19/08/2011 - 6:00
DINHEIRO ? Se a Mercedes-Benz é forte em veículos comerciais no Brasil, por que não deslancha em automóveis?
DIETER ZETSCHE ? O Brasil teve um papel importante nos últimos 50 anos para a Daimler. Tivemos um crescimento impressionante e bom retorno de todos os investimentos. É um mercado muito importante para a marca. Mas nosso negócio no País sempre foi veículos comerciais. Em caminhões Mercedes-Benz, o Brasil será imbatível. Mas, por enquanto, as vendas de automóveis são feitas apenas por meio de importação.
DINHEIRO ? A Mercedes-Benz poderá voltar a produzir carros na fábrica de Juiz de Fora, onde já montou o Classe A, o Classe C e o CLC?
ZETSCHE ? Estou convencido que sim, mas não será amanhã. O Brasil tem sido muito importante para todas as marcas alemãs nos últimos anos (inclusas a BMW e a Audi). Por enquanto, estamos aumentando nossa capacidade de produção no País. Como a fábrica de São Bernardo atingiu o limite de sua capacidade e não há espaço para ampliação, a fábrica de Juiz de Fora, com capacidade para produzir 50 mil unidades por ano, nos dará condições de manter o ritmo de expansão.
DINHEIRO ? A redução do custo de 35% na taxa de importação não seria um atrativo?
ZETSCHE ? Seria, mas isso não significa que o carro ficaria 35% mais barato. Existem outros custos que compõem o preço final, inclusive a amortização do investimento na implementação da fábrica. Um modelo de R$ 100 mil poderia cair para R$ 90 mil ou R$ 85 mil. Não tenho os cálculos exatos, mas a redução não é proporcional.
DINHEIRO ? O desinteresse em voltar a montar carros no Brasil de imediato se justifica pela atual taxa de câmbio, mais favorável às importações?
ZETSCHE ? O câmbio está favorável para quem importa, mas a indústria não pode esperar essa situação para sempre. Além disso, os planos de produzir ou não em um país não levam em conta a taxa de câmbio, mas o tamanho do mercado. Quando houver escala de produção, começaremos a produzir. Nossa fábrica de Juiz de Fora, onde deveremos investir R$ 1,5 bilhão até 2013, estará preparada para isso.
Produção de caminhões Mercedes-Benz no Brasil
DINHEIRO ? Qual é a escala de produção necessária para iniciar a produção?
ZETSCHE ? Precisa de um mercado com volume maior. Tem gente que fala entre 30 mil e 40 mil. Acredito que acima de 100 mil unidades valeria a pena. O Brasil poderá atingir esse volume daqui a alguns anos, mas não tem hoje uma escala que justifique uma fábrica.
DINHEIRO ? Mas a Mercedes tem uma fábrica na África do Sul, onde a marca vendeu 22,6 mil unidades em 2010.
ZETSCHE ? A nossa fábrica na África do Sul é mista. Não é de produção, é de montagem. Monta caminhões e carros em linhas de produção distintas. Mas lá é CKD (um kit de peças que entra na fábrica apenas para ser montado). Vem tudo de fora. A unidade só faz a montagem.
DINHEIRO ? A fábrica de Juiz de Fora já montou carros, mas parou. Por quê?
ZETSCHE ? O cenário econômico era outro. A fábrica de Juiz de Fora foi projetada para produzir 60 mil automóveis por ano, em 1999. Mas o pico de produção na fábrica foi de 27 mil unidades em 2008, com o cupê CLC, para exportação. Agora, a unidade está em processo de ajustes e passará a produzir caminhões. A capacidade será de 50 mil unidades por ano e, já em 2012, vai fabricar 15 mil veículos.
DINHEIRO ? Alguns fornecedores, como a Maxion, a Randon e a Seeber, já se instalaram ao lado da fábrica de Minas Gerais para dar suporte a esse aumento da produção. Outros fabricantes de autopeças estão a caminho?
ZETSCHE ? Não sei de todas as negociações. Inicialmente, dois modelos serão montados em Juiz de Fora: o Accelo, hoje montado em São Bernardo, e o Actros, mais voltado para transporte pesado. O projeto começa com um índice de nacionalização de 44% e deve evoluir para 60% até 2014.
DINHEIRO ? Mesmo importando, as vendas de automóveis vão bem, correto?
ZETSCHE ? No Brasil, a marca Mercedes-Benz deverá vender dez mil carros neste ano, um aumento de 25% em relação a 2010. O mercado alemão de automóveis premium (com Audi, BMW e Porsche) deverá chegar a 30 mil unidades este ano no País.
Colheita de milho no interior do Paraná
DINHEIRO ? Por que o País cresce tanto na área de caminhões?
ZETSCHE ? Nas últimas cinco décadas, o Brasil consolidou um importante mercado para veículos comerciais. O fato de ser um País com um grande território e o transporte de carga ser essencialmente rodoviário favorece muito a venda de caminhões. Além disso, alguns setores estão crescendo muito e puxando a demanda por transporte. É o caso, por exemplo, da agricultura e do setor de infraestrutura. O Brasil é um mercado que está cheio de oportunidades.
DINHEIRO ? E as novas tecnologias?
ZETSCHE ? Estamos comemorando neste ano 125 anos da invenção do automóvel. Estou certo de que nos próximos 50 anos ocorrerão muito mais transformações do que as registradas em todo esse período. Ou melhor, nos próximos dez anos a indústria automobilística vai evoluir na área tecnológica muito mais do que mudou nos últimos 50 anos. Todos os investimentos em pesquisa caminham nesse sentido.
DINHEIRO ? No Brasil, a Mercedes-Benz tem investido em pesquisas para diesel de cana-de-açúcar. Esse é o caminho?
ZETSCHE ? O futuro dos carros está nos motores elétricos. O mundo vive dois grandes desafios. O primeiro é a redução do impacto ambiental, com o desenvolvimento de novos combustíveis. O outro é o desafio da mobilidade. O grupo Daimler investe ? 10 bilhões por ano em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias.
DINHEIRO ? Mesmo com a crise nas grandes economias, as vendas estão em alta. Qual a estratégia?
ZETSCHE ? Estamos no melhor momento para a empresa. Se continuar como está, 2011 deverá ser o melhor da nossa história. Já registramos um crescimento de 9% nestes sete meses (janeiro a julho). Estamos melhores em todo o mundo, inclusive no mercado brasileiro.
DINHEIRO ? O foco da Daimler será nos emergentes?
ZETSCHE ? Temos atenção especial nos Brics. Na China, por exemplo, implementamos uma fábrica em 2010 para atender à crescente demanda do mercado local. Na Rússia estamos caminhando bem com as nossas operações também. Na Índia temos uma nova fábrica de caminhões, onde criamos uma marca local, a BharatBenz. Os mais leves usarão a plataforma do Fuso Canter, de origem Mitsubishi, enquanto os mais pesados serão montados em plataformas Mercedes-Benz. Acreditamos que o mercado indiano tem potencial para crescer cerca de 80% até 2020, por isso decidimos fortalecer a presença no país. E, no Brasil, onde já somos líderes, agora estamos ampliando a capacidade de produção com a fábrica de Juiz de Fora.
DINHEIRO ? Onde há potencial fora dos Brics?
ZETSCHE ? Temos excelentes perspectivas na Turquia. Nossos caminhões e ônibus são líderes de mercado naquele país há muitos anos e desejamos continuar a aumentar substancialmente as vendas nos próximos anos. Nossas plantas de ônibus e caminhões, inclusive as da Turquia, estão entre as instalações industriais de veículos comerciais mais avançadas do mundo e são parte essencial da rede de produção global da Daimler.