14/09/2012 - 6:00
DINHEIRO ? Como o sr. imagina que a crise europeia evoluirá no segundo semestre? A Grécia vai deixar o euro, afinal?
MARTIN SENN ? Acreditamos que a zona do euro continuará intacta. Mas os problemas vão persistir, com crescimento muito fraco, grande volatilidade nos mercados financeiros e taxas de juros muito baixas. Com os programas de austeridade necessários, vai ser difícil usar recursos públicos para incentivar o crescimento. Os desafios continuam, mas acho que nenhum país deixará o euro, nem mesmo a Grécia. O custo econômico de sair da moeda seria inimaginável. É um processo lento, os governos estão adotando medidas, mas é difícil. Muitos estão enfrentando recessão.
DINHEIRO ? Nesse sentido, as exigências feitas pela Alemanha, de equilíbrio fiscal acima de tudo, não podem piorar a situação e colocar alguns países numa espiral de retração?
SENN ? Acho que os países que têm endividamento muito alto precisam reduzi-lo. Se não houver incentivo para reduzir a dívida, o risco é empurrar o problema, a um custo muito alto para a Europa e para a Alemanha, inclusive. Além disso, cada país tem seu eleitorado e há um limite de quanto um aceita ceder para o outro. Esse é o problema: não há uma união política nem fiscal, são 17 parlamentos, 17 bancos centrais, etc. O compromisso do Banco Central Europeu (BCE) de comprar bônus dos países já derrubou as taxas de juros pedidas pelo mercado, mas essa ajuda será condicionada ao país realizar reformas e tentar reduzir a dívida. E isso é um processo muito doloroso, temos que corrigir a expansão do passado, que foi financiada com empréstimos.
DINHEIRO ? Mas os ajustes não podem piorar a situação da economia, como no caso da Espanha, onde o índice de desemprego é de 25%?
SENN ? Os países precisam reduzir a dívida, mas encontrar maneiras de investir na retomada da competitividade, seja em infraestrutura, seja em educação. Na Espanha, a reforma do mercado de trabalho é necessária. Muitos países estão fazendo isso agora, avaliando e implantando reformas. Mas isso significa que os salários terão que cair, em alguns países, e que a prosperidade vai diminuir. Ninguém quer abrir mão do que já alcançou.
DINHEIRO ? Quanto tempo mais a crise dura?
SENN ? Claro, não tenho uma bola de cristal, mas acho que ainda teremos muitos anos de crescimento econômico baixo. Há alguns exemplos, entretanto, de sociedades que estão fazendo o máximo esforço para se recuperar. É o caso da Irlanda, que passou por uma crise gigantesca e está se recuperando com um acordo entre governo, empresários e população. É preciso encontrar um consenso, porque se isso não é feito em conjunto acaba gerando tensões. Por sua vez, isso cria incertezas no mercado financeiro, o que dificulta o financiamento do País.
DINHEIRO ? Quais são os riscos para a economia global?
SENN ? Os países emergentes terão um crescimento um pouco mais modesto, em consequência da redução da demanda na Europa e nos Estados Unidos. Para mim, o principal risco é a reação à desaceleração com medidas protecionistas. Vejo uma ameaça ao livre comércio que, afinal, foi o que permitiu o crescimento e a prosperidade das últimas décadas. Isso foi muito discutido na reunião do G-20 (grupo das 19 maiores economias mais a União Europeia), no México, e é uma preocupação de todos que possamos perder as vantagens do livre comércio.
DINHEIRO ? Como a Zurich está sendo afetada pela crise europeia?
SENN ? Somos um grupo muito diversificado, temos 20% da receita na zona do euro, outros 10% entre Inglaterra e Suíça. Cerca de 50% vêm dos Estados Unidos e 20% de mercados emergentes. Esses novos mercados estão crescendo muito rapidamente. Por exemplo, nos primeiros seis meses do ano, a venda de seguros nesses mercados cresceu 27%, ante uma redução de 2% na Europa. Mas houve um ganho líquido: enquanto a receita da Europa caiu U$S 150 milhões, a dos novos mercados aumentou US$ 600 milhões.
DINHEIRO ? A empresa quintuplicou de tamanho, no Brasil, depois da compra do controle da operação de seguros do Santander, na América Latina. Qual é a importância da região para a Zurich?
SENN ? Agora temos uma rede de distribuição muito grande, por intermédio das 6,5 mil agências do Santander no Brasil, Argentina, Chile, México, Uruguai e Venezuela, que contam com nada menos de 36 milhões de clientes. A América Latina tem uma população de 590 milhões de pessoas, maior que as dos Estados Unidos e Europa juntas. O Brasil, que representa 50% do PIB da região, é importantíssimo, acredito que haja grandes oportunidades para as seguradoras aqui. A indústria cresce muito mais que o PIB, porque a penetração dos seguros é baixa: aqui no Brasil é de 3% do PIB, no México é ainda menor, é a metade disso. Os mercados maduros têm em média 8% de penetração e a Suíça, por ser um país muito rico com tradição em seguros, tem 15%. É uma oportunidade fantástica para nós, até porque a competição é livre aqui.
Obras como a reconstrução do Maracanã, no Rio de Janeiro, mobilizam as seguradoras
DINHEIRO ? Quais são as áreas mais promissoras do mercado brasileiro?
SENN ? A ascensão de 55 milhões de pessoas à classe média está mudando o mercado. Estamos vendendo muito para essa população. Só um exemplo, já somos uma das maiores empresas na venda de seguros para smartphones, cujas apólices são vendidas nas lojas das operadoras de celulares. Estamos aumentando também nossa carteira de veículos. E uma área muito importante é a de seguros de infraestrutura, incluindo as obras para os eventos esportivos da Copa e dos Jogos Olímpicos.
DINHEIRO ? Por que o Brasil é prioridade mundial do grupo, mesmo tendo um crescimento inferior ao da China e da Índia, por exemplo?
SENN ? Esses outros mercados não são tão abertos. Na China, fomos uma das primeiras empresas estrangeiras autorizadas a operar em Pequim, em 1995, mas não podemos competir totalmente. Até hoje não podemos vender seguros de automóveis. Então, atuamos em nichos, principalmente seguros empresariais. Além disso, a participação acionária numa empresa local é limitada a 20%.
DINHEIRO ? E na Índia?
SENN ? Lá também é preciso ter um parceiro local, o limite para participação estrangeira é de 25% do capital da joint venture. Ou seja, é um investimento quase financeiro, porque somos minoritários. Por isso, é difícil comparar a China e o Brasil, pelas diferenças regulatórias e de abertura de mercado. Além disso, a China também está sendo afetada pela crise e pela redução de importações da Europa e dos Estados Unidos. Para outros países, crescer 7% ou 7,5% parece um desempenho fenomenal, mas para a China é um nível mínimo para conseguir gerar novos empregos. Por isso eles incentivam tanto o crescimento. Considerando essas questões regulatórias, o Brasil é mais promissor do que a China.
Trânsito em Nova Délhi: o país coloca um teto de 25% para
participação estrangeira em seguros
DINHEIRO ? Quanto a empresa deve crescer aqui nos próximos anos?
SENN ? A América Latina hoje é uma região de extrema importância para nós. Acho que será muito representativa no futuro. Estamos nos Estados Unidos há um século, hoje somos de longe a maior seguradora estrangeira lá e geramos 50% de nosso lucro no país. Temos mais de 30 mil empregados. E, quando eu penso na América Latina, fico tentando imaginar o que ocorrerá com a Zurich em 100 anos aqui no Brasil. Eu não estarei aqui, mas espero ver de algum lugar que a empresa será muito grande. A nossa reunião anual do conselho aqui em São Paulo é um forte sinal de comprometimento com o País.
DINHEIRO ? Como competir com os grupos locais, já que 70% da distribuição de seguros no Brasil é feita pelas agências bancárias e as seguradoras de bancos têm acesso a capital muito barato, dos depositantes?
SENN ? Nossa parceria com o Santander resolve essa questão. Além disso, temos 15 mil corretores atuando no País. Construímos nossa estrutura de distribuição de acordo com as características de cada país. Acredito que temos uma vantagem competitiva para ganhar espaço entre as grandes empresas brasileiras, que estão se internacionalizando e precisam de companhias com experiência global. Por exemplo, eu estava no Japão há duas semanas, e todas as grandes companhias japonesas costumavam contratar seguros com as empresas locais. Só que, no ano passado, com as enchentes na Tailândia, a cadeia produtiva foi muito afetada, e as seguradoras não tinham calculado esse risco nem tinham muita experiência. Por isso as companhias japonesas agora estão mais interessadas em contratar seguros com empresas internacionais. É interessante, a interconexão dos riscos significa que as empresas terão que lidar com os problemas globalmente. Uma grande multinacional não quer lidar com contratos com 50 seguradoras diferentes, prefere ter uma, ou algumas, que atendam às suas necessidades mundiais, desde segurar o risco político de um investimento até desenhar um plano de aposentadoria para os funcionários.
DINHEIRO ? A Zurich não perdeu dinheiro com aplicações em bancos que tiveram dificuldades desde 2008?
SENN ? Somos muito conservadores na aplicação das reservas, não queremos alta rentabilidade nisso. Queremos que o maior retorno para o acionista, de 15% em média, seja gerado pela atividade seguradora. Desde 2008, só tivemos um único prejuízo: perdemos US$ 300 milhões com a falência do Lehman Brothers. Mas é preciso considerar que o Lehman tinha um bom rating na sexta-feira e não existia mais na segunda: isso não é algo que acontece com frequência. De qualquer forma, foi um volume pequeno em relação às nossas reservas de mais de US$ 200 bilhões na época. Foi chato, mas não perdi o sono por causa disso.