10/12/2008 - 8:00
DINHEIRO – Qual será a profundidade dessa crise mundial?
SHAUN WALLIS – Ninguém sabe. O fato é que a economia vai se desacelerar. O investimento direto estrangeiro irá se reduzir em todos os países, pois as pessoas ficarão mais cautelosas. Os Estados Unidos e a Zona do Euro estão em recessão. O Japão e o Reino Unido, também. Como a maior parte do mundo econômico está em recessão, os investimentos em países como o Brasil vão diminuir. Provavelmente, pelos próximos dois anos. Há sinais. Um banco americano [o Citibank] anunciou recentemente cortes de 50 mil funcionários.
DINHEIRO – Esse tipo de coisa pode acontecer no Brasil?
WALLIS – Não. Há muitos cortes de empregos no setor financeiro, principalmente nos EUA e na Europa. Há menos consumo, o que afeta todo o setor de serviços, as indústrias, o setor de habitação, as montadoras de automóveis. É isso o que está acontecendo. Os americanos estão inseguros, há menos empregos, menos dinheiro. Vendem-se menos carros. As grandes seguradoras que garantem o crédito para a GM e a Ford retiraram suas coberturas. Esse tipo de efeito em cascata afeta as empresas, seus empregados, seus clientes. Como isso afetará o Brasil? Não sabemos. A parte do PIB que depende do Exterior será afetada, mas não está claro como isso irá impactar o resto da economia. Pensávamos que poderia haver uma tendência de redução no consumo no País. O governo ajudou a manter os financiamentos para automóveis e agolibera o Banco Central sugere um aumento das vendas de veículos. É difícil saber exatamente o que está acontecendo. Devemos temer a perda da confiança do consumidor. Isso não precisa acontecer.
DINHEIRO – Por quê?
WALLIS – Porque o sistema financeiro está estável. Há dinheiro suficiente. Muitos empregos não são ligados a setores dependentes de exportação, de volumes gigantescos de construção civil, de vendas alavancadas de imóveis. Nos EUA, no Reino Unido e na Espanha há muita dependência de financiamentos bancários, as pessoas tomaram muito dinheiro emprestado e comprometeram sua renda.
DINHEIRO – E aqui é diferente?
WALLIS – Até agora, sim. A quantidade de pessoas que estão financiando a compra da casa própria não é tão grande, é menos de 5%. Na Europa, chega a 70%.
DINHEIRO – Como manter a confiança dos consumidores?
WALLIS – É um assunto político. A crise tem tido um tratamento político nos países desenvolvidos. Os políticos conversam e agem rapidamente para estabilizar o sistema. Nos Estados Unidos, tivemos muitos retrocessos por parte das autoridades. Eles salvaram alguns bancos nos últimos seis meses, mas deixaram outros tombarem. É uma política pouco clara. Quando Paulson [Henry Paulson, secretário do Tesouro] salvou as gigantes hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, a moeda brasileira se enfraqueceu, pois as pessoas pensaram que o governo americano iria dar suporte a todos e começaram a comprar dólar. Para isso, venderam ativos e moedas com maior liquidez, como o real e as ações no Brasil. Na semana passada, Paulson disse que os US$ 700 bilhões do programa de recompra de ativos tóxicos não seriam usados para o objetivo inicialmente pretendido. Não se pode ter esse tipo de inconsistência. Os governos não podem tomar ações fortes num minuto e não fazer nada em outro. Isso deixa os mercados financeiros muito nervosos e inseguros. Ninguém sabe com certeza se deve comprar ou não títulos do Tesouro americano. Onde está a estabilidade das coisas? No Brasil, as coisas que afetam a economia têm vindo de fora. O que houve com a moeda brasileira não tem nada a ver com o que está acontecendo internamente. As quedas na Bovespa têm mais a ver com o sentimento dos investidores sobre o que ocorre no resto do mundo. Não se pode acreditar na validade das decisões que causaram as quedas tão fortes das ações da Petrobras e da Vale. Por que seus papéis oscilam tanto? Não faz sentido.
DINHEIRO – O governo brasileiro está lidando bem com a crise?
WALLIS – Com certeza. O dólar foi de R$ 1,56 a R$ 2,52 e o Banco Central despejou liquidez no mercado, ofereceu moeda com regularidade para as linhas de comércio, garantiu que todos os bancos tivessem acesso aos dólares necessários para apoiar o comércio exterior e mantê-lo vivo. Isso é muito importante. O BC fez muita coisa, liberou depósitos compulsórios, possibilitou a compra de ativos de bancos menores pelos grandes.
DINHEIRO – O crédito está fluindo?
WALLIS – Há muito crédito no sistema para as empresas e para os consumidores. Na Europa e nos EUA, muitos bancos ficaram sem linhas de crédito de outros bancos, que questionavam sua solidez e capacidade de geração de caixa. A ação dos bancos centrais reverteu esse quadro. Muitos bancos pequenos estavam emprestando mais do que tinham em depósitos, o que não é um sábio modelo de negócios. O perigo agora é que esse banco pequeno tenha mantido seu modelo de negócios e continue emprestando mais do que tem, desta vez com acesso a dinheiro barato. No Brasil, o sistema financeiro como um todo é estável. O governo tomou grandes medidas para fortalecer ainda mais o sistema, dando incentivos para os bancos grandes ajudarem os menores, mais liquidez. Não houve corrida de clientes de bancos pequenos para as nossas agências. Em setembro e outubro, não tivemos a mesma taxa de crescimento da demanda por crédito, provavelmente por outras razões, como a queda nas vendas de veículos. As pessoas estão mais inseguras, não sabem se vão para Miami ou trocam de carro agora, se não é melhor aguardar um pouco e ver o que acontece.
DINHEIRO – O sr. compraria um carro novo agora?
WALLIS – Não, mas é porque não sei dirigir em São Paulo (risos). Os brasileiros estão cada vez mais ecológicos. Não precisamos sair nem comprar coisas o tempo todo. Temos de ter bom senso.
DINHEIRO – Como fica a estratégia do HSBC no Brasil?
WALLIS – O HSBC é um banco global e quando cheguei ao Brasil, em maio, já tínhamos visto a crise durante um ano e meio. O que mudou? Houve contaminação, o Brasil não está isolado, mas foi menos afetado do que o resto do mundo até agora. Nossa estratégia de longo prazo não mudou. Este é um mercado emergente muito grande, temos cerca de 60% de nossos ativos e lucros em países emergentes da Ásia, do Oriente Médio e da América Latina. Estamos vendo uma mudança estratégica na balança de poder econômico, de população e de consumo em direção aos países emergentes. Nenhum país na Europa tem mais de 200 milhões de habitantes. O Brasil tem. Nossa estratégia é adequar os negócios conforme essa tendência. Os altos e baixos deste momento são uma questão secundária.
DINHEIRO – O banco considera crescer mais no Brasil?
WALLIS – Sim, mas há hora para tudo. O mundo todo está caminhando para a recessão, o Brasil não está e espero que continue assim. É um país extraordinário. Mas somos um banco conservador. Não estamos comprando nada nos EUA ou no Reino Unido porque não conseguimos ver o que vai acontecer por lá. Temos cerca de dez milhões de clientes no Brasil, é um negócio grande. Não é hora de ser agressivo. É hora de consolidar, fazer as coisas melhor dentro de casa e atravessar a tempestade. O HSBC é um banco muito antigo, começamos em 1865, em Hong Kong. Não havia bancos centrais. Fomos o primeiro banco na China, o segundo na Índia e o primeiro em muitos países do Oriente Médio. Sempre tivemos de confiar em nosso próprio capital, em nossos funcionários, em nossa liquidez. Fomos praticamente destruídos durante a Segunda Guerra em muitos países. Temos experiência em crises e fizemos negócios na maioria dos países. Aprendemos a manter capital suficiente e liquidez para atravessar as crises. Essa é a nossa filosofia. Somos conservadores para o futuro também.
DINHEIRO – A fusão do Itaú com o Unibanco muda o jogo no mercado bancário brasileiro?
WALLIS – Antes deles, o Santander e o ABN Real se uniram. O Bradesco e o Banco do Brasil eram muito grandes em seus mercados. Mudou alguma coisa entre eles todos? Acho que não. Entre eles e os demais? Não, pois já eram grandes. Eles ficaram maiores, mas levará alguns anos até que os benefícios dessas fusões sejam plenamente obtidos. Quando compramos o Midland em 1997, foram cinco anos para aproveitar todos os benefícios da aquisição. Tamanho não é tudo. Muitas fusões e aquisições fracassam. O Royal Bank of Scotland comprou o National Westminster e tornou-se um dos maiores bancos do mundo, mas agora teve de ser socorrido pelo governo britânico. A escala não é tudo, mas tenho certeza que os bancos aqui são muito competentes e profissionais e vão ter sucesso. Seu próximo passo será interessante. O que fazer agora? Ir para o Exterior pode ser muito perigoso. Veja o que aconteceu com o Citibank, com o RBS, com os grandes bancos chineses. Essas coisas não são certas. Há uma recessão a caminho. É hora de sermos conservadores.