DINHEIRO ? Há 100 anos, a Argentina era uma das grandes apostas para o futuro. O que a história nos ensinou?

GERARD LYONS ? A principal lição é de que nada é garantido. A Argentina foi muito bem até a virada do século XX. Muitos países têm potencial, a questão importante é o que eles fazem para chegar lá. Há uma década, o Brasil e a Indonésia causavam preocupação; hoje são exemplos do que se pode obter com as instituições corretas e a política macroeconômica adequada.

 

 

DINHEIRO ? Como o sr. vê o Brasil de hoje?


LYONS ? Com otimismo. No processo de mudança do equilíbrio de poder, os países vencedores são aqueles que têm recursos naturais ou financeiros ou a habilidade de se adaptar e mudar. O Brasil é um modelo muito interessante, pois em muitos aspectos tem commodities, dinheiro e criatividade. Quando fui ao Brasil pela primeira vez, há dois anos, fiquei surpreso, pois a distância eu pensava na América Latina como uma única região. Isso era errado. O Brasil é muito diferente, fala outro idioma, tem uma cultura um pouco diversa e não quer assumir o papel natural de líder regional. Conheço mais a Indonésia que o Brasil, mas vejo muitas similaridades entre os dois nos últimos dez anos. Os mercados domésticos são fortes, a política econômica tem muita credibilidade. A política transformou as duas economias em curto espaço de tempo. O Brasil tem projetos de infraestrutura a caminho com a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Provavelmente serão construídos alguns ?elefantes brancos?, mas os dois eventos serão importantes para aumentar o conhecimento sobre o País. O grande negócio para o Brasil são seus laços com a China, com a Ásia, com a Alemanha. E sua habilidade natural para desenvolver o mercado doméstico. A Índia é uma das economias que muitos brasileiros não consideram, pois é muito voltada para o mercado doméstico. A Índia tem um potencial de abrir consideravelmente e o Brasil deveria pensar nela de forma estratégica. 

 

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“A China é um mercado difícil, os salários estão subindo muito”

Operária de tecelagem em Hefei, na China 

 

   

DINHEIRO ? De que maneira? Como destino de investimentos diretos ou para parcerias comerciais, como acontece com a China?


LYONS ? Certamente o setor de serviços é interessante para o Brasil, pois o mercado doméstico da Índia é grande para quem quer vender. As grandes empresas chinesas têm ido mais para o Exterior atualmente, coisa que as indianas já fazem há mais tempo. Isso atrai dinheiro para o Brasil, como um mercado-alvo de vendas. A grande diferença é que a China é muito dirigida pelo Estado. Os negócios envolvendo energia, por exemplo, são tratados na esfera dos governos. Na Índia, as tratativas são mais entre as corporações do que entre os governos.

 

 

DINHEIRO ? A Embraer fechou a fábrica que tinha na China. É muito difícil para os estrangeiros fazerem negócios por lá? 


LYONS ? Meu pai trabalhou para uma companhia aeronáutica inglesa que foi comprada pelos americanos. A fábrica foi fechada e os planos foram todos para os Estados Unidos. Essas coisas acontecem há muitos anos. A China é um mercado difícil. Os salários estão subindo muito, o que eleva os custos e se torna um problema central. Uma lição da crise é que a China tem que subir um degrau na escala de valor, não pode confiar na venda de produtos baratos para consumidores ocidentais superendividados. O desafio é proteger os direitos de propriedade intelectual e migrar para o topo da cadeia de valor, em que o importante não é o preço. Alguém sempre pode fabricar um produto mais barato que o seu. Você precisa fazer algo que tenha um diferencial não ligado ao preço. Fácil de falar, difícil de fazer.

 

 

DINHEIRO ? A Índia é uma aposta melhor que a China para o futuro?


LYONS ? Os dois países são boas apostas, mas as pessoas estão subestimando a Índia. Não deveriam. A China abriu sua economia em 1970 e se desenvolveu de maneira fenomenal, passa por uma revolução industrial. A Índia só abriu em 1991 e não levou muito a sério. Só em 2003 e 2004 começou a avançar e, desde então, tem crescido fortemente. Precisa recuperar o tempo perdido e, se adotar as instituições e o ambiente regulatório adequado, como se espera, tem um potencial de alta muito grande. Não pode ser desprezada. A economia mundial é de US$ 61 trilhões e os Estados Unidos respondem por US$ 14 trilhões. Crescem devagar, mas ainda são a economia dominante. Há crescimento maior em outras economias, como a da China, que produz US$ 5 trilhões, e a da Índia, com US$ 1,3 trilhão. O potencial de alta da Índia é muito grande, pois ela precisa criar empregos para sua população jovem. Ambos os países terão bom desempenho, mas o maior potencial de alta está claramente na Índia.

 

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“A estratégia de Lula de se aproximar da África está certa”

Presidente Lula em visita oficial a Acra, na República de Gana

    

 

DINHEIRO ? Quais são as vantagens comparativas?


LYONS ? A Índia é uma democracia, tem uma demanda interna crescente. A infraestrutura é um desafio que precisa ser enfrentado. Em tecnologia da informação e software, no entanto, oferece padrão mundial. O potencial industrial é muito forte. O setor financeiro está ficando mais desenvolvido. E a demografia é vantajosa: a Índia tem 17% da população mundial. Uma em cada 11 pessoas é indiana e tem menos de 25 anos. Isso é um fenômeno. A população da China vai envelhecer significativamente nos próximos anos. A taxa de dependência (de jovens e velhos) da China chega ao fundo do poço em 2015 e a da Índia, em 2040. A China tem um problema de gênero: há 120 homens para cada 100 mulheres. Na Índia, nascem 110 meninos para cada 100 meninas. O normal seria em torno de 105 para 100. É um problema a ser considerado. A Índia tem uma população jovem, mas precisa conseguir fazer as coisas certas na economia. Você pode ter os melhores jogadores de futebol do mundo, mas, se escolher errado, adotar a tática errada, você perde.  

 

 

DINHEIRO ? Como o sr.  vê o risco político na Índia?


LYONS ? É estranho. A Índia tem três milhões de representantes eleitos, dos quais um milhão são mulheres. O maior valor da Índia é a sua democracia, mas isso também pode ser um problema, pois significa mais tempo para conseguir fazer as coisas. O processo é mais lento, o planejamento pode ser vagaroso e isso pode segurar um pouco os negócios. Mas, quando as pessoas precisam, elegem pessoas que adotam boas políticas para a economia. Um bom exemplo é Bihar, um Estado empobrecido que, de repente, fez reformas e passou a atrair investimentos. Agora está crescendo rapidamente. 

     

  

DINHEIRO ? Quais são os maiores problemas do país do ponto de vista dos homens de negócios?


LYONS ? Falta de infraestrutura e excesso de regulação. Na China, a infraestrutura está melhorando consideravelmente, pois eles não precisam se preocupar com o que a população pensa, simplesmente impõem as mudanças. Nesse aspecto, a China é mais parecida com Singapura, com planos de longo prazo, de cinco a 25 anos. A Índia é mais caótica. Isso aumenta seu charme, mas nem sempre garante o crescimento econômico.

 

 

DINHEIRO ? Seria melhor investir agora ou esperar?


LYONS ? Se você tem dinheiro, invista na Inglaterra, que estamos precisando (risos). O Ocidente precisa encarar as oportunidades das economias emergentes. O Brasil faz isso, está certo em olhar para a Ásia e não apenas desenvolver seu mercado doméstico. Eu não colocaria todos os ovos na mesma cesta. Além da China, pensaria em investir no sudeste da Ásia, pois fizeram tratados comerciais. O sul também tem de ser considerado: Índia, Paquistão, Bangladesh, Sri Lanka. Um terço da população vive nesta região.  

 

 

DINHEIRO ? O governo Lula se aproximou da África. É uma boa estratégia?


LYONS ? Sim, claro. A África está mudando muito, está saindo melhor que a encomenda. Obviamente, é preciso gerenciar as expectativas, ter paciência. Os novos corredores comerciais com a Ásia e a América Latina estão ajudando. O Brasil tem um papel fundamental criando seus próprios corredores comerciais.

 

 

DINHEIRO ? O mundo vive uma guerra cambial. Como o rebalanceamento da economia internacional irá ocorrer? 


LYONS ? A recuperação da economia mundial está acontecendo. O copo não está 100% cheio, mas tem dois terços de água e o setor privado precisa aproveitar este momento. Porém, o foco nos próximos 12 a 18 meses será no terço do copo que está vazio. As guerras cambiais são um reflexo disso. O problema é que elas levam a guerras comerciais e todos saem perdendo. O importante é não subestimar os riscos no curto prazo nem deixar de ser otimista no médio prazo.