Para quem se acostumou a viver num País cronicamente devedor, é difícil acreditar que o Brasil seja hoje um dos maiores credores dos Estados Unidos. O País tem US$ 145 bilhões em títulos emitidos pelo tesouro americano e fica atrás apenas de três países: China, Japão e Reino Unido. O número tende a crescer mais com a política de acumulação de reservas do Banco Central – na semana passada, as divisas haviam chegado a US$ 236,69 bilhões e a maior parte dos recursos tem sido aplicada em papéis do governo de Barack Obama.

A ironia é que o Brasil, que chegou a dar calote várias vezes e tremia com medo da fuga de investidores ao menor sinal de crise, agora tem em seus cofres 4% da dívida pública americana. “As reservas, que funcionam como um seguro, nos dão mais possibilidade de decisão”, avalia o presidente do BC, Henrique Meirelles.

US$ 145 bilhões é quanto o governo brasileiro já possui em títulos americanos

O problema é que essa política começa a ser questionada, em razão do impacto fiscal. Desde 2004, as reservas aumentaram em US$ 158 bilhões e o chamado “custo de carregamento” foi de US$ 36 bilhões – isso ocorre porque, para comprar dólares, o Brasil emite títulos pela taxa Selic, uma das maiores do mundo, e aplica em papéis americanos, que têm rendimento nulo. Além disso, há também um risco crescente na economia americana, cuja dívida está saltando de 40% para 100% do PIB. Nada disso assusta o governo. Meirelles prevê que as reservas brasileiras chegarão a US$ 300 bilhões no fim de 2010.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, não descarta que elas alcancem US$ 500 bilhões, num prazo que não quis determinar. “Elas estão cumprindo a função de reduzir a volatilidade externa e a pressão sobre o dólar”, disse à DINHEIRO um técnico da equipe de Mantega. “Existe um custo, mas vale a pena ter reservas elevadas porque elas protegem em momentos de vulnerabilidade”, afirma.

Para países que também são credores da economia americana, o tema tem sido tratado como questão estratégica. A China, que acumulou mais de US$ 2 trilhões, defende abertamente a criação de uma nova reserva de valor, que substitua o dólar. A simbiose entre China e Estados Unidos é tão grande, que, recentemente, o economista Paul Krugman fez uma provocação: “Eles nos vendem produtos ruins e nós vendemos a eles títulos podres”, afirmou. Sair dos papéis americanos, no entanto, não é tão simples.

O economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas e ex-presidente do Banco Central, diz que a diversificação é difícil, já que apenas três moedas são conversíveis: dólar, euro e o iene. “O BC tem que manter a maior parte das reservas na moeda mais líquida, que ainda é o dólar”, disse ele à DINHEIRO. Outros economistas, no entanto, avaliam que há mecanismos mais eficientes para conter a valorização do real. “Bastaria reduzir a taxa de juros”, diz Júlio Gomes de Almeida, do Iedi.

Outro exemplo da mudança de patamar financeiro do Brasil ocorreu na semana passada. Com o Fundo Monetário Internacional, o Brasil também passou a credor e decidiu aumentar de US$ 10 bilhões para US$ 14 bilhões seu aporte no Fundo, que vai emprestar dinheiro para países em dificuldades. De qualquer forma, há o risco de que o País acumule títulos que rendem pouco e valem cada vez menos.

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