31/07/2021 - 9:06
Um dos mais sábios ditados de meu pai, com sua septuagenária experiência de vida, me é relembrado a cada mês de julho – mês em que, por ordem do calendário, o seguro do meu carro costuma ficar mais barato e o plano de saúde, quase sempre, mais caro. “Filhão, o melhor de fazer aniversário é saber que você não morreu nos últimos 12 meses”.
Parece óbvio, mas não é. A consoladora mensagem paterna, incontestavelmente amorosa, tem conquistado novos significados à medida que a idade avança, e o Brasil regride. Uma das poucas vantagens da maturidade, para compensar as gengivas retraídas e as dores no joelho, é a lembrança daquilo que deu certo – e, obviamente, do que deu errado. Aí nos deparamos com um déjà vu de um Brasil da década de 1980.
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Sob a ótica da economia, da política e da justiça social, ainda vivemos como há quatro décadas. Nas cartilhas econômicas, os anos de 1980 são rotulados de “década perdida“ no que se refere ao desenvolvimento econômico e pela estagnação do Produto Interno Bruto (PIB), que gerou uma agressiva retração da produção industrial. Qualquer semelhança com o que vivemos hoje não é mera coincidência.
Aquele período, que vamos chamar aqui de anos 80, foi marcado também pela inflação fora de controle, pelos riscos de desabastecimento, por frequentes crises energéticas, pela volatilidade de mercados, pelo aumento da desigualdade social e, como consequência disso tudo, pela esperança no surgimento de um salvador da pátria. Não um redentor qualquer. Um messias capaz de acabar com os marajás, com a corrupção, alguém disposto a arreganhar o mercado brasileiro para o mundo e de substituir as carroças que circulavam pelas ruas brasileiras – nem que fossem, em um primeiro momento, por carruagens da russa Lada. Deu no que deu.
Acalmem-se, leitores de bem, que se emocionam com motociatas e que se orgulham em vestir a camisa da Seleção. O objetivo não é comparar Fernando Collor a Jair Bolsonaro. Não há mais razões para atacar o ex-presidente cabra-macho. Mesmo naquela época, com Fiat Elba e reforma da Casa da Dinda, menos quatro com mais cinco não dava nove. O fato é que o atual governo é pior do que todos que o antecederam. E os números comprovam que o Brasil ainda está na década de 80 – e que você, provavelmente, nem se deu conta disso.
A economia brasileira, naqueles dez anos, registrou crescimento médio anual de 2%, contra 7% ao ano da década anterior, em que os militares encheram o País de obras – numa ilusão expansionista – e criaram o maior endividamento externo da história da República. Costuma-se dizer que os anos 80 foram o enterro da expansão vivida nos anos 70, ciclo conhecido como Milagre Econômico.
Naquela década, o Brasil tentou. Teve Plano Verão, Plano Bresser e Plano Cruzado. Nenhum deu certo, mas pelo menos se tentou. Hoje, o plano é não ter plano. Naquela década, foi promulgada a Constituição de 1988, que tornou o fim da ditadura uma realidade. Hoje o presidente confronta a Constituição e defende a volta da ditadura.
No fim dos anos 80, com o fim da Guerra Fria, o Brasil se aproximou como um cachorro vira-lata dos Estados Unidos e se alinhou ao Consenso de Washington. Anos depois, os americanos se afastaram do falastrão do Palácio do Planalto, com suas imorais medidas econômicas, que levaram ao confisco da poupança e ao colapso de seu frágil apoio popular.
Não fosse a ausência na tevê de Os Trapalhões, do Sérgio Mallandro, da Mara Maravilha, do Balão Mágico e da série Armação Ilimitada, poderíamos nos sentir nos anos 80. Não pelo que deixou saudade, mas por aquilo que não deu certo. Ficar mais velho, mais do que não ter morrido nos últimos 12 meses, tem algumas outras vantagens.