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O PRESIDENTE DO BRADESCO, MÁRCIO Cypriano, foi office-boy, vendedor de discos e datilógrafo, antes de se tornar o executivo que comanda o maior banco privado do Brasil. Sérgio Amoroso, dono e fundador do Grupo Orsa, gigante que possui nove fábricas de papel e embalagens, passou fome em São Paulo e sentiu na pele o preconceito que alguém sem dinheiro pode sofrer. Tão pobre quanto ele era Afonso Celso de Barros Santos, presidente da Avis no Brasil, que cansou de ver a família ser despejada por falta de pagamento de aluguel e que durante um bom tempo ganhou a vida servindo café numa agência bancária. Os abismos econômicos e sociais fizeram do Brasil um país pródigo em histórias de superação. Muitos executivos que atingiram o topo na carreira corporativa trilharam um caminho árduo para alcançar o sucesso. Em comum, eles exibem o orgulho de ter passado por experiências até certo ponto traumáticas. E o que é mais surpreendente: na maioria dos casos, são gratos a elas. ?As dificuldades me deixaram certamente mais forte?, diz Cypriano. ?Depois do que vivi, passei a acreditar que tudo é possível?, afirma Amoroso.

Para a psicóloga e conselheira de executivos Vicky Block, esse tipo de vivência forja um tipo de profissional bastante valoroso. ?Como são executivos que venceram batalhas por mérito próprio, eles demonstram uma segurança muito grande no que fazem?, diz. ?Isso é extremamente positivo.? Obviamente, o fato de ter suado a camisa mais do que os outros não é garantia de sucesso. Mas pode ser um indicador do grau de determinação e força de vontade para vencer. Algumas empresas não só valorizam quem vem de baixo como criaram projetos para estimular esses profissionais a crescer dentro da companhia. O programa ?Adolescente Trabalhador?, do Banco do Brasil, foi desenvolvido justamente para atrair os mais pobres. Ele tem como público-alvo jovens de famílias com renda de até dois salários mínimos.

Atualmente, 11 executivos que ocupam cargos de direção começaram no banco desta maneira. Entre eles, o presidente, Antônio Francisco de Lima Neto, que ingressou no programa em 1979, e o chefe da BBDTVM, Alberto Monteiro. Nas páginas a seguir, alguns dos executivos mais importantes do Brasil contam suas trajetórias, revelam os desafios encontrados e apontam os ensinamentos que as dificuldades trouxeram.

Venho de uma família muito pobre. Sou o filho do meio de sete irmãos. Minha mãe era professora, meu pai, contador. Por falta de dinheiro, passamos por situações muito ruins. Minha família chegou a ser despejada várias vezes por atraso no pagamento de aluguel. Sempre cortavam a luz de casa. Essas dificuldades não me derrubaram. Em vez disso, fiquei mais forte. Aos 16 anos, fiz teste para trabalhar como officeboy do Bradesco, mas tirei zero no teste de matemática. Mesmo assim, me contratavam. Acho que tiveram pena de mim. Trabalhava duro, servia muito cafezinho, mas era curioso por natureza. Queria saber tudo o que acontecia no banco. À noite, depois do expediente, sentava em frente a uma máquina de datilografar para tentar aprender. Naquela época, saber datilografia era essencial, mas eu não tinha dinheiro para pagar um curso. Um dia, uma das secretárias começou a me ajudar. Aprendi a usar a máquina de escrever e fiquei mais confiante. O dinheiro foi entrando e eu, que tinha abandonado a escola no ginásio, comecei a fazer cursos. Fui promovido a escriturário, depois a chefe de seção, em seguida a subgerente, gerente e chefe da área de leasing. O Bradesco viu meu potencial e pagou vários cursos para mim. Acho que fiz mais de 30. Cresci muito nos 22 anos que fiquei no Bradesco. Pedi demissão para trabalhar como superintendente do Excel, no dia em que Ezequiel Nasser, o acionista do banco, havia sido seqüestrado. No terceiro mês de emprego já havia percebido que eu estava no lugar errado. No décimo mês, resolvi largar tudo e abrir uma empresa de aluguel de carros. Tinha US$ 100 mil no bolso, um filho pequeno, a ajuda de minha esposa e crédito na praça. Consegui montar a Avis graças à persistência e a aos relacionamentos que construí na minha carreira no mercado financeiro. Depois do aporte inicial de capital, nunca mais coloquei dinheiro do meu bolso no negócio. Hoje, a Avis tem 12 mil carros, 120 lojas, dois mil funcionários e faturamento de R$ 270 milhões. Analisando a minha vida retrospectivamente, acho que as privações que passei foram essenciais. Elas me ensinaram a não entregar os pontos jamais.?

Aos 12 anos, eu morava no bairro da Liberdade, no centro de São Paulo, e queria trabalhar de qualquer jeito. A molecada passava o dia jogando bola na rua, mas eu não via futuro naquilo. Meu pai era inspetor de polícia e minha mãe costurava para ajudar no orçamento de casa. Era uma vida dura, de muita dificuldade financeira. Felizmente, consegui um emprego de office-boy em um escritório de advocacia. Eu atendia o telefone, ia ao fórum entregar petições, buscava café para as visitas. Nunca tive vergonha disso. Pelo contrário, levava o trabalho muito a sério e tentava fazer o melhor possível. Se me pediam algo, eu tentava surpreender, procurava fazer mais do que o esperado. Nas horas vagas, aproveitava para estudar. Meu pai sempre bateu nessa tecla. Ele não teve muita oportunidade e sabia que o estudo era algo muito importante. Mais do que isso. Era uma questão de honra ter um filho estudado. Aos 14 anos, consegui um emprego numa seguradora. Eu dava expediente no setor de emissão de apólices. Passava o dia na máquina de escrever, datilografando. Com o dinheirinho que ganhava, dava para ajudar em casa. Eu queria subir na vida e com 16 anos arranjei um emprego melhor. Foi numa gravadora de discos. Comecei como divulgador. Eu ia às rádios levar os discos e tentava convencer o pessoal a tocá-los. Depois, passei a vender os discos diretamente nas lojas. Foi bom, aprendi a fazer negócio, desenvolvi um certo tino comercial. Mais tarde, fui ser vendedor de caminhão. Cheguei a vender 20 de uma vez só, um dos maiores negócios do setor na época. E olha que eu tinha só 21 anos! Investi o dinheiro em uma lanchonete chamada ?Pops?, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Eu fazia de tudo. Comprava pães e frios, fazia depósitos no banco e até cheguei a atender o balcão. Mas eu não via futuro naquilo. Um colega de faculdade me indicou para um emprego no Banco da Bahia. Comecei como escriturário, em 1967. Seis anos depois, tomei um susto. O Banco da Bahia foi comprado pelo Bradesco. Recém- casado e com dívida para pagar de um apartamento que comprei, fiquei com medo de perder o emprego. Mas pensei comigo: ou ia para o olho da rua ou virava diretor do Bradesco. Felizmente, deu a segunda opção. Fui promovido pelo Bradesco a gerente da agência onde trabalhava, na Rua Maria Antônia. Depois, passei por várias agências e em todas elas os resultados sempre ficavam acima da média. Em 1983, fui para a matriz do Bradesco. Fui gerente departamental, diretor-executivo-adjunto e vice-presidente. Em 1999, virei presidente. Como consegui chegar lá? Acho que tenho talento para trabalhar em equipe, para motivar pessoas. Consigo atrair todos para junto de mim, faço muito bem esse ombro a ombro. Sempre fui um cumpridor de metas. Também acho fundamental a pessoa ter força de vontade, determinação e muita, muita humildade. Quem tenta passar por cima dos outros, uma hora ou outra vai ficar pelo caminho. E um conselho final: tenha objetivos positivos. Quem pensa só em coisas negativas, não chega a lugar nenhum.?

Minha história é longa. Até os dez anos de idade, vivi no campo. Aprendi a dirigir trator e ajudava meu pai no manejo da terra. Eu trabalhava e estudava sem descanso. Aos 17 anos, já morando em São Paulo, recebi a notícia de que meu pai, arrendatário de terra, havia falido. Apenas nove meses depois, o meu dinheiro acabou. Desempregado, passei três dias sem comer. Vivi a experiência da fome, quis voltar, mas meus pais tinham outros três filhos para sustentar. Resolvi ficar em São Paulo. Eu me sentia um excluído, sofria com o preconceito das pessoas. Quase desisti de tudo. Foi aí que arrumei um emprego em uma financeira. Um mês depois, consegui uma vaga melhor, de ajudante administrativo, em uma empresa de embalagem. Na prática, eu era um faz-tudo. A experiência foi muita rica. Como eu executava diversas funções, acabei aprendendo sobre o funcionamento de uma fábrica de forma muito rápida. Naquele ano, as fábricas não iam bem. Enfrentavam grandes dificuldades financeiras e havia o boato de que fechariam. Foi aí que o dono pediu minha ajuda. Ele sabia que eu tinha habilidade com números e, por isso, fui promovido a gerente. Em pouco tempo, virei diretor e ajudei a implementar uma fábrica que havia sido comprada do Japão. Quando completei sete anos na companhia, o proprietário resolveu pedir concordata. Eu e mais três amigos não compactuamos com aquilo e, sem planejamento algum, abrimos nossa própria empresa, a Orsa. Era loucura, muita gente dizia que não daria certo, que éramos inexperientes. Naquele momento, como aliás em todos da minha vida, a ousadia foi fundamental. O sonho de um dia ter uma fábrica superou as minhas melhores expectativas. Com dinheiro no bolso e um negócio muito maior do que eu era capaz de imaginar, quase enlouqueci. Chegou um momento em que eu não via mais sentido em nada. Depois de ter passado fome, fiquei assustado com a possibilidade de ser um novo-rico. Foi aí que criei a Fundação Orsa, uma organização sem fins lucrativos que investe em projetos sociais e que é mantida com 1% do faturamento de minhas empresas, independentemente dos resultados que elas alcançam. Com perseverança e muito trabalho, mudei minha história. Hoje, o Grupo Orsa tem nove empresas, emprega oito mil pessoas e fatura R$ 1,4 bilhão por ano. Mas nunca vou esquecer o começo difícil. A sensação de não ter nada foi terrível. Desespero? Claro que houve momentos de muita amargura, mas não me deixei vencer pelas dificuldades. Nos momentos sombrios, o que ajudou foi o orgulho do jovem e a determinação que eu tinha.?

Meu pai tinha uma pequena loja de calçados em Paraisópolis, no interior de Minas Gerais. Desde muito novo eu fazia serviços para ele, realizando cobranças, arrumando prateleiras, preparando vitrines e o mais difícil de tudo: aprendendo a vender. A necessidade de vender para pagar as duplicatas era uma loucura. Tive minha primeira carteira assinada aos 14 anos, como office-boy do hospital da cidade. Foi quando estava na faculdade, cursando economia, na cidade de Itajubá, indo e vindo diariamente, que o gerente da Caixa Econômica Federal me convidou para fazer um estágio na agência de Paraisópolis. Quando venceu o período de estágio de um ano, consegui uma vaga no Banco Real. Fiquei no Real até ser demitido, em 1986, no Plano Cruzado. A essa altura, já tinha começado a gostar de trabalhar em banco. Em 1989, prestei concurso para a Caixa e passei. No ano seguinte, já era gerente. Rapidamente, subi vários postos na carreira. Em 2003, vim para Brasília e no ano seguinte assumi a diretoria de crédito. Estava neste cargo quando fui convidado pelo ministro Hélio Costa para assumir a presidência dos Correios. Neste período, consegui reduzir 500 cargos de chefia que eram desnecessários e as pessoas foram liberadas para fazer outras coisas, além de reduzir a burocracia. Também reduzi de quatro para dois os níveis hierárquicos, para ganhar mais agilidade nas decisões. Foi na loja do meu pai que eu aprendi a trabalhar com o foco no cliente. Sempre levei esse aprendizado comigo. Isso é importante tanto no setor público quando no privado. É a cultura de fazer as coisas da melhor forma e com o menor custo possível. Nos Correios, procuro colocar em prática a idéia de que a nossa ineficiência custa à sociedade e a nossa eficiência serve à sociedade. Também sou muito grato ao estágio que fiz na Caixa. O estágio é importante porque permite o acúmulo de experiências antes mesmo da contratação e dá um diferencial em relação a quem não passou por isso. É importante também investir na formação acadêmica.?

Comecei como Menor Estagiário no Banco do Brasil em 1984, quando tinha 15 anos. Na época, eu estudava numa escola de freiras no Rio de Janeiro, e sabia que eles faziam uma seleção entre os melhores alunos. Trabalhei como estagiário até os 17 anos e dez meses, a data-limite, mas neste período passei no concurso. Quando fiz 18 anos, entrei no banco como funcionário. Ao mesmo tempo, fiz faculdade de administração e pós-graduação em finanças. É muito importante conciliar a dedicação à carreira com a formação acadêmica, além de vestir a camisa da empresa. A experiência de ter começado como Menor Estagiário também foi importante, porque aumentou o meu compromisso com a empresa e me permitiu conhecer os processos desde baixo, observar na prática o que poderia ser modificado para melhorar a eficiência. Depois de passar por vários cargos no Rio de Janeiro e de ter trabalhado por um breve período em São Paulo, em 2000 vim para Brasília para a BBDTVM, a administradora de fundos do Banco do Brasil. Em 2006, fui escolhido para presidir a empresa. Desde o início, aos 15 anos, já são 24 anos de carreira. Graças à minha experiência como estagiário e por saber como isso é importante, dou muita atenção aos que estão começando. Gosto de orientar. Eu vejo que os olhos deles brilham quando ficam sabendo como comecei. O banco sempre me deu oportunidade. Mas faço questão de dizer aos jovens que nada é automático. É preciso estudar, passar nos concursos, mas as oportunidades estão aí e se eles tiverem e determinação e disciplina também poderão conseguir.?