasil, como o sr. já declarou?
LESSA ? Por que não tem nada a ver com o Brasil. Uma sociedade que funciona com tudo no lugar, que já exorcizou os cavaleiros do Apocalipse, não pode se dar ao luxo de ter apenas bancos de investimentos. A premissa do banco de investimentos é que uma boa oportunidade de negócio para a empresa também é para o banco. Nesse caso, um motel pode ser um excelente negócio. A empresa é sólida e a taxa de retorno é altíssima? Então financia motéis? O banco pode até ficar tentado a investir em todas as fantasias eróticas dos habitantes do País. Mas um banco de desenvolvimento tem que funcionar diferente: o prioritário da instituição tem que ser a mesma prioridade da nação. Um país que quer se desenvolver, tem que ir muito além dos bons negócios. Tem que criar novas realidades. A nova prioridade do Brasil é incluir os excluídos? A do BNDES também. Que fique claro que banco de desenvolvimento não objetiva maximizar lucros, mas maximizar desempenho social.
DINHEIRO ? Como isso vai funcionar na prática?
LESSA ? É fácil. Basta acender a velha chama. O BNDES foi um banco de desenvolvimento por mais de 40 anos e viveu essa experiência de banco de negócios só por oito anos. O segredo é deixar de ser um banco passivo para ser ativo. Como? Suponha que, em conseqüência do Fome Zero, queiramos incrementar a cadeia produtiva do setor de couros. Nesse setor vai ser moleza, já tem 800 empresas organizadas. Então vamos buscar o apoio da Embrapa para melhorar a qualidade do rebanho, depois apoiar os frigoríficos, os curtumes, as tintas, até chegar aos consórcios exportadores. Falta convencer a Gisele Bündchen a só se vestir, dos pés à cabeça, com couro brasileiro.
DINHEIRO ? Como quase todos os diretores do BNDES, o sr. também se sente um filho espiritual da professora Maria da Conceição Tavares?
LESSA ? Filho da Conceição, eu? Não, estou mais para irmão gêmeo. Somos gêmeos bivitelinos, pois pensamos em campos diferentes. Mas crescemos juntos na carreira e dividi uma sala com ela metade da minha vida. A Conceição é gênio com letras maiúsculas, foi professora de quase todas as gerações de economistas brasileiros em atividade, incluindo muita gente que está aí no governo. Modéstia à parte, também ensinei a muitos deles. Fui professor do Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, do José Graziano, ministro da Segurança Alimentar, de um outro ministro que não me lembro agora ? nossa, são tantos! Além de vários secretários-executivos de ministérios. É só procurar que encontra.
DINHEIRO ? Qual escola de pensamento econômico será dominante no banco?
LESSA ? A tradicional escola da economia política, que a Conceição tão bem representa. Vamos usar a História, a Geografia e a Estatística para interpretar as leis que seguem a produção e a repartição da riqueza e da renda. Em outras palavras, a Economia a serviço da justiça social.