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?No ano passado, a indústria nacional teve prejuízo de US$ 500 milhões?

 

 

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“O ministro Furlan entende o problema. Agora é conseguir atuar com força”

 

 

Dinheiro ? Por que a Azaléia decidiu produzir calçados na China?
Antônio Britto
? Todas as empresas estão se voltando para a China. No caso da Azaléia, produzimos 33 milhões de pares por ano e estamos fazendo na China apenas 70 mil pares para vender nos Estados Unidos. Em outras empresas, seguramente, os números são mais significativos. Isso mostra que se rapidamente não forem adotadas algumas medidas, o Brasil vai começar a exportar parte dos 500 mil empregos da indústria de calçados para o sul da China.

Dinheiro ? Qual é o grande vilão da história?
Britto
? O câmbio é o vilão mais novo. Ele veio agravar um quadro que já era de dificuldade. Quando a crise cambial chegou já encontrou a indústria cercada pela concorrência asiática, pelo contrabando e pelo custo Brasil. A China produz a um custo 30% inferior que o nosso a partir de uma legislação trabalhista que nenhum de nós quer ver aplicada no Brasil. Mas o fato é que eles estão fazendo 9 bilhões de calçados por ano, o que é mais da metade dos 14 bilhões que o mundo consome, e exportam 6 bilhões de pares. O Brasil exportava, antes da crise, 200 milhões de unidades. Só no mercado americano, a China já ocupa 85% do espaço. Quanto ao contrabando, a facilidade para importar e a falta de rigor no combate à pirataria faz com que 30% dos tênis vendidos no Brasil sejam falsificados, contrabandeados ou sonegados.

Dinheiro ? O que vai acontecer com o setor calçadista?
Britto
? As empresas maiores encontram uma saída com relativa facilidade, basta fazer como os grandes de todo o mundo, encomendar da China. O crime é mesmo contra as médias e pequenas empresas, geralmente familiares, que são a absoluta maioria do setor. Essas empresas não têm marcas para produzirem na China e começam a ter dificuldade de exportar. Com isso reduzem preços, ganhos, perdem dinheiro, ficam sem capital de giro e vão saindo do jogo. Nos últimos seis meses, mais de 40 fábricas foram fechadas no Rio Grande do Sul.

Dinheiro ? O que o setor de calçados reivindica?
Britto
? Em 1994, ocorreu a mesma crise quando houve a paridade entre o real e o dólar. Na época, o BNDES ajudou pequenas empresas a não perderem os mercado que conquistaram no exterior. Isso volta à pauta. Outro pedido é que a Receita Federal e a Polícia Federal enfrentem para valer o contrabando, a pirataria e a sonegação.

Dinheiro ? O senhor acredita que isso é possível?
Britto
? O presidente Lula e os ministros Palocci (Fazenda) e Furlan (Desenvolvimento) têm dado sinais de que compreenderam o problema. Agora é conseguir que atuem com força. Outros dois problemas completam o quadro. O primeiro é a perda do mercado argentino, quando o governo brasileiro aceitou uma exigência deles, restringindo o acesso do produto brasileiro à Argentina. Estamos perdendo esse mercado para a China, o que é muito ruim para as pequenas e médias empresas, que têm na Argentina um mercado próximo para a exportação.

Dinheiro ? Deixando câmbio e juros de lado, o que a indústria deixou de fazer para se manter competitiva?
Britto
? Qualquer empresa do mundo não é perfeita e tem o que melhorar. Só que no setor calçadista, quem sobreviveu à crise de 1994 fez o dever de casa. A média das nossas empresas está enxuta e tem excelente qualidade de produtos e de processos produtivos. Nosso problema é o preço. Os compradores americanos começaram a experimentar a China, que passou a garantir eficiência na produção e entrega. Daí eles vêm aqui no Vale dos Sinos, dizem que foi uma grande honra ter trabalhado com a gente e dão tchau.

Dinheiro ? Os chineses produzem com mesma qualidade que os brasileiros?
Britto
? As maiores empresas do mundo estão fabricando na China. Ninguém faz 9 bilhões de vezes uma coisa por ano sem aprender a fazer.

Dinheiro ? O que vai acontecer com os 800 trabalhadores de São Sebastião do Caí, onde a Azaléia fechou uma fábrica?
Britto
? Criamos um programa de treinamento, junto com o Senae, Sebrae e Sesi, para recolocá-los na indústria em geral. Também prorrogamos o plano de saúde deles por três meses e o contrato de trabalho de quem estava para se aposentar e negociamos com o sindicato o fornecimento de cestas básicas. De qualquer forma, acho que essa crise do setor é passageira e que o governo vai tomar medidas para conservar os empregos brasileiros.

Dinheiro ? O senhor acha que a meio ano do final do mandato o governo vai arrumar essa situação.
Britto
? Acho que sim. A crise se acentuou de julho do ano passado para cá, com perda de pedidos no exterior e o aumento das importações chinesas. Hoje, Lula e seus ministros se deram conta que o problema é real. Aprendi que quando isso acontece é questão de tempo aparecer alguma solução. Caso contrário, as empresas grandes vão se internacionalizar e o problema será das pequenas. A indústria brasileira não
está ameaçada. Nos próximos 15 anos a indústria só tende a crescer. A dúvida é onde vai crescer e se manterá os empregos por aqui.

Dinheiro ? O Brasil exporta mais calçado barato ou caro?
Britto
? Tem produções de alta qualidade destinadas a nichos de mercado com preços elevados, que disputam espaço em vitrines de Nova York e da Europa. Essa produção agrega bastante valor, mas é limitada em número de pares. Tem outro mercado que é o de larga escala, muito competitivo, com encomendas de milhões de pares. Este foi muito mais prejudicado pelos chineses. Algumas pessoas, inclusive do governo, perguntam por que não produzimos só para a classe A. Pela singela razão que esse nicho tem demanda pequena e se isso acontecesse custaria uma brutal redução do número de empregos e de fábricas. Isso seria possível para uma fábrica voltada só para a exportação. Quem visa o mercado interno, tem que olhar para a renda da população.

Dinheiro ? Existe o risco de os brasileiros usarem calçado Azaléia feito na China?
Britto
? Não. A indústria ainda tem condições de enfrentar o produto chinês no mercado brasileiro. Mesmo assim, as importações de sapatos da China triplicaram no último ano. Existe um sinal amarelo em relação às importações da China, mas é lógico que o produto brasileiro segue competitivo aqui. A perda de competitividade é quando Brasil e China disputam um terceiro mercado. Europa e México adotaram medidas para conter a importação de calçados e o Brasil não fez nada.

Dinheiro ? Outras empresas vão seguir o mesmo caminho da Azaléia rumo à China?
Britto
? Nenhuma empresa está escolhendo ou querendo ir para a China, mas é obrigada a isso. Há 15 anos as empresas não escolheram ir para o Nordeste, foram levadas a produzir lá por questão de custo. Hoje, não há quem não esteja indo examinar a China. A Bahia e o Ceará se mudaram para Xangai. Mas o Nordeste continua vantajoso para o mercado interno.

Wilson Dias/ABR

 

?O ministro Furlan entende o problema. Agora é conseguir atuar com força?

 
 

Dinheiro ? Qual sua opinião sobre o governo Lula?
Britto
? Ele teve a coragem de ser sensato em matéria econômica. Agora, o governo está tendo dificuldade para sair do sensato em direção a um processo de desenvolvimento mais acelerado. A gente caiu numa armadilha de juro de um lado e câmbio do outro e se não se livrar dela terá patamares muito insuficientes de crescimento.

Dinheiro ? O que precisa mudar para que as empresas de calçados retomem o crescimento?
Britto
? Podemos competir com a China se a gente tiver um combate intenso ao contrabando e à informalidade. Ou então uma mudança na política cambial. Ou ainda encontrar medidas de redução de custos, como os encargos salariais. O que não dá é combater os chineses sem nada disso. O mais difícil é a questão cambial, que não foi decretada pelo Brasil. Há uma extrema liquidez no mundo, que se volta para o Brasil por conta dos juros oferecidos aqui. A responsabilidade do governo não está na apreciação do real mas no volume que essa apreciação tomou.

Dinheiro ? Como o senhor avalia o ministro Furlan?
Britto
? Ele tem sido um parceiro do setor. Percebe rápido as coisas e age dentro do governo com muita eficiência.

Dinheiro ? Quando o câmbio atual afetará a balança?
Britto
? Torço para que isso não aconteça. Mas o que a gente vê é o número de empresas que exportam diminuindo. É uma questão de tempo a balança ser afetada. A liquidez internacional está adiando isso e o Brasil não aproveita o momento favorável. O importador do produto brasileiro não larga o Brasil de um dia para o outro. Ele vai desembarcando do Brasil e aprendendo a confiar e comprar dos chineses.

Dinheiro ? Como enfrentar os chineses?
Britto
? Inverteria a pergunta: como não enfrentar? Me recuso a pensar que o Brasil deva obter preço, reduzindo conquistas sociais. Mas para oferecer um regime de menos horas de trabalho, maior período de férias, o Brasil tem que ser eficiente no combate à burocracia, ao contrabando, melhorar a infra-estrutura e fazer as reformas trabalhista e tributária. Do contrário, perde por ter um regime trabalhista, felizmente, mais humano e por ser incompetente em outras questões.

Dinheiro ? Ao ir para a China uma empresa não colabora com a exploração da mão-de-obra que acontece por lá?
Britto
? Inevitavelmente, esse processo produzirá mudanças naquele País. O salário começa a subir na China, a pressão por liberdade cresce. Num determinado momento o ritmo de crescimento econômico da China vai trombar no regime político. E nesse dia, ou a economia abre a política ou a política vai trancar a economia. Tem uma música no Sul que diz: ?quando a gente abre as asas, nunca mais, nunca mais?. A presença internacional, mesmo limitada, produzirá a abertura de asas. Isso ajudará a oxigenar a política ou a emperrar a economia.

Dinheiro ? O senhor tem saudades da política?
Britto
? Tenho muita honra de ter sido governador, ministro. Hoje, estou à frente de uma empresa desafiadora, concentrando minha energia nisso.

Dinheiro ? O senhor acha que o PMDB deve ter candidato próprio?
Britto
? Não acho nada. Passo.