03/06/2011 - 6:00
DINHEIRO ? O aumento do investimento direto estrangeiro gerou desconfiança do FMI, que acredita haver desvio de operações para driblar o IOF no capital de curto prazo. Faz sentido essa desconfiança?
GUSTAVO FRANCO ? Os riscos são muito elevados para quem tenta driblar essas regras. É comum que se festeje a ?esperteza? do mercado em contornar restrições, mas a prática é outra. Os bancos têm gente dedicada a controles internos para não permitir coisas desse tipo. Claro que sempre pode haver um mais atrevido, mas dificilmente isso deixa de dar problema em algum momento nos cinco anos que se seguem.
DINHEIRO ? O eventual apoio do Brasil ao nome da ministra das Finanças da França, Christine Lagarde, para a direção-geral do FMI faz sentido?
FRANCO ? A lógica da indicação reflete a proporcionalidade no capital da instituição. O FMI é uma espécie de banco onde manda quem é dono do capital. O Brasil faz bem em aceitar a indicação europeia, outra alternativa sai mais caro. Caso o País queira capitanear uma mudança nas regras de governança no FMI, tem de estar preparado para colocar dinheiro lá, e não sei se é o melhor uso para nossos escassos recursos.
DINHEIRO ? O Brasil está mais caro, como revela a valorização de ativos, como imóveis. Até itens mais singelos, como o cafezinho, estão mais caros do que na Europa. É uma bolha?
FRANCO ? A valorização acontece em várias áreas. Seria estranho que essa lógica valesse só para ações e não para imóveis. E por que nosso cafezinho tinha de ser mais barato que o da Itália, como no passado? A resposta vem da teoria: onde há arbitragem, os preços tendem a se igualar. E, em ativos financeiros, isso é muito claro. Um sujeito vem para o Rio de Janeiro e acha ruim porque paga a diária parecida com a que lhe cobram em Nova York. Ora, bolas. Ele está diante de um dos monumentos mundiais, na avenida Atlântica, olhando para o mar, por que pagaria diferente por um hotel semelhante ao de Nova York? Por que o Brasil tem de ser mais barato? Essa teoria está ficando velha. Essa nova realidade ainda causa perplexidade.
Linha de produção de indústria de alimentos, em São Paulo
DINHEIRO ? Por quê?
FRANCO ? O que acontece agora é algo que já aconteceu com outros países, uma espécie de graduação, de países emergentes se tornando mais desenvolvidos, e dentro dessa categoria de desenvolvimento há muitas gradações. O Brasil, teoricamente, já superou estágios, como a industrialização. Está deixando de ser emergente, mas tem muito pela frente. O brasileiro não está acostumado. Estuda o passado, mas não a experiência dos que já fizeram essa trajetória.
DINHEIRO ? Uma trajetória nova para a gente…
FRANCO ? Sim, é nova, e muito do ensino clássico em economia, no Brasil, tem a ver com o subdesenvolvimento, como algo a se superar, quando na verdade agora estamos lidando com a abundância. Não somos mais um país de miseráveis. Isso confunde. E o que confunde muito chega ao câmbio e à taxa de juros, diferentemente do passado. E um dos pontos que mais geram perplexidade é o câmbio valorizado.
DINHEIRO ? … que veio para ficar?
FRANCO ? Ele é quase uma paisagem e conse-quência do sucesso dos fundamentos econômicos. As próprias autoridades reconhecem. O ministro da Fazenda, Guido Man-tega, concluiu isso numa das primeiras reuniões ministeriais deste governo. Ele chegou a essa conclusão com 15 anos de atraso. Hoje, talvez o câmbio esteja 20% abaixo do meu tempo, quando ele, antes de ser ministro, dizia que o câmbio era um artificialismo. A realidade com que ele lida é parecida com a que eu tive de lidar em matéria de câmbio. O governo tenta moderar a valorização inevitável e não consegue. Se há alguma diferença, é que, no passado, buscavam-se agendas positivas de incremento de produtividade e redução de custo Brasil, que hoje, infelizmente, ficaram esquecidas.
DINHEIRO ? Qual a diferença da política industrial anterior para a atual?
FRANCO ? Na época do governo de FHC, a preocupação com a competitividade se traduziu em variadas iniciativas associadas à diminuição do custo Brasil, e também por diversos tipos de reformas, sempre polêmicas. Privatização, regulamentação de alguns setores, etc. O sentido filosófico desse esforço eu resumiria numa palavra que é ?horizontal?, abrangia a economia como um todo. Ao passo que o approach do governo petista é vertical, seletivo. Todo esforço de política industrial, ou para a produtividade, é focado na eleição de uma empresa, um setor, que merece um beneficio por alguma razão que o governo decide qual é.
DINHEIRO ? Quais riscos temos hoje na condução da política econômica?
FRANCO ? O maior risco é perder a oportunidade de superar a condição de país emergente para nos tornarmos um país desenvolvido. Crescemos 4% nos últimos anos, com nível de investimento muito baixo, juros muito altos, contas fiscais desarrumadas. Só que o mix para fazer o Brasil crescer como a China está ao al-cance da mão. E esses passos para o se-gundo movimento da sinfonia não são dados. Temos um ambiente internacional extremamente favorável. Vivemos uma situação de abundância. Mas não tiramos proveito. Excesso de entrada de dólar é visto como um problema. Diante da valorização cambial, tem ministro colocando a mão na cabeça, quando deveria festejar. E há o preço excepcional das commodities. Tudo o que a gente sempre achou bom parece que é ruim porque é muito de uma coisa boa.
DINHEIRO ? Estamos perdendo tempo?
FRANCO ? O tempo está passando e não estamos fazendo nada em termos de reformas, fazemos de conta que não temos contas fiscais desarrumadas nem problemas na infraestrutura, no mercado de trabalho, no ambiente de negócios, como se o Brasil já estivesse pronto. E não está. Não é uma questão de fazer um trem-bala. É uma questão muito mais ampla, de repetir o que já fizemos muito no passado: perder oportunidade.
Guido Mantega, ministro da Fazenda
DINHEIRO ? O corte de US$ 50 bilhões é insuficiente?
FRANCO ? A dívida pública é muito grande, muito curta, muito cara. Temos o maior juro do mundo e não é à toa. As finanças públicas impõem essa situação. Ter taxa de juro de Primeiro Mundo requer finanças públicas de Primeiro Mundo. Até há iniciativas que parecem ir nessa direção, como o corte de R$ 50 bilhões, mas não se vê empenho, se vê um governo inchado de demandas fisiológicas, querendo ampliar despesas para trazer mais gente para o governo.
DINHEIRO ? Quais medidas poderiam ser tomadas rapidamente?
FRANCO ? Fazer um superávit primário significativamente maior do que o que tínhamos antes da crise, que era de 4%. Nós deveríamos ter um superávit primário maior que esse porque hoje o setor privado é maior, em matéria de demanda agregada. Para caber mais consumo privado da classe C, o governo precisa reduzir seu tamanho, não dá para ter as duas coisas. O crescimento do gasto público, com o nível de consumo maior, produz uma economia superaquecida, que acelera a inflação. A economia bate no teto, a capacidade instalada das empresas não aguenta crescer mais do que 4% ou 4,5% anuais, dois ou três anos seguidos.
DINHEIRO ? Por que as agências de rating melhoraram a nota do Brasil, dizendo que estamos fazendo ajuste fiscal?
FRANCO ? Não se engane com as agências de rating. O Brasil, depois de muito esforço, chegou ao chamado grau de investimento, que consiste numa nota, que, de zero a dez, é 5. É uma nota medíocre. Para as agências, somos um País que está ali na fronteira entre o chamado especulative grade (países que não são sérios) e um país sério. Estamos no primeiro quadradinho. Viemos do subdesenvolvimento e chegamos à nota 5 e parece que está tudo pronto. Não, é uma nota 5! É nota ruim! Tem nota 5,5, nota 6 e 6,5. Nós precisamos chegar… por que não à nota 10, triple A? Só andamos a metade do caminho. Calma. Ainda tem muito pepino.
DINHEIRO ? E o setor privado?
FRANCO ? A importância do setor privado, hoje em dia, é muito maior do que jamais foi em qualquer momento da história do Brasil. Enquanto isso, aumentamos mais o gasto público. Estamos utilizando truques contábeis bastante primários para ocultar que as contas públicas pioraram, acreditando no efeito placebo, que, se a economia não enxerga as contas públicas piorando, não haverá excesso de demanda. É tolice. Não é porque as es-tatísticas não estão refletindo as contas públicas que as leis da economia deixam de funcionar. Mas a prática está trazendo as autoridades para o mundo real. A ideia de que continuaríamos com a expansão do gasto público, logo depois da crise de 2008, estava na cabeça de algumas autoridades.
DINHEIRO ? Mas já foi deixada de lado.
FRANCO ? Só lamento que o mensageiro dessa inconsistência seja o Banco Cen-tral. Isso porque o excesso de gasto público está provocando, em última instância, o aumento da taxa de juros. Quem au-mentou a taxa de juros não foi o BC, foi o ministro da Fazenda, que também au-mentou o gasto. Quem apertou o botão do aumento do gasto público é o responsável pelo aumento dos juros. Essa lógica, que é muito clara em países desenvolvidos, não é muito clara no Brasil.