09/08/2006 - 7:00
DINHEIRO ? O que levou a Moody?s a colocar a avaliação de risco do Brasil em observação para uma possível melhora?
MAURO LEOS ? Elevamos a nota do Brasil em outubro do ano passado e, já naquele momento, demos sinais positivos, pois tínhamos a expectativa de que os indicadores da dívida do País continuariam melhorando. Acontece que essa melhora superou as nossas expectativas.
DINHEIRO ? Que indicadores surpreenderam mais?
LEOS ? Há três grande motivos. O primeiro se baseia nas contas externas, nas quais estão o superávit em conta corrente, as exportações e o saldo da balança comercial, que estão fortes há vários anos. O segundo são a dívida externa e a vulnerabilidade externa, que estão baixando de forma muito importante. Além disso, o estoque da dívida está caindo em níveis nominais. O último grupo é a estrutura da dívida interna do governo, que está muito menos vulnerável ao câmbio e à taxa de juros Selic.
DINHEIRO ? Mas a dívida interna continua alta. Isso o preocupa?
LEOS ? O governo tem comprado títulos e trocado dívida externa por doméstica. A dívida como um todo continua alta, mas é importante lembrar que se tem feito um esforço para melhorar o seu perfil.
DINHEIRO ? A estratégia do Tesouro de reduzir a exposição da dívida ao câmbio e à taxa Selic por títulos prefixados funciona?
LEOS ? Tanto funciona que estamos melhorando a classificação do Brasil. Essa estratégia reduz um dos problemas óbvios da estrutura da dívida brasileira, que era a influência da oscilação do câmbio e dos juros. Hoje, o impacto é menor. Esse é um bom trabalho que o Tesouro fez com Joaquim Levy e que está sendo continuado pelo Carlos Kawall.
DINHEIRO ? E é suficiente para levar o Brasil ao grau de investimento?
LEOS ? Para atingir um grau de investimento, o governo terá de trabalhar o Orçamento, reduzir gastos e zerar o déficit. Muitas das grandes melhorias que aconteceram no Brasil têm mais a ver com as ações do Tesouro do que do governo como um todo.
DINHEIRO ? Essa mudança do perfil da dívida ajuda a acelerar a redução dos juros?
LEOS ? O primeiro ponto que está por trás da redução do juro é a credibilidade da política monetária e do Banco Central. A insistência e o sucesso de Henrique Meirelles em controlar a inflação têm dado consistência a essa credibilidade e mostra que esse compromisso de baixar a inflação e mantê-la baixa realmente existe e vai continuar no futuro. À medida que aumenta a credibilidade se reduz o preço que o BC tem de pagar com o juro tão alto.
DINHEIRO ? O sr. acredita em cortes acentuados dos juros?
LEOS ? No futuro, o BC poderá continuar reduzindo os juros porque hoje já tem credibilidade. O que tem de mudar é o Orçamento, o déficit, o gasto. Essas são as próximas etapas. É a tarefa da próxima administração.
DINHEIRO ? E de quem será o próximo governo?
LEOS ? Isso não nos preocupa.
DINHEIRO ? Por quê?
LEOS ? Em 2002, o Brasil teve uma crise provocada pelo processo eleitoral, mas este ano isso parece que não vai acontecer. O que isso significa? Quer dizer que a eleição não é mais uma preocupação para o Brasil. Antes, os problemas políticos afetavam o mercado. Foi isso que provocou a reação exagerada que se viu em 2002.
DINHEIRO ? O que mudou?
LEOS ? Há quatro anos, o Brasil era classificado como ?B? na nossa escala. Era uma categoria abaixo da que está hoje por duas razões. A primeira é que a estrutura da dívida era muito vulnerável, atrelada ao câmbio e à Selic. Hoje, a dívida do Brasil não sofre tanto impacto das movimentações do câmbio ou da taxa de juros.
DINHEIRO ? Tanto faz quem vai vencer, Lula ou Alckmin?
LEOS ? Independentemente de quem vença, a meta de superávit primário continuará em 4,25% e os esforços para melhorar a estrutura da dívida seguirão em frente. Pode até haver uma mudança de governo, mas não haverá mudanças na política econômica.
DINHEIRO ? Quais os principais desafios do País para ter o grau de investimento?
LEOS ? A dívida ainda é alta e há déficits que precisam ser reduzidos. O Brasil enfrentou isso nos últimos anos com condições externas boas, que podem mudar.
DINHEIRO ? Em que direção?
LEOS ? O que acontecerá quando a situação internacional não estiver tão positiva, quando o preço da soja cair ou se o Fed seguir elevando a taxa de juros nos EUA? Esses são os temas que devem estar dentro da classificação e as estimativas de como o Brasil vai reagir a isso.
DINHEIRO ? E o que deve ser feito?
LEOS ? Terá de haver mais ajuste, mais reformas para que as contas fiquem cada vez mais fortes.
DINHEIRO ? O sr. defende um superávit primário maior?
LEOS ? Em todos os países se sabe que um superávit primário maior leva a uma redução mais rápida da dívida. Isso é matemática. No caso do Brasil isso é tão óbvio que não há nem como discutir. A pergunta que se faz é se os 4,25% são suficientes para o Brasil.
DINHEIRO ? São?
LEOS ? De acordo com a versão oficial brasileira, sim. É um número mágico. A versão oficial é que esse ?número mágico? funciona e é suficiente. A realidade é que nos últimos dois ou três anos ele tem sido até superior a 4,25% e mesmo assim não tem acontecido muita coisa. A economia não cresceu, a taxa de juros esteve mais alta e a relação dívida/PIB caiu muito pouco.
DINHEIRO ? Há ainda quem diga que essa meta não será cumprida nos próximos anos?
LEOS ? Essa é uma grande dúvida. Se as coisas não mudarem, se os gastos continuarem subindo, não é seguro que esse número seja mantido. Tentamos traçar sempre uma visão de longo prazo e quando pensamos em 2007 ou 2008 a pergunta que nos fazemos é se é possível manter esse nível ou se os 4,25% serão suficientes. Por enquanto, para nós, é um ?número mágico?, que segura tudo.
DINHEIRO ? Por que o crescimento não entra nas análises das agências de risco?
LEOS ? Há dois países da região que crescem abaixo da média: Brasil e México. No caso do Brasil, a economia tem crescido pouco. Mas o que fazemos é analisar o risco de crédito. E apesar do crescimento baixo, o risco de crédito tem diminuído muito. Nessa análise, o mais importante não é quanto um país cresce, mas até que ponto o governo está disposto a fazer ajustes para cortar a dívida.
DINHEIRO ? Mas não seria melhor reduzir risco com expansão?
LEOS ? Sim. Olhando para o futuro, uma economia que cresce pouco dificulta as mudanças necessárias. As chances de se fazer ajustes fiscais e reformas quando a economia cresce a taxas elevadas são maiores. Quando a economia cresce pouco, tudo se complica, pois toda reforma tem custo para se negociar.
DINHEIRO ? O baixo crescimento brasileiro pode atrasar a obtenção do grau de investimento?
LEOS ? Primeiro temos de definir o que é baixo. Crescer 2% naturalmente é baixo. Se o Brasil continuar crescendo assim será muito difícil melhorar. Isso não quer dizer que andará para trás. Tudo depende. Pode ser que a economia cresça, mas que o governo não faça ajustes necessários para reduzir a dívida. Crescer é bom do ponto de vista geral, mas não necessariamente produz um menor risco de crédito. O que pesa são as reformas e os ajustes fiscais.
DINHEIRO ? O grau de investimento chega em 2007? Essa é a aposta do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
LEOS ? Eu não creio que sim nem que não. A questão é focar no que tem de acontecer para que daqui a dois, três, x anos, o Brasil alcance isso. Se o Brasil conseguir reduzir suas dívidas e melhorar sua capacidade de pagamento em dois anos, poderá ter grau de investimento em dois anos.
DINHEIRO ? O que atrasaria essa meta?
LEOS ? De acordo com o ?número mágico? (do superávit), algo já deveria ter acontecido com a dívida. Mas nada aconteceu. O que o ministro Mantega está dizendo é que daqui a dois anos vai acontecer algo que até agora não aconteceu. É a opinião dele.
DINHEIRO ? Ele também aposta num crescimento de 4,5% para a economia neste e no próximo ano.
LEOS ? Se a economia cresce pelo menos 4%, se a taxa de juro segue caindo, se o superávit se mantém em 4,25%, qual vai ser o resultado? O nível da dívida vai baixar. Mas não de maneira imediata. Acontece que o exercício que estamos fazendo é o do ?se?. A pergunta certa seria: vai acontecer? Existem dúvidas.
DINHEIRO ? Por quê?
LEOS ? Porque o mais provável é que na próxima administração as condições externas não sejam tão boas como foram nesta administração. Estamos falando de fatores externos. Com esse cenário menos favorável, o que vai fazer o governo além de manter esses ingredientes? Ficará cada vez mais difícil avançar. E o Brasil terá de fazer muitas reformas.
DINHEIRO ? A valorização do real pode prejudicar esse objetivo?
LEOS ? O que posso dizer é que o real realmente está forte e, apesar disso, as exportações continuam crescendo. Aparentemente, isso quer dizer que os exportadores são eficientes. Mas o período entre 2003 e 2005 foi especial. Daqui para a frente isso vai mudar e já esperamos uma redução no saldo da balança comercial brasileira. Não nos surpreenderia que o Brasil venha a ter déficit em conta corrente.
DINHEIRO ? Até que ponto um atraso na melhora do rating brasileiro prejudica o desempenho das empresas nacionais?
LEOS ? Há dois tipos de empresas. As que são ?gold class?, que competem com qualquer empresas do mundo, e não dependem do governo. Mas as Vales e Petrobras são poucas. Para a maioria, à medida que a situação do governo melhora, o crédito fica mais barato. Para as empresas normais, a classificação pesa e isso contribui para que elas possam acessar o mercado financeiro internacional.