DINHEIRO ? Nas últimas semanas, a Argentina adotou uma série de medidas que prejudica a importação de eletrodomésticos brasileiros. Esse embate comercial entre os dois principais países do Mercosul pode implodir o bloco?
DAVID FEFFER ? No mundo da teoria, seria melhor que não houvesse esse tipo
de competição. Mas no mundo real, a relação entre blocos econômicos é como um casamento. Há momentos mais difíceis e outros mais fáceis. O Mercosul não está
em risco. Tenho a impressão, inclusive, que o Brasil tem adotado uma postura competente e pró-ativa na gestão do comércio internacional nos últimos anos. O
País está ficando craque nisso, porque nós sempre fomos vítimas da pressão dos mais fortes e a Argentina sempre defendeu muito bem os seus direitos. Sempre berrou com muita energia, enquanto nós éramos tímidos. Nos últimos anos, o País tem aprendido a se defender legal. Tem conversado com os executivos das empresas, que é algo extremamente importante, porque estabelece um laço
entre o interesse da indústria e do País.

DINHEIRO ? Mas em relação a Alca a postura adotada é de cautela.
FEFFER ? E é uma postura adequada, porque é um processo de negociação e o
Brasil é a parte menor em relação aos Estados Unidos. O ritmo brasileiro atual demonstra pouca ansiedade e favorece o resultado do processo.

DINHEIRO ? Qual é o significado das aproximações comerciais que o País estabelece ao redor do mundo?
FEFFER ? Essa aproximação é uma das qualidades do governo Lula. Pouca gen-
te esperava isso. Mas o governo tem se posicionado no front global de uma ma-
neira muito positiva do ponto de vista social e do comercial. Há uma estratégia brilhante de fortalecimento com acordos bilaterais. O Brasil está emergindo
como um líder regional.

DINHEIRO ? Qual a grande diferença entre o Brasil do governo Lula e o do governo FHC?
FEFFER ? Não sei se há diferença. É um processo. Não dá para estar no segundo degrau da escada sem ter subido o primeiro. O governo Fernando Henrique foi muito bom, porque criou uma estabilidade, ambiente democrático e colocou o País em um outro patamar. O governo Lula dá um passo adiante, que é estabelecer lideranças. Se o País mantiver essa vertente de desenvolvimento que pinta no horizonte e ao mesmo tempo mantiver a solidez dos indicadores macroeconômicos, somada às articulações internacionais, será um dos grandes líderes mundiais. É como ver um jogador em início de carreira, que começa a fazer bons jogos. Você nunca sabe quando ele vai virar um craque, mas você vê a evolução.

DINHEIRO ? O governo Lula o surpreende nas políticas voltadas ao mercado interno?
FEFFER ? Essa política econômica ortodoxa é uma demonstração de competência. O governo tem feito coisas importantes na área do Ministério da Fazenda, no Banco Central. Havia um temor global e isso era expressado em pontos no risco do País. O sucesso desse programa está aí. O Brasil saiu de um risco medido em 2 mil pontos e hoje beira os 600. É um ótimo trabalho. Acho que o governo Lula foi corajoso, por exemplo, quando decidiu manter o salário mínimo em R$ 260.

DINHEIRO ? Mas foi contra a promessa feita em campanha.
FEFFER ? É uma questão de conta econômica. Não fecha o caixa. Mas precisa ter muito estômago para agüentar a pressão. Ele (presidente Lula) tomou a decisão correta, porque ele administra o País e ele sabe que não pode quebrá-lo. O desafio é combinar essa política monetária austera com crescimento econômico. É o maior desafio do atual mandato. Somos um País gigante, com diferenças regionais importantes. Temos vários ?Brasis? em um só. Só a velha fórmula do crescimento pode reduzir essas diferenças. Mas como se faz crescimento? Com investimento, que depende de confiança, capital nacional e estrangeiro. Mas ainda depende de condições técnicas, como política estável, questões regulatórias, ambientais. Os investimentos deveriam começar pela infra-estrutura.

DINHEIRO ? É possível investir num País que tem a maior taxa básica de juros do mundo?
FEFFER ? A taxa de juros ainda é um problema. Ela já melhorou, mas o custo do capital no País é altíssimo. Se esse problema fosse resolvido, você aceleraria muito a atração de investimen-
tos. A indústria de papel e celulose, por exemplo, é um setor global. O custo de capital das melho-
res empresas brasileiras do setor é de 12% ao ano e o dos piores grupos no mundo aproxima-se de 8%. Esses 4% sobre investimentos de
US$ 1 bilhão significam muito dinheiro.

DINHEIRO ? Mesmo com uma taxa de juros alta, o Brasil conseguirá crescer de uma forma sustentável?
FEFFER ? Não vejo nada que aponte para um entrave de crescimento em 2004. O cenário mais provável, ainda, é o incremento continuado. É lógico que você poderá ter alguma crise mundial desencadeada por um atentado, por exemplo. Mas haverá uma continuidade de crescimento. Não será nada absurdo e tímido, mas consistente. Isso é bom. Acho que o espetáculo de crescimento poderia ser um pouco perigoso. O aumento sólido, devagar e persistente é bom e deverá continuar nos próximos anos.

DINHEIRO ? O governo Lula tem estabelecido bases sólidas ou o aumento da economia está mais para um vôo de galinha?
FEFFER ? Eu sou otimista. Vivemos um momento superinteressante, porque o que move tudo é a intenção. Nunca vi tantas reuniões entre empresários e governos, buscando soluções para os problemas. A reforma previdenciária foi bem feita e contribui nesse sentido. Já a tributária foi dividida em dois pedaços. O primeiro deles foi bem feito também e aumenta a receita do Estado, mas há necessidade da segunda parte da reforma tributária. Eu vejo uma pressão por parte dos empresários para que ela seja concluída.

DINHEIRO ? O Brasil tem em média 40% da sua economia atrelada à informalidade. O País corre o risco de a economia informal engolir a formal?
FEFFER ? Sim, porque se o problema da informalidade não for debelado, o Brasil terá um grande problema nas mãos. A partir daí, a coisa não vai andar normalmente e o nosso potencial ficará restrito. Tenho conversado com o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e o governo sabe que o problema é danoso.

DINHEIRO ? O ministro Palocci já anunciou metas de superávit primário e inflação para 2006. Essa atitude não estabelece amarras, independentemente do cenário externo, que é sempre sujeito a turbulências?
FEFFER ? Implementar a política atual requer audácia, determinação e trabalho de gestão. Perseguir a meta significa que todos estão focados em um objetivo.

DINHEIRO ? Mas a necessidade de cumprir o prometido não pode levar o governo a medidas que inviabilizem um crescimento sustentável?
FEFFER ? Então, qual é a alternativa? Cada um tem a sua maneira de fazer, porque o importante é bola na rede. Você tem o técnico e o time. Aí é botar fé na tática adotada. É preciso dar chances de a pessoa acertar e errar.

DINHEIRO ? E qual o placar do jogo até agora?
FEFFER ? Estamos ganhando de 1 a 0. O risco do Brasil caiu, os investimentos estão aparecendo. Tem muita coisa boa acontecendo, mas não ganhamos o campeonato.

DINHEIRO ? A Suzano completa 80 anos em 2004 e tem dois grandes projetos em andamento, a duplicação da fábrica da Bahia Sul e a inauguração do pólo gás-químico de Duque de Caxias (RJ). Qual é o plano de investimentos da corporação para os próximos anos?
FEFFER ? O grupo Suzano é um dos maiores investidores do Brasil e isso não vai mudar. A companhia possui uma holding que controla duas grandes empresas de capital aberto. A Suzano Papel e Celulose, que congrega todos os ativos da companhia nesse setor, como a Bahia Sul, cuja migração foi completada. Além disso, temos a Suzano Petroquímica.

DINHEIRO ?Aliás, na área petroquímica, a Petrobras dá cada vez mais sinais de que pretende jogar em todas as posições, atuando do refino ao plástico. Isso é bom ou ruim para a Suzano?
FEFFER ? A Suzano é fã da Petrobras. Somos sócios desde o início dos anos 70. Completamos 30 anos nesse setor e tivemos uma convivência feliz com a estatal. Agora, no passado, quando foi feita a privatização no setor petroquímico, o corpo técnico da Petrobras não aceitou bem a medida. Até porque as grandes petrolíferas do mundo são verticais. Para mim, o retorno ao fim da cadeia é correto. O plano estratégico mostra que ela vai apoiar os atuais competidores e vai participar de investimentos novos. Isso é 100% correto.

DINHEIRO ? Qual é o futuro desse setor?
FEFFER ? Eu tenho tido algumas conversas com o governo e com a ministra das Minas e Energia, Dilma Roussef. Sinto que há uma preocupação quanto a fragmentação do setor. Discute-se sobre a possibilidade de estimular a competitividade da indústria. Como fazer isso é que não está claro. O segredo está aí. Eu conversei com a ministra alguma vezes e a vejo com uma postura muito positiva. Ela conhece o problema.

DINHEIRO ? Quais as intenções da Suzano na área petroquímica?
FEFFER ? A linha mestra é o gás e não a nafta (matérias-primas básicas para a produção de plásticos). É uma questão de filosofia empresarial. Nós já conhecemos a tecnologia. Já manifestamos interesse à Petrobras e ao governo paulista de usar o gás de Santos para fazer um pólo gás-químico em São Paulo (no Rio de Janeiro, a Suzano é uma das acionistas majoritárias da Rio Polímeros, empreendimento de US$ 1 bilhão que entrará em funcionamento em abril de 2005). Essa matéria-prima é um assunto que nos interessa. Seria um projeto moderno e competitivo, destinado a atender o mercado interno e o externo. Poderia ter um, dois ou três sócios. Teria escala global, porque não dá para competir nesse mercado se não houver volume.