07/05/2008 - 7:00
HENRIQUE MEIRELLES foi o primeiro a saber. Seu telefone tocou às 15h30 da quarta- feira 30. O presidente do Banco Central estava em São Paulo e já se preparava para passar um feriado tranqüilo no Rio de Janeiro. Do outro lado da linha, de Nova York, era Lisa Schineller, diretora da agência de classificação de risco Standard & Poor?s ( S&P), com uma boa notícia: o Brasil acabara de alcançar o almejado grau de investimento. Com ele, o País passa a ser considerado um porto seguro para os investidores e o efeito foi imediato ? a Bovespa subiu 6,3% na véspera do 1O de Maio. Logo que desligou o telefone, Meirelles discou para o presidente Lula, que estava em Maceió. Lula ficou extasiado. ?O Brasil foi declarado um País sério, que tem políticas sérias, que cuida das suas finanças com seriedade e que por isso passou a ser merecedor de uma confiança internacional que há muito necessitava?, discursou Lula.
Depois de cinco anos de uma política econômica consistente, com crescimento em torno de 5%, reservas de US$ 195 bilhões, saldo comercial de US$ 25 bilhões e superávit primário acima dos 4%, o Brasil foi premiado. E isso teve um sabor especial porque ocorreu num momento de crise internacional. ?Isso mostra que o Brasil está resistente a choques externos?, disse Meirelles. Mas quando a notícia chegou, pegou os gabinetes do Planalto num clima de feriado. Assessores souberam da novidade por uma agência de notícias. O telefonema de Lisa foi dado poucos minutos antes de a Bloomberg divulgar sua nota oficial. ?É nossa política informar as autoridades sobre a mudança do rating soberano, de forma confidencial, pouco antes de divulgarmos ao público?, disse ela à DINHEIRO.
A rapidez tirou do governo a oportunidade de faturar com a boa notícia. O Banco Central e Ministério da Fazenda prepararam às pressas entrevistas de seus titulares. Meirelles falou com a imprensa em Brasília em uma videoconferência, pouco mais de meia hora após receber a notícia. E assegurou que vai manter a política atual. ?A própria agência coloca a continuidade da política econômica e o regime de metas de inflação e de câmbio flutuante como fundamentais para a classificação?, disse o presidente do BC, com um visível ar de felicidade. O ministro Guido Mantega, que se preparava para viajar para São Paulo, foi avisado logo depois, pelo secretário do Tesouro, Arno Augustín. Em poucos minutos, a equipe econômica afinou o discurso, o que obrigou Mantega a elogiar publicamente a política monetária de Meirelles, recheada de juros altos, e elogiada pelo mercado internacional. ?Tão importante quanto a solidez dos fundamentos econômicos é a inflação sob controle?, disse Mantega.
Na véspera do feriado de 1o de Maio, o ministro Guido Mantega comemorou a decisão da Standard & Poor?s e previu conseqüências positivas para a economia, mas não alterou a previsão de crescimento, ainda em 5%.
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O que essa nota representa?
Que estão todos de parabéns. O povo brasileiro e os governos. Nos tornamos um país mais respeitável, mais sério e mais atraente para investimentos.
O que muda a partir de agora?
Vamos atrair mais investimentos, o risco Brasil vai diminuir e um dos efeitos do grau de investimento é a redução da taxa de juros, do custo financeiro, da taxa de captação para o Brasil.
O real pode se valorizar mais?
O câmbio é flutuante, portanto, é natural a valorização da moeda. Isso ocorreu com todos os países que viraram grau de investimento, as importações estão subindo e temos déficit nas transações correntes. Mas temos o IOF para desencorajar o capital especulativo de curto prazo e o governo trabalha num programa forte de estímulo para as exportações, que é a política industrial que será lançada no dia 12. Além disso, a inflação está sob controle e temos reservas suficientes para garantir os movimentos de capitais.
O crescimento pode ser revisto?
Vamos manter os 5%, que vínhamos prevendo. É melhor ser moderado do que ser surpreendido. Mas o grau de investimento abre perspectivas novas para o País.
Em sua última viagem a Nova York, Mantega já havia se encontrado com Lisa, da S&P, e Shelly Shetty, diretora da Fitch, outra agência de risco. O ministro apresentou a melhoria do gasto fiscal e todos os quesitos econômicos capazes de convencer os analistas de que o Brasil merecia ser investment grade. ?Vim para colocar o PIB na mesa?, disse, na ocasião. E a estratégia de Mantega surtiu efeito ? especialmente no mercado financeiro. A Bolsa de Valores de São Paulo atingiu a marca de 67,8 mil pontos no dia do anúncio. O movimento recorde foi de R$ 9,7 bilhões, ante R$ 5 bilhões em média. O dólar cedeu 2,52%, fechando a R$ 1,66, e o risco-país atingiu 217 pontos. Espera-se agora uma nova apreciação do real, o que teria um efeito benéfico sobre a inflação. Junto com a dívida soberana, a agência também elevou o rating de dez empresas brasileiras. Outras duas agências de classificação de risco, Moody’s e Fitch, estão revisando os números do Brasil e podem anunciar a mudança em breve. Na semana passada, uma equipe da Fitch esteve no País. O aval da agência à capacidade de pagamento do Brasil deve trazer ainda mais investimentos ao País, que já recebeu US$ 8,8 bilhões no primeiro trimestre.
O ministro Mantega também aproveitou a euforia em torno da conquista do investment grade para anunciar o aumento dos combustíveis ? e de quebra minimizar a repercussão na imprensa no dia seguinte. O aumento de 10% na gasolina para as refinarias foi compensado pela redução da Cide, com impacto zero para o consumidor.
Nada parecia deter o otimismo. E os empresários brasileiros também estão animados com as perspectivas de mais investimentos, especialmente em infra-estrutura, um setor que precisa de mais segurança do que os investidores do mercado financeiro. A Fiesp e a CNI acreditam que o grau de investimento sinaliza baixa de juros. Além disso, outras grandes empresas brasileiras podem entrar na classificação de investment grade das agências, melhorando seu acesso a capitais internacionais. O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, acredita que as companhias terão chance de encontrar capital mais barato. ?Com a concessão do grau de investimento, há uma tendência de acentuação dos fundamentos da economia, permitindo as empresas e bancos brasileiros acessar o mercado internacional com custos cada vez mais competitivos?, afirmou.
O economista-chefe do Morgan Stanley, Marcelo Carvalho, considerou a notícia ?uma grande conquista, um marco na história econômica do Brasil?. Entretanto, apesar do bom momento da economia, o aval da Standard & Poor?s vem num momento de fragilidade justamente nas contas externas. O temor é que, ao se tornar ainda mais atraente ao capital externo, o Brasil receba justamente uma enxurrada de moeda estrangeira, o que apreciaria ainda mais o real. O déficit de transações correntes ficou em US$ 10,7 bilhões apenas no primeiro trimestre, com o aumento das remessas de lucros das empresas estrangeiras num volume 118% superior ao mesmo período do ano passado. A balança comercial, que em março do ano passado teve superávit de US$ 3,3 bilhões, teve o número reduzido para um terço deste valor em março deste ano. A mudança no rating exatamente neste momento pode aliviar um pouco as inquietações que já começavam a ganhar corpo. Mas nada garante que o risco de deterioração das contas externas tenha sido totalmente afastado. Muitos acreditam que a apreciação cambial será limitada, mas esta linha ainda precisa ser testada. Lula, por sua vez, parece estar nas nuvens. ?Quis Deus que fosse exatamente no momento em que um presidente de sorte assumisse a Presidência da República?, declarou. Pode-se dizer que, finalmente, o presidente- operário chegou ao paraíso.
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?SOMOS PREVISÍVEIS? O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi o primeiro a receber a notícia do grau de investimento, na tarde da quarta-feira 30. Em seguida, ele comentou a nova classificação do Brasil e destacou a previsibilidade da economia nacional, fruto da estabilidade. Como o sr. avalia o novo rating? O que foi determinante? A classificação veio tarde? O possível aumento do fluxo externo de recursos preocupa? |