O empresário chileno Gonzalo Muñoz se transformou em um defensor intransigente das chamadas empresas B, aquelas que atuam com foco na obtenção do lucro social e ambiental, mas sem perder de vista sua sustentabilidade econômica. À frente da empresa de reciclagem TriCiclos, ele criou um dos mais robustos e bem-sucedidos projetos de gestão de resíduos da América Latina. O impacto dessa iniciativa no Chile foi tamanho que os participantes do projeto conseguiram reduzir em 90% sua produção de lixo. Nesta entrevista, Munõz, que será um dos palestrantes do seminário Sustainable Brands Rio, no dia 24 de abril, fala à DINHEIRO sobre as mudanças da economia global e destaca o papel do Brasil nesse novo cenário. “O Brasil pode e deve liderar a criação de um novo modelo econômico global”, diz.


DINHEIRO – A crise econômica, desencadeada em 2008, pode ser vista como um sintoma da falência do modelo econômico global? 

GONZALO MUÑOZ – Do meu ponto de vista, essa crise foi um exemplo espetacular da grande falência do modelo econômico focado única e exclusivamente no lucro e que coloca como aceitáveis as consequências negativas de seus atos. 

 

DINHEIRO – Mas o que pode ser feito para mudar esse sistema?

MUÑOZ – Falando de uma maneira simplificada, poderia dizer que o que precisamos é reforçar os mecanismos de controle que já dispomos. Existem centenas de casos em todos os cantos do mundo que representam exemplos bem-sucedidos de companhias que embarcaram na nova onda do capitalismo, que envolve os preceitos da sustentabilidade. 

 

DINHEIRO – Qual deve ser o papel do Brasil na busca por uma nova ordem econômica?

MUÑOZ – Eu verdadeiramente acredito que o Brasil pode e deve liderar as mudanças necessárias à criação de um novo modelo econômico global. Por se tratar de um país com imensas reservas naturais e uma cultura fantástica, o Brasil possui as credenciais para ser um parâmetro para as nações que foram muito longe no processo de destruição de seu meio ambiente e também para aquelas que ainda podem mudar o curso de seu estilo de desenvolvimento. 

 

DINHEIRO – E como os países emergentes podem entrar nesse debate?

MUÑOZ – Se eles continuarem com perspectivas e expectativas relacionadas a uma caminhada no mesmo passo dos países desenvolvidos, especialmente da Europa e da América do Norte, terão grandes problemas. Mas, para que esses países possam fazer uma travessia para um novo modelo de desenvolvimento sustentável, eles certamente precisarão de ajuda, inclusive financeira, para que não adotem os exemplos ruins.

 

DINHEIRO – Em geral, as decisões sobre a adoção de medidas para mitigar os efeitos do aquecimento global têm sido implantadas com mais rapidez por empresas do que por governos. Cabe à iniciativa privada o principal papel nesse debate? 

MUÑOZ – Não podemos imaginar que conseguiremos resolver os problemas ligados às mudanças climáticas sem enxergar a iniciativa privada como um elemento vital nesse debate. É por isso que em todos os acordos bilaterais sempre se embutem cláusulas de promoção de ações e medidas envolvendo os integrantes do setor empresarial. 

 

DINHEIRO – A chamada empresa social pode ser encarada como a evolução do sistema capitalista?

MUÑOZ – Não chegaria ao ponto de classificá-la dessa forma. Con­tudo, elas representam, definitivamente, o jeito como as novas gerações de empresários pretende redefinir a economia global. Isso não significa dizer que não seja necessário que as empresas tradicionais e as grandes corporações repensem sua maneira de fazer negócios e seu foco estratégico, a partir do ponto de vista da sustentabilidade.

 

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Laboratório da Natura, na fábrica em Cajamar, São Paulo

 

DINHEIRO – Como uma empresa pode ser sustentável, do ponto de vista econômico, em um mundo no qual os consumidores baseiam suas decisões de aquisição de produtos e contratação de serviços no fator preço? 

MUÑOZ – Costumo responder a esse tipo de questionamento com uma série de perguntas. É possível supor que as empresas poderão continuar produzindo da mesma forma que faziam há 20 anos, 50 anos ou 100 anos? A humanidade poderá suportar o aumento da população do planeta, mantendo-se como base o estilo de consumo e de vida dos americanos de classe média, se temos apenas um único planeta Terra de onde retirar recursos? Somos, de fato, a espécie inteligente do planeta? O tempo dirá.

 

DINHEIRO – O sr. poderia indicar algumas empresas que atuam de maneira correta? 

MUÑOZ – Uma das que eu mais gosto é a Natura. A fabricante brasileira de cosméticos está fazendo um trabalho muito bacana com marcas como SOU e Ekos. Há, ainda, a Patagônia, dos Estados Unidos, que tem uma mensagem direta e honesta orientando seus consumidores a não comprar mais do que necessitam. Essas duas empresas estão enviando uma mensagem bastante poderosa para o mercado, que, à primeira vista, parece ser contraproducente para seus negócios, mas trata-se de um jeito fantástico, inovador e totalmente sustentável de fazer negócios.

 

DINHEIRO – E quais são aquelas que estão fazendo tudo errado?

MUÑOZ – Acredito que as que não captam as emoções de consumidores, da comunidade na qual atuam, de seus fornecedores, de seus acionistas e dos colaboradores em geral. A começar por seus próprios funcionários, que são inibidos de usar sua inteligência para antecipar inovações e tendências ambientais e sociais. Além disso, também sou um crítico daquelas que temem mudar e fortalecer seus clientes, fornecedores e gestores públicos. Elas estão agindo da mesma maneira que os grandes predadores do passado, que imaginaram ser possível ser bem-sucedidos no futuro usando as velhas ferramentas. O que precisamos é de novas competências e mecanismos para aprimorar a nossa sustentabilidade. 

 

DINHEIRO – E como fica o Brasil nesse debate?

MUÑOZ – Do meu ponto de vista, o Brasil tem riscos, desafios e oportunidades em todos os aspectos do chamado Tripé da Sustentabilidade (pessoas, planeta e lucro). Digo isso apesar de o País ter se mostrado bastante forte e consistente do ponto de vista econômico, na última década, e em sua capacidade de fazer com que suas ações causem impacto em termos globais. Além do acerto de políticas sociais, problemas como a injustiça e a corrupção têm sido resolvidos de um modo apropriado. Mas, apesar desse quadro favorável, é preciso ficar atento à questão ambiental. Os abundantes recursos naturais devem ser explorados de forma inteligente, respeitando o meio ambiente e garantindo que eles também possam gerar riquezas para as próximas gerações. Para isso, é preciso intensificar a preservação e o desenvolvimento de mecanismo que permita a criação de uma economia baseada na prestação de serviços ecossistêmicos. 

 

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Estação de coleta Punto Limpio em Santiago 

 

DINHEIRO – Que pessoas o sr. considera que estão mais bem preparadas para liderar este novo mundo, no quesito sustentabilidade?

MUÑOZ – Tenho visto nos últimos anos como algumas personalidades latino-americanas vêm se destacando no cenário global, como o papa Francisco e o presidente uruguaio, José Pepe Mujica. Eles têm inspirado cidadãos ao redor do mundo com uma mensagem que prega um estilo de vida que une austeridade na posse de bens materiais, sustentabilidade, bem-estar e alegria. Trata-se do tipo de liderança que está se tornando influente e poderosa, e estou confiante que essa abordagem pode gerar empatia com os empresários e altos executivos. 

 

DINHEIRO – O sr. comanda a TriCiclos, considerada modelo na área de reciclagem no Chile. Qual foi o aprendizado desse processo?

MUÑOZ – Por meio do Puntos Limpios (Pontos Limpos, em tradução literal), conseguimos reduzir sobremaneira o descarte irregular de lixo nas ruas das principais cidades chilenas. Para você ter uma ideia, a geração de lixo da média das pessoas envolvidas chegou a cair 90%. A coleta abarca cerca de 20 tipos de resíduos e conseguimos esse nível de adesão porque as pessoas acreditaram em nossa garantia de que tudo que recebêssemos seria reciclado. 

 

DINHEIRO – Mas isso não prejudicou o trabalho dos recicladores individuais?

MUÑOZ – Muito pelo contrário. Nosso sucesso é fruto do fato de termos conseguido também incorporá-los ao processo, por meio da TriCiclos, cuja meta era transformá-los em empreendedores sociais, responsáveis pela gestão das estações de reciclagem instaladas nos bairros. A função deles passou a ser de verdadeiros monitores educacionais nas comunidades. Atingimos bons resultados, ainda, em relação às empresas, que começaram a enxergar mais claramente o impacto de sua produção na vida das pessoas e da cidade. A partir daí, trataram de bolar formas de reduzir a geração de resíduos, incorporando esse aspecto em sua estratégia de marketing. Hoje, a TriCiclos conta com 60 estações de coleta de resíduos no Chile. 

 

DINHEIRO – O sr. virá ao Brasil para a conferência Sustainable Brands Rio 2014. Qual é a sua expectativa em relação a esse evento?

MUÑOZ – Tenho um grande interesse de acompanhar os debates enfocando as iniciativas de empresas e as experiências de pessoas que deram um passo importante para ajudar na promoção e melhoria da sustentabilidade do planeta. Como integrante do chamado Sistema B, considero importante estar em contato com um número cada vez maior de empresas, influenciando-as a usar seu enorme poder econômico para ajudar a resolver os problemas sociais e ambientais do planeta.