06/02/2015 - 20:00
Na manhã da quarta-feira 4, seis dias após ter anunciado um lucro recorde de R$ 15,1 bilhões em 2014, o Bradesco comunicou ao mercado a promoção de 20 executivos, todos funcionários de carreira do banco já perto do topo da hierarquia. “O objetivo é uma organização mais eficiente e rentável, em um mercado cuja característica predominante é o estado de mudança constante”, escreveu Luiz Carlos Trabuco, diretor-presidente do banco, no fato relevante. Pode parecer apenas mais uma entre tantas frases protocolares do linguajar corporativo.
Porém, em suas declarações públicas, os executivos do Bradesco medem as palavras com precisão milimétrica. Por isso, para quem acompanha os meandros da Cidade de Deus, a sede do Bradesco localizada em Osasco, município da Grande São Paulo, o anúncio das 20 promoções é mais do que um movimento natural em uma organização de grande porte. A troca de executivos indica a aceleração de um processo de modernização colocado em marcha por Trabuco em 2011. Para fazer frente às exigências de um mercado cada vez mais competitivo e suscetível ao impacto das novas tecnologias sem perder um dos seus principais pilares, a forte cultura corporativa, o banco vem se atualizando.
Lenta e cautelosamente, como é de seu estilo, a instituição financeira está se preparando para os novos tempos. As mudanças serão capitaneadas por Trabuco. Convidado por Dilma Rousseff para o Ministério da Fazenda no fim de 2014, ele não aceitou a proposta e indicou Joaquim Levy, presidente da empresa de gestão de recursos do banco, para o cargo. Ao declinar do comando da economia, ele sagrou-se futuro comandante do banco. Atual vice-presidente do conselho, ele é o sucessor designado do presidente Lázaro de Mello Brandão. Ambos procuram o nome ideal para ocupar a cadeira de Trabuco quando isso acontecer.
Pelo estatuto do banco, ele terá de passar o próprio bastão em dois anos. Essas mudanças deverão implicar a flexibilização de alguns princípios seguidos de maneira quase religiosa. Alguns dos pontos em discussão emergiram, em diversas conversas reservadas com executivos que conhecem bem o banco. O “jeito Bradesco” de trabalhar foi definido pelo fundador Amador Aguiar e vem sendo seguido à risca por Brandão. Presidente do conselho, sete décadas de Bradesco no currículo e nenhuma disposição para se aposentar, Brandão vem sendo o guardião dos ensinamentos do fundador, que começam a ser, cautelosamente, revistos. Mas calma.
Ninguém acredita em um abandono da filosofia da carreira fechada, na qual o banco promove apenas funcionários de carreira do Bradesco ou dos bancos por ele adquiridos. Também não se espera um abandono do histórico conservadorismo na concessão de crédito. Um dos pontos que deverão ser postos em discussão é a estratégia de crescimento em um ambiente que dá cada vez mais importância à associação e ao controle compartilhado, em vez da aquisição pura e simples de concorrentes. Há exemplos para isso. Em pelo menos dois casos – o Unibanco e a seguradora Porto Seguro – o Bradesco perdeu a disputa para o Itaú por sua exigência de obter a maioria do capital votante.
“Esse é um princípio arraigado no banco, mas os tempos agora são de cooperação”, diz um ex-executivo. As recentes parcerias do Bradesco com o Banco do Brasil em empresas de pagamentos e cartões são uma evidência dos novos tempos. A tarefa de Trabuco é conduzir esse processo da maneira mais indolor possível. Formado em filosofia e pós-graduado em psicologia, o paulista de Marília, que completará 64 anos em outubro, é a melhor representação do espírito do Bradesco: começou por baixo, escalou cada uma das posições da rígida hierarquia do banco e chegou à presidência em 2009.
Quando assumiu o comando, Trabuco deparou-se com um desafio que nenhum de seus poucos antecessores tinha enfrentado. O arquirrival Itaú tinha acabado de se fundir com o Unibanco, criando a maior instituição financeira nacional e arrancando de vez a histórica liderança do Bradesco entre os bancos privados. Apesar de o discurso oficial ser de que a rentabilidade patrimonial era mais importante que a liderança de mercado, a perda da primeira posição foi sentida na Cidade de Deus. A solução não poderia passar por novas aquisições. No início da década passada, Bradesco e Itaú travaram uma acirrada disputa para ver quem comprava mais bancos – em 2001, cada um deles fechou cinco aquisições –, mas agora não havia grandes concorrentes disponíveis para comprar.
A saída escolhida para o Bradesco foi investir pesado no crescimento orgânico e na bancarização. Só em 2013 foram inauguradas mais de mil agências, elevando a rede para 4,6 mil pontos de atendimento. O banco também investiu pesado em tecnologia, sistemas e modernização. Diferentemente do Itaú, que iniciou uma lenta mas ininterrupta expansão pela América Latina, o Bradesco permanece totalmente brasileiro. “Chegamos a Tailândia”, anunciaria um orgulhoso Trabuco em um evento no fim de 2013. Para em seguida, esclarecer: Tailândia, município de 94 mil habitantes no sul do Pará. Essa aposta profunda no mercado brasileiro não se alterou desde então.
“O banco mantém sua estratégia de ampliar e aprofundar a cobertura de suas atividades em todo o território nacional e apoiar o crescimento da bancarização”, diz Luiz Carlos Angelotti, diretor de relações com investidores do banco. “Nossa participação no mercado internacional permanecerá baseada nas atividades atuais, que são o apoio a empresas brasileiras no exterior e a captação de recursos por meio da venda de títulos, do Bradesco ou das empresas que são nossas clientes.” As mudanças anunciadas na quarta-feira 4 já mostram uma mudança, ainda que sutil, no modus operandi.
Pela cartilha tradicional, diretor do Bradesco com futuro em Osasco era o que aparecia pouco, falava menos ainda e caprichava em passar despercebido. Pelo menos três dos promovidos são pessoas bastante conhecidas fora da Cidade de Deus. Denise Pavarina, responsável pelas áreas de private banking e gestão de recursos, hoje preside a Anbima, associação dos bancos de investimento. Octávio de Lazari Jr., que cuida do varejo e do segmento de alta renda Prime, lidera a Abecip, associação das empresas de poupança e empréstimo. E Marcelo Noronha, promovido a diretor vice-presidente e responsável pelas áreas de Cartões e Marketing é presidente da Abecs, associação das empresas de cartões.
Todas essas mudanças são um preâmbulo a um processo que já está em curso: a sucessão do próprio Trabuco. O banco não comenta o assunto, mas, para seu cargo, há pelo menos três nomes possíveis, todos diretores vice-presidentes. O mais conhecido é Marco Antonio Rossi, hoje presidente da área de seguros, e responsável por mais de um terço das receitas do grupo. Sucessor de Trabuco na seguradora, Rossi é considerado um executivo com forte perfil comercial, que manteve o ritmo de crescimento implantado pelo antecessor.
Os outros dois são Alexandre Glüher, responsável pela gestão, e Domingos Abreu, a cargo da controladoria e tesouraria. Qualquer que seja o nome escolhido, ele vai herdar uma instituição sólida, capaz de passar ao largo das crises. “O Bradesco é um banco muito bem gerido, tem uma qualidade de crédito excepcional e aumentou fortemente a eficiência por meio do investimento em sistemas”, diz Tito Labarta, analista do Deutsche Bank em Nova York. “Eles estão tendo um excelente desempenho em um ambiente muito desafiador.” Em três anos, o valor de mercado cresceu 35%, para R$ 148,4 bilhões. A marcha continua.