01/10/2008 - 7:00
DINHEIRO – O governo americano acaba de anunciar um pacote de US$ 700 bilhões para socorrer os mercados. É o bastante?
PATRICE ETLIN – A intenção de dar liquidez ao mercado e fazer a limpeza dos ativos podres dos bancos é muito positiva. O grande problema é que o sistema financeiro do mundo inteiro travou. Não há mais créditos interbancários, entre as instituições financeiras, e naturalmente dos bancos para as empresas. Um fenômeno desse tipo acaba fluindo para a economia real e era necessário agir.
DINHEIRO – A criação de uma agência para comprar os ativos podres resolve o problema ou acentua a recessão americana, Entrevista / Patrice Etlin ao transferir para o contribuinte o resgate de Wall Street?
ETLIN – Estão falando de US$ 700 bilhões e isso naturalmente vai aumentar o déficit dos Estados Unidos e reduzir o nível de investimento na economia americana. É um fator de contração. Com os outros resgates, como os da Fannie Mae, da AIG, do Freddie Mac e do Bear Stearns, teremos mais uns US$ 500 bilhões. Somando tudo, dá mais ou menos o custo da Guerra do Iraque. Ora, se os candidatos falam em reduzir o contingente de tropas no Oriente Médio, esse é um custo que a economia americana pode suportar.
DINHEIRO – Como fica o contágio para a economia brasileira?
ETLIN – Algum contágio certamente haverá. Não podemos nos iludir e achar que vamos atravessar esse maremoto sem nenhum arranhão. Muitos bancos já estão tendo mais dificuldades para captar, com taxas de 106% ou 107% do CDI. Já não há a mesma liquidez que havia no passado.
DINHEIRO – Isso diz respeito ao crédito. Mas e a redução das exportações?
ETLIN – Com os Estados Unidos entrando em recessão e a Europa já se desacelerando, o resultado é que 2009 será um ano ruim, mundialmente. E nós reduziremos nosso ritmo de crescimento também.
DINHEIRO – Qual é o cenário que o sr. projeta para o mercado de capitais nos próximos anos? ETLIN – Certamente, não é um cenário positivo. O pacote americano resolve um problema imediato de liquidez e de restauração do crédito interbancário. Ele apenas evita a quebra do sistema financeiro americano. Mas existem hoje cinco milhões de hipotecas inadimplentes nos Estados Unidos. O preço dos imóveis despencou, o desemprego aumentou e as pessoas perderam riqueza. A economia real foi afetada e isso vai se refletir no mercado de capitais. Não dá para ser muito autista.
DINHEIRO – Se o cenário é ruim lá fora, como fica então a Bovespa?
ETLIN – Eu não tenho uma visão otimista em relação à Bovespa. A desaceleração da economia mundial vai se refletir no preço das commodities. E, das Bolsas globais, a nossa é uma das mais concentradas em matériasprimas. A Bovespa vivia uma bolha em torno das commodities.
DINHEIRO – E qual a sua previsão para o índice?
ETLIN – Além de esperar muita volatilidade, eu imagino um índice decrescente ao longo de 2009. Não me surpreenderia se o Ibovespa caísse abaixo de 40 mil, olhando um horizonte de seis a nove meses. Ele pode subir, chegar a 60 mil em função da volatilidade, mas o viés, a meu ver, é de baixa.
DINHEIRO – A exuberância da Bovespa propiciou um ambiente muito favorável aos lançamentos de ações. Os IPOs acabaram?
ETLIN – A volatilidade dos índices e a tendência declinante do mercado de capitais fecham a janela dos IPOs. Não há dúvida quanto a isso.
DINHEIRO – Isso significa que não há mais oportunidades para compradores de empresas como a Advent?
ETLIN – Muito pelo contrário. Dias atrás, nós fechamos a aquisição de uma grande rede de material de construção no Sul do País, a Quero-Quero, que estava se preparando para ir a mercado, inclusive com bancos de investimento já mandatados para essa finalidade. Nesta semana, também fechamos a compra da rede de alimentação Frango Assado. Como estas operações, há várias outras sendo analisadas no nosso escritório. O fechamento do mercado público, que é a Bolsa, irá favorecer o mercado privado, que é a essência dos fundos de private equity.
DINHEIRO – Mas o fechamento das Bolsas não dificulta a saída para os investidores privados?
ETLIN – Ao longo dos 12 anos em que estamos na América Latina, já compramos 40 empresas e vendemos 20. Destas, apenas quatro foram vendidas na Bovespa. No restante dos casos, a saída também se deu em transações privadas, em negociações com multinacionais ou compradores estratégicos. Na verdade, nós vivemos um período de dez anos sem mercado de capitais. Os dois anos de euforia dos lançamentos de ações foram a exceção, não a regra. Essa janela beneficiou vários fundos, mas a nossa estratégia não é dependente dos IPOs. Ela pode até se reabrir lá na frente, mas nós não podemos contar com isso.
DINHEIRO – Deixando de lado o mercado de capitais, como o sr. enxerga as perspectivas da economia brasileira?
ETLIN – Quando se olha para indicadores de renda, mercado de trabalho, investimento e mesmo inflação, todos os sinais são positivos. A tendência é nitidamente de crescimento, num ciclo que parece ser sustentado. Essa empresa que compramos, a Quero-Quero, nos atraiu porque tem um foco interessante na classe C, que vem sendo definida como a nova classe média brasileira. Existem muitas oportunidades de investimento em empresas que exploram esse nicho de mercado.
DINHEIRO – Mas e o contágio da crise na economia real?
ETLIN – O Brasil não vai entrar em recessão. É possível cair do patamar atual, de 5%, para 3,5% no ano que vem. Mas a visão que temos do País, de médio a longo prazo, continua muito positiva.
DINHEIRO – O sr. acredita num ciclo de 20 anos de crescimento?
ETLIN – Haverá volatilidade também na economia real, mas não como nas fases de stop-and-go do passado. O Brasil resolveu vários problemas macroeconômicos, mas ainda não atacou algumas questões estruturais, como o peso dos impostos e os gargalos da infra- estrutura. Além disso, há o aperto de crédito que irá afetar a economia real. Grandes bancos já estão reduzindo sua oferta de financiamentos e isso pode afetar a capacidade de investimento das empresas.
DINHEIRO – Como investidor, onde o sr. enxerga mais oportunidades na economia real?
ETLIN – Na Quero-Quero, uma das coisas que mais nos interessou foram os serviços financeiros. A empresa tem uma base de 2 milhões de usuários do seu cartão de crédito próprio, que é usada em 50 mil estabelecimentos no Rio Grande do Sul. Portanto, somos um grande investidor em serviços financeiros na América Latina. Também acreditamos em setores como educação, alimentação, serviços de terceirização, tecnologia da informação e também infra-estrutura. Hoje, já estamos entre os grandes investidores em aeroportos na América Latina.
DINHEIRO – Se houver um processo de concessões de aeroportos no Brasil, vocês serão canditados?
ETLIN – Certamente que sim. Hoje já operamos aeroportos no México e na República Dominicana. São nove terminais e somos o maior operador privado da América Latina. Mas também estamos interessados em ativos dos setores portuário e de geração de energia elétrica.
DINHEIRO – Qual é o melhor modelo para o Brasil no setor aeroportuário: uma privatização da Infraero ou a concessão de apenas alguns terminais?
ETLIN – Na situação atual do mercado de capitais, não vejo muito espaço para uma abertura de capital da Infraero. Portanto, a saída mais inteligente foi essa escolhida pelo governo, de escolher alguns terminais para concessão privada. O que foi anunciado pelo presidente Lula é o que nos parece mais adequado.
DINHEIRO – O segmento de alimentação, onde vocês têm investido muito, é mesmo atrativo?
ETLIN – Sim, porque ele se beneficia com a expansão da classe média, que consome mais refeições fora de casa. Além disso, nosso modelo busca empresas que tenham um modelo de negócios replicável, estando presentes, por exemplo, nos shoppingcenters. O tíquete médio pode ser baixo, mas o volume é alto.
DINHEIRO – Mas, de novo, como se dará a saída do investidor?
ETLIN – Hoje, nós temos a maior rede de casual dining do Brasil. Existem grandes redes de alimentação no mundo, que inclusive estão presentes no País, operando conceitos como os nossos, e que podem vir a se interessar por nossos ativos.
DINHEIRO – Lidando com empresas de vários setores distintos, como vocês avaliam a qualidade da gestão no Brasil?
ETLIN – É excepcional. Isso explica o fato de o Brasil ter empresas tão sólidas, apesar das dificuldades tributárias. E eu diria que não apenas o executivo, mas também o empreendedor brasileiro é fora de série. É criativo, sofisticado, maleável e flexível.
DINHEIRO – Qual o tamanho mínimo para uma empresa merecer um investimento de um fundo de private equity, como a Advent?
ETLIN – O piso, para um fundo como o nosso, é de companhias com faturamento mínimo ao redor de R$ 200 milhões. Investimos para que elas possam crescer e consolidar seus setores.
DINHEIRO – E vocês ainda têm capital para novos investimentos?
ETLIN – Nosso fundo de US$ 1,3 bilhão é o maior da América Latina e ainda não foi todo investido. Além disso, podemos recorrer aos fundos globais da Advent, que têm US$ 11 bilhões, e já demonstraram interesse em investir conosco em alguns negócios. E o melhor é que, se quiséssemos hoje lançar um outro fundo, haveria muita demanda por Brasil, apesar de toda essa turbulência nas bolsas.