DINHEIRO ? O Brasil acaba de aprovar uma nova Lei das S/A, que, entre outros objetivos, quer atrair capital estrangeiro. O que a sra. acha dela?
MARY PODESTA ?
Ainda não tivemos tempo para analisar o texto da lei. Por isso, prefiro não comentar o assunto.

DINHEIRO ? Mas, em geral, como os grandes fundos americanos vêem o Brasil como destino para investimento? O País está melhor ou pior que outros países emergentes?
PODESTA ?
Os fundos americanos que investem no exterior analisam uma série de fatores antes de escolher onde colocarão suas fichas. Isso inclui, por exemplo, até que ponto as leis e regras de mercado protegem os minoritários e como os regulamentos do país, em relação à liquidação e compensação, garantem o dinheiro dos investidores. No ano passado, a ICI publicou uma pesquisa chamada Governança Corporativa Global, que analisou as práticas adotadas em vários países, inclusive o Brasil. O estudo queria ajudar as instituições a entenderem as forças e as fraquezas de cada sistema. Concluiu que, no caso do Brasil, há uma série de problemas para os investidores estrangeiros.

DINHEIRO ? Quais são esses problemas?
PODESTA ?
Há vários mecanismos que dificultam para os investidores de fora o acesso ao voto nos conselhos, ou mesmo a simples presença nas assembléias de acionistas. O período de convocação que antecede as reuniões de acionistas é muito curto e a notificação pode ser feita apenas com um anúncio no jornal ? e não por meio de correspondência, como é o ideal. Também se exige uma lista imensa de documentos para que um investidor estrangeiro possa participar de um encontro ou enviar um representante. Além disso, embora as leis brasileiras aceitem a lógica de one share/one vote (uma ação/um voto), as companhias geralmente passam por cima desse princípio em seus estatutos. Tem mais: no Brasil, as companhias que têm capital aberto mas não estão listadas em bolsa são livres para impor restrições à compra de suas ações por estrangeiros. Ora, essas são coisas que os grandes fundos levam em consideração na hora de escolher onde porão seu dinheiro.

DINHEIRO ? O Brasil isentou os investidores estrangeiros da CPMF, um dos impostos que mais incomodavam. Mas ainda há muita reclamação sobre a taxação no mercado acionário. Isso afeta a decisão dos americanos sobre investir no País?
PODESTA ?
Obviamente, impostos sobre transações e quaisquer outros impostos são fatores que os fundos levam em conta antes de decidir se vão ? ou como vão ? investir no estrangeiro. No Brasil, há várias maneiras pelas quais um americano pode entrar no mercado de ações, mas mesmo sabendo que ele pode minimizar a carga tributária ? escolhendo optar por um determinado anexo ou outro ?, cada uma das alternativas envolve um tipo de custo, além de fardos administrativos e contábeis mais ou menos pesados. Evidentemente, os administradores de carteiras levam em consideração esses custos e esses encargos.

DINHEIRO ? Os analistas afirmam que, graças à tecnologia e à informação, os aplicadores hoje mantêm seus investimentos em ações por períodos cada vez menores de tempo. Isso torna os mercados mais voláteis e arriscados. Não é um perigo?
PODESTA ?
O período que os investidores permanecem nos fundos mútuos é um dos temas mais discutidos nos EUA. Nós não acreditamos na tese de que os investidores estão trabalhando com horizontes mais curtos. Ela é baseada erroneamente em informações sobre taxas de resgate em fundos de equity, e não no comportamento dos fundos em geral. A ICI fez um estudo mostrando que, se 2% dos participantes de um fundo começam a vender suas cotas com freqüência, eles criam a impressão falsa de que o volume de resgates é muito alto em relação ao total. Esse índice, porém, não reflete o comportamento dos outros 98% dos investidores. De fato, há uma série de indícios de que os investidores ainda apostam no longo prazo. Um estudo que publicamos no ano passado mostra que 82% dos investidores de fundos não venderam nenhuma cota em um período de 12 meses. Este número bate com outra pesquisa da ICI, repetida várias vezes entre 1992 e 1999. Também nossos estudos mostram que, quando os acionistas decidem vender, geralmente se livram de um papel que mantiveram durante muito tempo. Apenas 20% vendem ações que guardaram por menos de um ano. Finalmente, quem faz essas operações diz que precisava do dinheiro para alguma compra grande, como um automóvel. Por isso, acredito que os aplicadores continuam investindo a longo prazo.

DINHEIRO ? Depois do estouro da bolha da Internet, o grande público não ficou com medo de investir em ações?
PODESTA ?
O mercado financeiro americano já passou por diversos ciclos parecidos no passado, muitos deles depois de um período de excesso especulativo. O ciclo que vivemos hoje não difere deles. Durante o período de baixa, o fluxo de dinheiro que ia para os fundos de ações se reduz ? e, em certas ocasiões, chega a ficar negativo. Com a recuperação dos preços das ações, o fluxo se torna positivo novamente. Assim, imaginando que a economia americana se recupere e os valores das ações subam, os investidores devem voltar para as bolsas. Se a tendência de alta se confirmar, não acho provável que a fuga das ações de tecnologia seja permanente.

DINHEIRO ? Como a sra. pode ter certeza disso?
PODESTA ?
As famílias americanas pensam em ações como investimentos para a aposentadoria. Fundos de pensão e planos privados de previdência investem nas bolsas. Assim, é pouco provável que os americanos abandonem a aplicação em ações, a longo prazo. Mesmo nos períodos de mercado em baixa, quando o dinheiro foge dos pregões, o volume de capital que vai embora é pequeno. O estouro da bolha da tecnologia deverá ser tomado pelos poupadores como uma lição sobre a importância de diversificar. A maioria dos aplicadores sabe que apostar em ações é arriscado, está disposta a aceitar o risco porque ele proporciona lucro e entende que diversificar reduz o perigo. No dia seguinte ao colapso das pontocom, o público investidor provavelmente vai preferir optar por fundos que não tenham apenas aplicações de bolsa, ou que combinem papéis de empresas de setores distintos.

DINHEIRO ? Os investidores de todo o mundo parecem estar fugindo das ações e migrando para a renda fixa…
PODESTA ?
Nos dois primeiros meses de 2001, o volume de investimentos para fundos de ações enfraqueceu e, de fato, em fevereiro ele registrou o primeiro fluxo negativo em dois anos e meio. No mesmo período, o fluxo para fundos cambiais ou de renda fixa aumentou. Achamos que isso se deve a uma combinação de fatores. Um é a persistente fraqueza dos mercados, no mundo todo. Outro, a queda dos juros americanos empurrou os investimentos para os mercados de dívida. É importante pôr em perspectiva esses movimentos. No ano 2000, o mercado acionário teve um crescimento recorde, com aumento líquido de US$ 300 bilhões em investimentos. Esse fluxo superou em 35% o recorde anterior, de 1997 (antes da Crise da Ásia) e aconteceu apesar da queda das principais bolsas durante três quartos do ano. Em oposição a isso, o mercado de títulos de dívida teve uma grande fuga no ano passado. Agora, há um refluxo.

DINHEIRO ? Os sites de investimento pela Internet estão tendo dificuldades para emplacar no Brasil. Como é a situação deles nos EUA?
PODESTA ?
Nossas pesquisas mostram que nos EUA os investidores aumentaram muito seu uso de Internet nos últimos três anos. Mas em geral eles não usam a rede para comprar e vender ações. Um estudo mostrou que 68% das famílias que têm investimento em fundos usaram a Internet num período de 12 meses. Quase a metade, porém, o fez apenas para olhar sites de fundos mútuos. Elas usam a rede para verificar o quanto esses fundos estão rendendo, qual o preço das ações e tirar extratos de suas aplicações. Ou seja, principalmente para obter informação. Somente 9% dos investidores admitiram ter comprado ou vendido ações on-line. A baixa incidência de transações pode ser explicada porque esses fundos trabalham sem muita papelada, portanto a vida dos clientes já é extremamente fácil mesmo sem recorrer à Internet. De qualquer maneira, isso pode mudar. Os investidores que usam a rede são justamente os mais jovens e de renda mais elevada.

DINHEIRO ? A Previdência brasileira está quebrada e precisa ser reformulada. Muitos defendem a adoção de um sistema privado, como o americano. Que conselho a sra. daria a quem terá de fazer essa reforma?
PODESTA ?
Como a expectativa de vida cresce cada vez mais, nenhum país no mundo pode continuar dependendo apenas de sistemas de aposentadoria governamentais. Cada país terá de achar maneiras de reforçar a previdência privada, com programas de incentivo para empregadores e empregados. Nos EUA, temos um sistema governamental, outro sistema privado, além de contas de aposentadoria individuais que oferecem aos cidadãos empregados a oportunidade de poupar para sua aposentadoria. Eu reluto em oferecer uma solução ao Brasil sobre como reestruturar seu sistema, porque cada país tem sua legislação e sua história próprias e o que funciona em um lugar pode não funcionar no outro.

DINHEIRO ? Mas o que a senhora acha que poderia ser aproveitado do modelo americano?
PODESTA ?
Primeiro, ele dá incentivos fiscais aos empregadores e empregados para contribuir para esses programas. Depois, ele aumentou a popularidade de planos de contribuição definida, que crescem mais rápido do que os de benefício definido, e parecem mais adequados para os trabalhadores de hoje, que têm maior tendência a mudar de emprego e gostam de poder trocar de administrador ? o que é permitido pela legislação. Também percebo que muita gente faz questão de escolher como o dinheiro de sua aposentadoria será investido, vantagem típica dos planos chamados 401(k), os mais populares nos EUA. A legislação americana não restringe os tipos de produtos financeiros que podem ser usados para planejar aposentadoria. Nos EUA, a indústria de fundos apoiou fortemente as leis criadas para aumentar as contribuições, por meio de isenções de impostos, e encorajar pequenas empresas a oferecerem planos para seus funcionários.