01/11/2012 - 4:00
DINHEIRO ? Nos anos 1980, o Brasil estava insolvente. Atualmente, o País é credor do Fundo Monetário Internacional (FMI). Como o sr. vê essa mudança?
WILLIAM RHODES ? O Brasil fez o que era certo, enfrentou seu problema fiscal de frente, e agora está colhendo os frutos de suas decisões. Além de fazer um plano de renegociação da dívida externa [o Plano Brady, assinado em 1992], vocês enfrentaram o problema das dívidas dos governos estaduais. Não foi fácil, nunca é fácil, mas é algo que a Espanha deveria fazer, por exemplo. Claro, o Brasil teve a sorte de contar com uma equipe econômica de excelente nível, mesmo antes de Fernando Henrique Cardoso tornar-se ministro da Fazenda. O fato de o Brasil ter pessoas como Pedro Malan, Armínio Fraga e Murilo Portugal na mesa de negociação facilitou muito as coisas. Esse time colocou o Plano Real de pé sozinho. O Brasil teve e continua tendo muita sorte.
DINHEIRO ? No que, por exemplo?
RHODES ? Vocês tiveram três excelentes banqueiros centrais em seguida: Armínio Fraga, Henrique Meirelles e Alexandre Tombini. Poucos países tiveram essa sorte. Isso, e o fato de vocês terem se mantido firmes na decisão de equilibrar o orçamento, sanear as contas públicas e estabilizar a moeda fez toda a diferença. Reconheço que não foi um caminho fácil. Houve anos ruins, em que a economia cresceu pouco, ou não cresceu. Durante muito tempo, o desemprego e os juros foram altos e o crédito ficou contraído. Mas vocês superaram problemas que a Europa vai levar tempo para resolver.
DINHEIRO ? Quais?
RHODES ? Por exemplo, a saúde do sistema financeiro. O sistema brasileiro é um dos mais fortes do mundo. Houve problemas no início do Plano Real, mas os bancos atualmente são fortes. Isso vale também para outros países da América Latina, que deixaram o grupo dos países emergentes. A situação está muito melhor. Há inflação, mas não hiperinflação, a situação é diferente dos anos 1980 e 1990. No caso europeu, os bancos estão em má situação, e vai levar tempo e dinheiro para conseguir saneá-los.
DINHEIRO ? Como o sr. compara esse período na América Latina com a situação atual na Europa?
RHODES ? A situação da Europa é mais difícil. Durante a crise da dívida dos anos 1980, os países da América Latina tinham de tratar com os bancos credores e com o FMI. Agora, os países da Europa têm de lidar com três instituições diferentes. Além do FMI, há o Banco Central Europeu (BCE) e as autoridades da Comissão Europeia, em Bruxelas. É difícil conseguir um consenso entre essas três entidades e os governos nacionais. E há um problema mais sério, que é a falta de apoio político às decisões que têm de ser tomadas.
Os banqueiros centrais, a partir da esquerda: Pérsio Arida, Gustavo Franco,
Alexandre Tombini, Armínio Fraga e Henrique Meirelles
DINHEIRO ? O que trava o apoio político?
RHODES ? Há três anos, em um encontro com autoridades europeias, eu disse: ?Vocês têm de olhar para o Brasil a fim de resolver seus problemas.? Um exemplo concreto: a dificuldade que o governo espanhol está tendo para resolver as dívidas das províncias é muito parecida com a questão das dívidas estaduais brasileiras. Passaram-se três anos e pouca coisa mudou. Na Europa, atualmente, há um problema de falta de liderança. Em meu livro, discuto a necessidade de que os líderes não apenas tomem as decisões certas, mas que façam isso a tempo. ?Timing? é tudo nesse tipo de situação. Se as medidas não forem tomadas a tempo, a crise se espalha. É o que está ocorrendo agora. Os problemas começaram a ficar sérios na Grécia já há algum tempo, e não se fez nada. Agora, a crise ameaça Portugal, Irlanda, Espanha, Itália e começa a afetar até mesmo a França, onde houve uma mudança política. Os europeus têm sido arrogantes e, me atrevo a dizer, ignorantes. Eles não olham soluções adotadas por outros países, não se interessam em saber como problemas semelhantes foram resolvidos.
DINHEIRO ? O que pode acontecer se não houver soluções rápidas?
RHODES ? Vamos tomar a Grécia como exemplo. Em 2011, a economia encolheu 7%, o que é um índice pior do que os registrados nos momentos mais tenebrosos na América Latina e na Ásia nas décadas passadas. Pior, isso não é algo pontual. A economia grega deve retroceder outros 7% neste ano, e provavelmente mais 5% no ano que vem. Isso não é uma recessão, é uma depressão profunda, e as consequências podem ser gravíssimas. A economia brasileira foi e vai continuar sendo prejudicada pelo déficit e pela crise na Europa. Toda a Europa está com sua economia estagnada, exceto a Alemanha e, talvez, a Polônia. Isso afeta a China, que poderia crescer 10% neste ano, mas cujo crescimento deve desacelerar para 7%. E esses são apenas alguns exemplos.
DINHEIRO ? Essa ausência de crescimento econômico pode provocar uma reação política contra as medidas, por exemplo?
RHODES ? É uma possibilidade, sim. Aumenta o risco de que políticos extremistas, tanto de esquerda quanto de direita, ganhem espaço. Não tem muito jeito, é preciso conquistar apoio político para as mudanças. O problema europeu é que a única alternativa oferecida tem sido austeridade, austeridade e mais austeridade, e os eleitores já não estão satisfeitos com isso. Eles querem crescimento econômico. Então, se os governos quiserem apoio político, terão de oferecer alternativas que contemplem pelo menos um pouco de crescimento econômico.
DINHEIRO ? E quais as recomendações para que esses países superem a crise?
RHODES ? De novo, o Brasil é um exemplo a ser seguido. O governo brasileiro realizou uma privatização muito bem-sucedida graças à capacidade de atrair os investidores privados. Veja os investimentos na infraestrutura, com as concessões de aeroportos, por exemplo. O Brasil precisa desesperadamente melhorar sua infraestrutura para manter-se competitivo, e isso só será conseguido com a participação do setor privado. A situação na Europa é rigorosamente igual, os governos não vão conseguir, sozinhos, colocar a economia de novo na rota do crescimento.
Protesto na Grécia contra as mudanças na economia
DINHEIRO ? Qual a sua avaliação da economia americana?
RHODES ? Este ano será difícil, com um crescimento fraco. O principal problema dos Estados Unidos não é a falta de liquidez, pois há recursos abundantes nos bancos, mas um problema fiscal. Precisamos, simultaneamente, cortar gastos e elevar impostos. Isso requer um esforço muito maior do que o que foi feito no Brasil, e fica mais difícil devido às eleições presidenciais e para o Congresso. Precisamos de uma reforma fiscal maciça, e esse processo deverá ser retardado por mais um ano, no mínimo. Mesmo assim, sou um otimista com Estados Unidos, assim como sou um otimista com o Brasil.
DINHEIRO ? Os bancos americanos estão sólidos?
RHODES ? Sim, eles estão bem capitalizados, e a supervisão bancária melhorou. Um dos avanços decorrentes da crise de 2009 foi que o Tesouro e os reguladores do sistema financeiro americano forçaram os bancos a fazer duros testes de estresse e a avaliar seu capital com mais precisão. Na Europa, a situação não é tão boa, pois esses testes e essas exigências só começaram a ser feitos agora. Penso que uma parte importante das medidas de ajuste europeias seja estabelecer uma supervisão bancária unificada.
DINHEIRO ? As medidas para sanear os bancos americanos acabaram aumentando a liquidez no mercado e pressionando o câmbio em vários países, o Brasil entre eles. Como o sr. avalia a estratégia do governo brasileiro de defender sua moeda?
RHODES ? Acho que o ministro Guido Mantega tem razão ao querer defender o real. A liquidez cresceu muito no mercado, houve um aumento de liquidez na Europa, nos Estados Unidos, no Japão e até mesmo na China. Tudo isso tem impacto muito grande em um país como o Brasil, cujas exportações dependem muito de commodities e de manufaturados. O governo brasileiro não pode controlar o que os outros países fazem, então é preciso tomar medidas para compensar o impacto dessas medidas.
DINHEIRO ? O sr. diz estar otimista com o Brasil. Por quê?
RHODES ? O Brasil é um país de enormes oportunidades. Fiz minha primeira visita em 1954. Eu era calouro da Brown University, queria conhecer o país e embarquei como taifeiro durante o verão em um navio que parou no Rio, e depois em Santos. Desembarquei, fui para São Paulo e conheci um pouco do Brasil. Era um ano difícil, Getúlio Vargas havia se matado. Acompanhei a transformação do Brasil de um país que exportava café à sexta maior economia do mundo. Sempre fui um otimista em relação ao Brasil, mesmo nos piores momentos de 1982, quando toda a América Latina estava envolvida nas crises da dívida. Conheci muitos brasileiros que estavam pessimistas, mas eu sempre estive otimista. Naquela época, o Brasil era visto como o país do futuro, hoje é o país do presente.